OS MEUS DISCOS DE VINIL
Quando eu tocava um programa na Rádio Imperatriz, uma jornada que durou por doze ou quatorze anos, obtive autorização da emissora para colaborar com o programa com os meus próprios discos – com os quais entrava e saía debaixo do braço, em que pese o grande acervo da emissora. Um procedimento, aliás, de que não se te conhecimento em qualquer outra emissora do planeta. Com isso adquiri o gosto e o hábito por comprar discos e assim fui montando o meu pequeno acervo.
Certa feita, uma família local mandou um operário jogar um monte de discos no lixo. O rapaz sabia da minha “paixão” por discos, acabou por me dá-los de presente. E fui pesquisando em outros centros e fui adquirindo os meus “bolachões”. Mais tarde, quando a Rádio Imperatriz foi transferida para a Igreja Evangélica, esta não se interessou pelo acervo discotecário, colocou-os nas mãos de terceiro que os vendeu por um e noventa e nove. Quando fiquei sabendo, já era tarde. Quase tenho um infarto mas, ainda assim, adquiri os que me interessavam em seguidas repescagens.
Nessa insanidade tenho uns 800 LPs montados em uma estante feita em divisórias  (pequenas divisões), a que dei o nome de DISCOTECA PANORAMA ESTUDANTIL, para lembrar e consagrar a minha primeira participação em um programa estudantil na Rádio Educadora, nos anos sessenta, numa época em que a minha mãe, D. LOLA, no interior, mandava os meus irmãos tomarem banho, pentear o cabelo e vestir roupas limpas para assistir ao programa.
A pequena discoteca, depois da extinta a Rádio Imperatriz, sem o meu manuseio diário e constante, restou na minha casa como um peso incômodo. Ora num lugar, ora noutro. E serviu à poeira, ratos, baratas, cupins e outros mais. Anos mais tarde, depois de uma assepsia geral, fiz um total isolamento dos discos e os deixei-os como num arquivo morto, num quarto de depósito. E, como na lenda, vi que os meus lindos LPs qual um patinho feio, consumindo espaços incomodando aquilo ali, são um belo cisne.
E AGORA?
Recente, adquiri uma radiola usada (fora de mercado), marca AIWA, do tipo 5 em 1, som stereo, digital, perfeita, com tudo em cima! E então resolvi rejuvenescer o meu pequeno acervo de vinil – a discoteca PANORAMA ESTUDANTIL – para a qual construí um pequeno cômodo. E assim, discotecário, tenho varado noites e dias em finais de semana, ouvindo velhas canções. E lá estão as seções de Roberto, Luiz Gonzaga, sertanejo, orquestradas, “vinhetas”, bumba-boi, lambada, forró, As 14 mais, “especiais”, carnaval,  e  toda uma divisão com os cantores por ordem alfabética – uma experiência que obtive via a discoteca da Rádio Imperatriz.
Compulsivamente emocionado, ouvindo os meus discos de vinil, pude e posso ver o quanto ali ficou e está grande parte da história da minha vida: as músicas dos anos de jovem guarda, os bailes de mãos dadas, a dança de rosto colado. Pude ver Trio Nordestino, Luiz Gonzaga e eu menino. Roberto com “a Garota do Baile”, João do Vale em Carcará, Chico Buarque com “A banda” e “Por Trás do Trio Elétrico”, Erasmo com Festa de Arromba. Renato e Seus Blue Caps com todo o lírio e o delírio da Jovem Guarda. Pude ver Orlando Dias, Carlos Alberto, Jessé, José augusto, Valdick Soriano, Betânia, Gal Costa, o impagável Jackson do Pandeiro e múltiplas tantas outras feras da música, do rádio, das letras, das vozes, das canções, do sucesso!
Vejo então que um pedaço da minha vida tem a sua história dentro daqueles discos de vinil – momentos alegres, felizes, vibrantes, emocionados e emocionantes. Românticos. Revivi ali os meus cabelos negros, a minha juventude, os meus passos apressados, minhas interrogações, o meu rosto suado, o meu tempo colegial em noites  acordadas;  a minha camisa listrada, a outra quadriculada, a camisa “Volta ao mundo”, a calça de naicron assim um tanto colada, a camisa de cambraia e aquela bota que comprei usada. Até a sandália que me foi emprestada. Hei tempão!
E fui vivendo essa orquestra e essa canção quando me deparei com um quadro que me varou a alma: canções que explodiram no sucesso, vozes que emocionaram o Brasil, cantores (eles e elas), que reinventaram o disco, a música ao som da vida, muitos que partiram e outros a pleno esquecimento, no ostracismo, como se nunca tivessem existido – que a gente olha com retrato e tudo: Cely Campelo, Odair José, Carlos Alberto, Nelson Gonçalves, Diana, Simone.  Eis a realidade. Eis a vida!!!
Nos meus discos de vinil que me trazem a fundas reflexões, ora num pesadelo, ora num sonho acordado, há também um terreiro de festa e um mar de emoções, mas alguns detalhes são especiais: Luiz Gonzaga de sempre, “as primeiras canções do Roberto”: Parei na contramão, Malena, O Calhambeque, Os Sete cabeludos, Jura-me.  Nesse novelo as insuperáveis 14 MAIS e... toda uma seção da JOVEM GUARDA, com Fevers, Golden Boys, Jerry Adriani, Demetrius, Vanderléia. Jovem Guarda dos meus anos dourados, dos amores revelados, de lenços molhados, de lágrimas choradas e... daquele “malho” que deixava a gente sem fôlego, esgotado,  molhado, quando a gente perdia a hora, o ônibus, a vergonha e o caminho de casa... E ia pra ZONA.
E assim, nos meus discos de vinil, há uma história, um acervo, um filme em cores, um cinema de amores - vivo, latente, gritante. Uma vida que ficou por lá. UM LIVRO DA MINHA VIDA...
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Este texto eu mando para a Professora D. Maria Luiza Brandão; mando para o CAPIJAS e a ANA DUARTE, aqui de O PROGRESSO, mando para o Livaldo Fregona, de uma amizade que qual o fim do caminho, vai se acabando. Vai para o MESTRE CABRAL, que me esqueceu. Mando para o Ribamar Muniz Pinto, que me viu, me ouviu e me convidou para o rádio. Mando para o meu irmão-de-sangue Zé Branco, no Piauí, um cara que eu amo e acho que vez por outra ele me lê. Talvez. Mando, finalmente... para mim mesmo, porque me leio e releio mais do que ninguém.