OS FRUTOS DA VIZINHANÇA
A PALAVRA DE DEUS dita em seu DÉCIMO MANDAMENTO: “Não cobiçai as coisas alheias”. Roberto Carlos, em “A Namoradinha de Um Amigo Meu”, que cantou para o um diletantismo, diz: “... O que é dos outros não se deve ter”. Cioso de tais princípios é que começo e dou continuidade a este. Da minha cativa cadeira à “sala de jantar” que fica ao terraço externo (aos fundos) da minha casa, podia ver do outro lado do muro divisório à vizinha, a copa de um pé de ata (também conhecida por fruta do conde ou pinha), com vistosos frutos que se perdiam com o tempo ou consumidos pelos bem-te-vis e sabiás que, costumam festejar no meu quintal coberto de árvores e sombras.
Da minha cadeira cativa eu ficava a me questionar sobre aqueles frutos tão saborosos ali convertidos no meu “objeto de desejo”, que faziam-se desprezados e abandonados pela vizinha que não lhes dispensava a menor atenção ou por eles não se interessava, enquanto eu, praticante no Nono Mandamento da Lei do Criador, ficava “morrendo de amores”. Afinal sou louco por ata, também conhecida por “pinha” ou “fruta do conde”, desde os meus tempos de moleque de casa alheia, lá pelos oito, nove, dez anos de idade, de cujas passagens guardo uma lembrança memorável em que, furtivamente apanhei um pinha, escondi, deixei amadurecer e devorei sozinho! Aquela conduta se descoberta seria o “crime da mala” E haja castigo”!
E assim os vistosos frutos amadureciam. Uns que consumidos pelos pássaros outros que apodreciam lá mesmo. Até que um dia... até que um dia... quando dei por conta, sentado da minha cadeira cativa na externa “sala de jantar”, pude ver que aquele solitário pé de ata tinha voado pelos ares, não existia mais. Cortaram-no simplesmente! Aquilo, porém, me trouxe uma nova lição: É que enquanto uns morrem de amores por certas coisas fora do seu alcance outros, na fartura, dão de ombros, ignoram, não ligam, não se interessam. Tenho vivido e sentido isso, na pele.
De uns tempos para cá, tenho observado incríveis respostas que a Mãe-Natureza dá aos seres humanos. E até já escrevi mal traçadas linhas sobre o assunto. Foi o que aconteceu! O tempo passou, acho que um ano ou mais que isso e, eis que da minha cadeira cativa na externa sala de jantar com o olhar atravessado paro outro lado do muro da vizinha, o que vejo? A resposta da Natureza! O pé de pinha havia brotado e crescido o suficiente e agora já mostrava a sua nova copa. Fiquei exultante e feliz ao contemplar a resposta da Criadora! E, pouco tempo depois, ali mesmo, no mesmo lugar, novos e vistosos frutos ali se mostravam à copa do pé de ata. E, nesse voo da imaginação, permito-me imaginar que outros tantos existam abaixo da linha do muro.
Pouco depois um deles, o que amadureceu primeiro, desapareceu, não sei que fim levou. Outros mais já começam a se preparar para o amadurecimento. E eu, da minha cadeira, fico pensando: tem fruto aí que já podia ter sido colhido, para acabar de amadurecer em casa. Mas, qual lá nada. Está lá, intacto, no mesmo lugar em companhia dos outros, como que à espera do mesmo destino dos demais. E, enquanto a dona não liga para aquilo eu morro de amores, mas a palavra de Deus, persiste em mim: “Não cobiçai as coisas alheias”, sei disso. E a música de Roberto também dá o mote: “o que é dos outros não se deve ter”.
Certa feita, quando eu cruzava o Município de Dom Eliseu, em terras do Pará, de repente uma cena salta aos meus olhos: Era um chacareiro com o bagageiro do seu carro com três caixa de pinha “brutonas”, mais outras tantas espalhados na “vitrine”. Eu não me aguentei. Fui lá e, de cara, devorei tantas quantas me apeteceram. E comprei mais outras tantas! Achei que era pouco e comprei uma caixa! Continuei achando que era pouco e lá vai mais outra caixa! E, para arrematar, comprei todas que ali estavam.
Ao seu tempo, o meu velho avô já dizia que “criança tem o olho maior do que o bucho”. Foi o que aconteceu! De repetente as pinhas amadureceram quase todas de uma só vez. E agora José? Na época não tive a ideia de transformá-las em polpa para saboreá-la até o fim. E, a contragosto, tive que me desfazer de partes delas. Foi uma dor! Uma lembrança, da qual nunca esqueci. De outra feita, em tempos por aqui, atas vindas da Paraíba ao que me disseram, chegavam às carradas! E eu, neto do meu avô, chegava por lá, escolhia e... comprava “todas”, quer dizer, uma porção delas e passava a semana inteira brincando de comer pinhas - a “fruta do conde”.
Mas por que “fruta do conde”? Vim saber que era a fruta preferida de um nobre português que deixava os seus súditos genuflexos, ao vê-lo ao desvario devorando suas frutas preferidas. Ora, aqueles burgueses do além-mar, fugindo de Napoleão aqui neste fim de mundo, não tinham outra coisa para fazer, em tempos de vacas gordas, senão se refestelar com as riquezas da Colônia, praticarem o sexo ao desvario e se empanturrarem desbragados com comidas o tempo inteiro. Daí que a “fruta do conde” era um dos seus alvos ao desvario de sua gulodice. E eu, pobre e mortal plebeu que surgi séculos depois, acho que “herdei” um tanto da gulodice desse “nobre!”.
Agora, sem saber onde mora aquele chacareiro que me vendeu toda a sua produção, naquela manhã em terras do Pará; agora sem mais, por aqui, aquelas carradas de ata que procediam da Paraíba, vejo a minha frustração. E fora do alcance das poucas e vistosas frutas que aparecem na copa daquele pé de ata que ressurge do outro lado do meu muro, no quintal da vizinha. Então, querendo tudo mas como quem não quer nada, vou mandar este texto para a minha vizinha. Quem sabe...
Quem sabe ela se sensibilize diante destas mal traçadas linhas e, ao invés de deixar as suas frutas se perderem, queira me obsequiar com aquela riqueza que, pelo visto, ela ou nem se dá conta, ou nem faz conta. Quem sabe! Uma coisa, porém, eu me convenço: Está escrito no Nono Mandamento da Lei de Deus: “Não cobiçai as coisas alheias como bem assim na canção do Roberto: “... O que é dos outros não se deve ter”.
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Contei isso numa reunião entre colegas e o Dr. Carlos André Morais Anchieta, entre um sarcástico sorriso ao canto da boca, me comparou a um “jurisfilósofo” que existiu por estas bandas. Doutor Carlos André, “me compare a uma porca que eu lhe dou um bacorinho”!!! Fica satisfeito assim?
Edição Nº 15858
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