... NA NOITE ACORDADA
A noite não passa. O dia está longe de amanhecer. Desde as duas e meia da madrugada que estou acordado e não consigo conciliar o sono – sorte da minha terceira idade. Nesse “clarão” da noite, com a mente vagando pelas enseadas e “caminhos por onde andei”, recuso-me em voltar ao computador, de onde já vim e até já escrevi dois textos: um para o jornal e outro para o rádio, este, a minha última paixão do momento.  Na mente, vindo desse “clarão da noite” já fiz e refiz,  no imaginário, a pracinha que vou fazer no MEMORIAL do meu AVÔ, para homenagear o meu pranteado e saudoso tio e padrinho RAIMUNDO DE DOCA, uma consagrada paixão que guardo e resguardo pelo resto da vida, faz mais de 40 anos!
E nesse “mexido”, no clarão da noite, mexo e remexo com o  “portal” simplista e temático que construo na mente e hei de transformá-lo no ferro e na madeira para homenagear a minha TIA VITÓRIA que, sofrida, despediu-se recentemente. E desse portal, o grande claro da noite segue por conta de dois “portais” em concreto armado, arcos góticos, três metros de largura, outros três de largura que jazem deitados ao chão -  um para o meu avô que será erigido à beira do caminho, à frente de onde fora a sua casa e outro para a minha avó JULIANA DE DOCA justo ali onde ela tombou, na CURVA DO CAMINHO, derrubada por um infarto fulminante e que hei de levantá-los brevemente, transformando aquela antiga tapera do meu velho avô DOCA BARROS no epicentro do MEMORIAL que  meu irmão e eu estamos edificando.
De “construção em construção” na engenharia da mente, na noite acordada, agora eu cuido da VIVENDA PEDRO DE DOCA, uma homenagem que vamos prestar ao nosso tio PEDRO DE DOCA que, ferido por suas razões, teve um infarto fulminante. Vivenda PEDRO DE DOCA é mais uma “força de expressão”, posto que o local deverá constar de uma cobertura  em PVC, sextavada, debaixo da sombra, servida por “bancos” em toras de madeira “in natura”, serrada, redonda. E, de passo a passo, nesse clarão esticado da noite o “estacionamento” Tio VITAL PEREIRA, para lembrar outro filho do velho DOCA BARROS, a quem devo  guarida  por um período, do meu tempo colegial de base.
E já que chego a tanto, nesse mar da noite em claro e no tecido da mente e porque tudo ali é feito de placas de homenagens, com mensagens construídas propositalmente em versos de cordel (uma herança que vem do meu pai), agora a homenagem é a uma ave silvestre tão soturna quando o soturno da noite e que nas noites soturnas costumava cantar o seu canto triste que eu, no imaginário de uma criança, que se projetou para o adulto, achava um canto “monótono, triste e agourento” que se fazia no alto de uma árvore de grande porte à frente (pouco ao lado) da casa do  meu avô:  O ARATOÍ. Aliás que no claro da noite acorda, vou ao  meu velho dicionário capa preta (mais de meio século inarredável comigo) também vou à internet e toco para o dicionário tupi-guarani e nada encontro sobre a linhagem do ARATOÍ. Encontro-o, porém, como “Mãe da Lua”, um personagem a que desconheço.
Nos desvãos da noite acordada e já que a mente insiste por esses e outros desvarios, construo no imaginário uma homenagem para o cachorro “TU GOSTA”, guerreiro, trigueiro, líder do bando  de três ou quatro. “Quando DOCA um rastro olhava / Era a ele que chamava // Era o primeiro que saía / Era o último que chegava // E quando uma caça encovava, vinha em casa e avisava”. Está lá TU GOSTA no meu imaginário, não desvario da noite acordada, na placa de homenagem. Ele, cão de caça e predileção do MEU AVÔ que costumava parodiar: “cão de caça vem de raça”. Ele, “Tu GOSTA”  com silhueta perfil e tudo estará na placa de homenagem, no sítio florestal, no MEMORIAL DOCA BARROS. Quem viver, haverá de ver! De ler! De compreender! De não esquecer!
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Agora são cinco da manhã. Ansioso, preciso esperar um pouco mais para ligar para o AFONSO, e minha cunhada  NECA, ele meu irmão-paterno que ficou por lá; um gesto que completo diariamente, ao amanhecer do dia e mais uma ou outra vez “na roda do dia”, faz sete anos. Como não uso relógio, a minha fonte de consulta horária é o CELULAR. E quando faço o “clic” que clareia o “visor”, vejo  uma frase de uma estranha mensagem. Coisa de gente apaixonada, entregue em suas fragilidades e sentimentos mas que de tanto “ficar”, ficou. Era uma madurona que dirigia-se a um “WILSON” mas por equívoco veio cair no meu endereço. Aí logo eu pensei: “p... se minha mulher vê um negócio desses, vai ser meio mundo de confusão”.
E assim esperando o  amanhecer, resolvi ir mais longe no celular, para ver aquela inusitada “mensagem” enviada para o endereço errado.  E fui interpretando o conteúdo e o sentimento da remetente. A balzaquiana, boa linguagem, separada, acostumada às vadiagens do “zap-zap” e outras vadiagens tantas escrevia em verbo solto e farto. Lamentava ter conhecido aquele WILSON em tempo errado, mas manifestava-se segura embora sem ressentimento, porém visível em sua dor-de-cotovelo.. E o verbo “ficar” e “ficado” foi uma constante. E foi dobrando e desdobrando a sua fiação, até que num certo momento declarou-se “chateada”, porque o homem que agora a descartava,  disse que “namoraria com sua filha”. Aí tudo o que ela se preocupou foi com o seu  “ex”, o pai, muito apegado à moça.
Agora o dia vai amanhecendo. Apago essa intrusa mensagem, ligo para o meu irmão que também zarpa cedo. Entra em questionamentos o ARAOTÍ. Uma centena de perguntas. Agora é a vez da oração matinal. E sem um resquício de tresnoitado. Banho gelado e café quente e sigo em frente, deixando para o lado os tecidos da mente nessa... NOITE ACORDADA, tecidos que constroem e reconstroem os... CAMINHOS POR ONDE ANDEI.