CARTA ABERTA A LUÍS DANDA (SEU DANDA)
Março de 2.017 - Meu Caro DANDA,
Onde você estiver, receba esta com o meu pranto de admiração e com as minhas cordiais saudações...
Longe se vai o tempo, meu caro Danda, em que os despropósitos propositais da vida nos cruzaram pela primeira vez, tete a tete, cara a cara. Depois por uma segunda vez, tete a tete, cara cara e, por último, mais recentemente, por outras tantas vezes. Fomos vizinhos até, na Manoel Bandeira, mas é como se morássemos a centenas de milhas. Também não posso evocar a palavra “amigo”, porque aí seria uma usurpação do quanto encerra o termo. Mas, no conjunto da obra, todo o meu velado respeito e admiração que sempre  nutri e vou continuar nutrindo por você.
SEU DANDA, não estive no teu último ponto aqui sobre a face do chão, acho que por “covardia”, à sombra de que eu queria ficar com aquela imagem que você transmitia: machão, bonitão, vozeirão, calça jeans, trajes bem assentados, carrão, católico, bem sucedido na vida, norteado todo. Preferi ficar com essa imagem a que ver pela última vez o teu corpo inerte, na horizontal, à espera da primeira e última pá de terra. Isso não! Covardia ou opção, mas foi com esse ato de omissão que me despedi de você.
Tenho, meu caro DANDA, duas senão três ou quatro memoráveis lembranças de você. Lembranças de rochedo! De verdade! Que guardo com carinho, com estima e, a partir daí e por outros tantos vieses, a minha indomável admiração pela criatura que foi (?) você e que um dia até me falou de tua origem de pobreza no sertão da Paraíba e daí o trabalho desde cedo para ajudar no sustento da família.
Numa dessa lembranças, o Armazém estava em reforma e a loja situava-se na mesma Getúlio Vargas, em frente ao posto de combustíveis. Fui lá comprar uma máquina de escrever (ou um ar condicionado?). O meu vendedor era o ADIB, de saudosa memória. Discuti o preço com o Adib, mas não chegamos a um desfecho. Adib, flexível, meu vendedor de tantas e todas as compras, me levou até você. Bem aí começou a cana de braço! Eu queria redução do preço. Foi um bate-rebate! A certa altura, você, DANDA, sentenciou: “Cabra velho, agora eu vou botar é pra esculhambar”. E fez um baita preço! Aí eu fiquei mudo.  ADIB ficou pasmo!  E eu fiquei teu fã o resto da vida.
Numa outra ocasião, reformei a minha casa e aí... aí... casa nova e a exigência consumerista de móveis novos. Achei outros preços até em vantagem mas... o Armazém não saía da minha cabeça. Eu fui lá com o ADIB de sempre, e fiz o pacote: conjunto de dormitório, copa, conjunto de sofá, geladeira, fogão, relógio de parede, liquidificador. A história registra que Eva tentou Adão e que Dalila tentou a Sansão. Foi o que aconteceu!. De posse de um pedaço do Armazém lá em casa, a mulher abriu uma tentação e cobrou o que julgava faltar: “um pé de geladeira”.
Tentado, lá vou eu para o Armazém e pensei: ”vou pedir um pé de uma geladeira”, afinal mais do que uma geladeira comprei um pedaço do armazém. Cheguei ao subgerente da época que, com um bruto NÃO, me deu um tapa na cara. Fiquei envergonhado com o meu gesto. Não deveria pedir nada. Atravessei a loja, fui à Casa Marinho, que ficava ao lado, e comprei um lindo “pé de geladeira”, em tudo melhor do que do Armazém. E, qual numa atitude do meu pai, querendo dar o troco, volto por dentro da loja e a propósito, me encontro com você, DANDA,  para queixar as pitangas e dizer do meu constrangimento em face do pedido, no qual “levei um tapa na cara”.
Lembro-me, DANDA, que comecei dizendo que até um alfinete, um plástico ou a embalagem, uma camisa, naquilo tem um PREÇO. E fui derramando catilinárias e você me ouvindo. Ao final você esbravejou com a atitude do seu subordinado que deveria ter reconhecido que eu faria jus ao pé da geladeira. E logo mandou me entregar um similar daquele que me foi negado. E eu, qual na atitude do meu pai, rasguei o invólucro daquele que havia acabado de comprar e mostrei-lhe que o meu era melhor, mais bonito e mais barato até! Aí o que eu vi foi um DANDA mais enfurecido ainda com a falta de atitude comercial do seu subordinado.
Deu um olhar na loja e sentenciou: “aquele relógio (de parede) é seu”. Não preciso, já comprei. A esse ponto o ADIB já estava ao lado assistindo à cena. E eu aproveitei: taí o ADIB que fez a venda, no que foi confirmado. Novamente você, DANDA, deu um olhar e flechou naquele liquidificador! E novamente determinou: “aquele liquidificador é seu”. Eu disse: “SEU DANDA, o que eu tinha de pedir eu já pedi, eu não vim com você agora pedir nada, absolutamente nada. Mas a atenção que você me dispensa, para mim, é tudo. E seu saio honrado e satisfeito daqui, pela tua atitude.
Aí você, DANDA, novamente sentenciou: “ADIB, pega aquela batedeira de ovos, passa um papel e põe dentro da carro do doutor. E ato contínuo: “Doutor, se você não quiser, pode jogar no meio da rua, para os carros passarem por cima que eu não vou me aborrecer com você”. ADIB, em segundo, cumpriu a determinação e eu, tanto na compra do ar condicionado quanto neste episódio do “pé da geladeira”, fiquei guardando inesquecíveis lembranças dos fatos e nutrindo uma discreta e respeitosa admiração por esse vulto chamado LUÍS DANDA.
O tempo passou. A gente envelheceu. Mais recentemente passamos a nos encontrar nas “caminhadas” na beira rio. Aproximei-me de você, meu caro DANDA, e narrei os dois episódios; narrativas essas que, na caminhada, acho que você nem deu essa bola toda mas que eu ali me reconfortava, ao lembrar da canção para quem foi personagem e fator de inspiração.
E o terceiro episódio da admiração? Aí é questão de foro íntimo. Coisa do mundo dos héteros. Que eu não revelei nem para você, meu caro DANDA, em meio às nossas “caminhadas”, na beira rio. Finalmente, DANDA, onde você estiver, saiba que aqui embaixo ficou (ainda que por enquanto), um cara que continua te admirando e que vai te admirar para sempre. E que essa cara... SOU EU.