EIS A NATUREZA! EIS A VIDA!
Certa feita um padre, durante o ato litúrgico, anunciava ou conjecturava a criação de um “jornal da comunidade”. E conclamava os fiéis a que se dispusessem a colaborar com o periódico. O padre, com tanta gente na solenidade referiu-se diretamente a mim e, nominalmente, me provocou a escrever para o jornal que, enfim, ao que eu saiba, nunca circulou.
Saí dali me questionando sobre o que escrever para um “jornal católico”, se não tinha qualquer experiência sobre esse viés. E fiquei fuçando na mente uma saída para atender ao clérigo no seu “jornalzinho”. Rodei a mente, rodei a mente a nada! Ao fim da tarde daquele dia, ao cortar um mamão de um carpo (polpa) avermelhado, doce e farto e ali centenas de sementes, em segundos fui escrevendo, na mente, um tema para atender ao padre, que resultou no texto: “E DEUS SE FEZ NATUREZA”.
O texto abordava sobre a criação, a natureza, a reprodução da natureza, a riqueza e a beleza da natureza, tudo em torno daquele mamão. Considero que o texto ficou “legal”, mas o religioso, ao que creio, não publicou o jornal. O cantor e compositor  Petrucio Amorim, na música “Foi Bom Te mar”, tem um verso que diz que “Na vida tudo tem um sentido” . E ainda:  Valeu a pena sonhar/ Foi uma pena acabar /O que a gente Nem começou”. E então, a partir daí, passei a exercitar uma veia que cuida das coisas da natureza, lembrando sempre que tudo começou com aquele imaginário jornal que ficou só na imaginação.
***********************
Quem vai pela Rua Tereza Cristina, esquina com Getúlio Vargas, lado direito, pode observar que ali, ao canto da parede, existe um tronco seco, mutilado a metro e meio de altura. Está lá! Era um jovem pé de oiti que nasceu e crescia ao pé da parede, quiçá deixado ali pelos próprios donos da casa. Ao pé da parede, sob sombra,  o vegetal precisava processar a fotossíntese  que é o seu alimento natural e daí,  recurso da natureza adernar-se mais para a rua, em busca da luz solar.
O jovem oitizeiro crescia com vigor, bonito, simpático, na esquina. Aí, gente da própria casa resolveu matá-lo. Para isso circundaram-no com um vistoso corte em sua casca, deixando a lenha à mostra. Sabemos que a planta alimenta-se através da “casca” e a circuncisão é ou poderá ser uma forma de “morte lenta”. Qual nada! O jovem oitizeiro foi mais forte! E continuou vivendo e crescendo. A mesma mão não se deu por vencida, foi lá e ampliou estupidamente a circuncisão. “Pelou” o vegetal  que, qual o assassinato do André, na Vila cafeteira com uma faca de mesa serrilhada,  acabou vivo e regurgitando.
A mesma mão inconformada com a insistência da planta pela vida, foi lá e... mutilou a jovem árvore à altura de onde desgalhava um triângulo em galhos. Aí a NATUREZA teve que ceder aos caprichos da insanidade humana mas... nem tanto. Quem passa pelo local pode ver um jovem tronco mutilado, descascado todo,  mas, ainda assim, pequenos e frágeis brotos tentam, em vão, emergir do triângulo mutilado. E, por último, depois de tanto sofrimento daquela jovem criatura, levanta de suas raízes vistosas e fragilizadas cepas que, enfim, diante de tanta perseguição não chegarão a lugar nenhum. Mas, ainda assim, a natureza continua respondendo. Eis a natureza! Eis a vida!
***************************
No fim da década de 1970, comprei uma casa antiga na Rua Manoel Bandeira, onde hoje situa-se o nosso escritório profissional. O imóvel pertencia à D. Anorina, conhecida então por D. NORA, a qual insistia por lembrar que teria sido construção do seu marido, pedreiro. Imagino que teria uns sessenta anos de construção. Ao demolir aquilo tudo, lembro-me que um dos esteios principais, completamente descascado e lavrado,  era de madeira “AROEIRA” e que a parte do esteio que ficava enterrada ao chão estava intacta e integralmente verde. E mais: dele emergiam pequeninos brotos, como se destinassem à formação de galhos ou raiz.
Ao constatar a cena que me assaltava aos olhos e à mente, fiquei perplexo ao compreender que ali estava uma “natureza morta”, e que ainda  assim, dela havia uma parte que resistia à morte e tentava sobreviver. Assim também são os seres humanos. Eis a natureza! Eis a vida!
****************************
Tenho, no Bacuri, um pequeno terreno e nele uma mangueira e um coqueiro, uma dedicação  e observação de como se fora um “sítio”. A mangueira cresceu, esgalhou, atraiu cupins que se estendiam pelos vizinhos. A contragosto, mandei podar, porém tornou-se uma “árvore de sombra”, pequeno porte, linda e maravilhosa! Ali é habitat de rolinhas sangue de boi,  que exercem suas posturas. Recente, ao executar a poda, constatou-se uma rolinha, no seu ninho, com dois filhotes.
O serviço de poda é voraz, exaustivo, mas ainda assim a mãe-rolinha não se abalou na proteção aos seus dois filhos. E permaneceu imóvel e inerte, no seu lugar, à cobertura de suas crias. Tal o serviço e a “revolução” que é uma poda, a rolinha-mãe quando muito, por instantes, afastou-se a poucos palmos mas ficou ali, vigilante, ativa, indiferente àquele “vulcão” que se abatia à beira do seu ninho. E o marido e pai que vive no mundo, qual um garimpeiro, também marcou presença. Fiquei vendo e refletindo sobre a magnitude, o altruísmo, o poder da criação.
Continuo na observação e, dois dias depois, vejo que os filhotes, plena semelhança dos pais, ensaiam os primeiros voos e estão noutro galho a alguns metros do seu berço, quietas, nada assustadas pela criancice, mas pensando no próximo passo a dar. Enquanto isso, mamãe e papai rolinhas estão em volta, de olho na integridade e na logo-logo independência de suas crias. Fico vendo aquilo e me questionando: Eis a natureza! Eis a vida!
Tivesse o padre publicado o seu jornal católico, quem sabe, tanto aquela do mamão quanto esta matéria e para outras reflexões teriam composto a sua editoria.