“BATE NA LATINHA”
Quisera hoje escrever um tema sobre os meus “discos de vinil” e a riqueza que se guarda lá dentro; os meus cabelos negros que ficaram por lá, o meu rosto sem rusgas a que me vi no espelho e vou encontrando nas músicas que revejo na radiola, um pedaço da minha vida que ficou registrado nas suas canções. E assim vou derramando emoções. Mas hoje eu vou de “Bate na latinha”, um bordão do Marcelo Rodrigues, narrador esportivo da Mirante local. E tento contar os meus percalços, agruras e passagens pelo rádio – uma vocação que está no meu sangue, na minha cabeça e no meu coração.
Ainda era um garoto quando o rádio chegou ao meu chão baixadeiro. As pessoas andavam quilômetros a pé para “ouvir o rádio”. A esse tempo eu lá pela terceira série do ginásio e nos primeiros bê-abás em inglês, ouvia o rádio (no interior) para tentar, sem nunca conseguir, entender as palavras em inglês. E nada! Começa aí, ao que lembro, o meu assanhamento pelo rádio. Numa tarde, quando me vejo, estou com uma lata dessas de leite condensado à mão, simulando um microfone e fazendo a narração de um jogo de pelada na minha Escola. Muitos me ouviam na latinha e assistiam ao jogo. Era o rádio que começava a entrar na minha cabeça e no meu sangue.
Aí os caras, estimulando-me ao rádio profissional, diziam: “Vai lá, vai lá”. Numa dessas fui fazer um teste na Rádio Difusora com o Diomar Lima, meu ex-contemporâneo da Escola. Diomar não me deu colher de chá. Fui vexatoriamente reprovado. Numa outra o Polary, na Gurupi, anunciou uma caça aos candidatos a locutor. Fui lá. Polary me deu um texto cheio de inglês. O teste foi um fiasco “pra inglês ver”. Quase não dei conta de chegar em casa.
Noutra ocasião, falei com o Ferreira Novais, na Gurupi, num tempo que eu vivia treinando locução noticiarista e comercial, o que aliás fiz por muito tempo. Novais gostou do teste e me mandou estagiar com VALTER MORALES, um líder em audiência nas tardes da Gurupi, com o seu “Castigando um Forró”. Morales nem olhou na minha cara e, pra não dizer que não, mandou-me ler, no ar, um único texto-comercial. Mas, ainda assim, ainda hoje entre ferido e independente devoto-lhe as minhas homenagens.
Mais tarde, foi à Rádio Timbira, via de um monstro-sagrado Lauro Leite, que anunciou uma caça a candidatos a locutor. Fui lá, vários candidatos, fiz o teste e junto a outro rapaz ganhamos o teste. Fiquei três meses jogado ao léu na Rádio Timbira. Nem Othelino Filho (meu velho conhecido), a cujo pai assinado prestei-lhe publicamente as minha dores, nem mais ninguém me deu uma única chance. Lembro-me ainda que o meu colega de teste era uma fera! Um cobra. Estava ponto! Mas o sonoplasta (operador de áudio) na pura inveja “mutilava” e “matava”, a apresentação do rapaz que, decepcionado, pediu o boné. Isso eu vi.
Quando eu estudava o pré-vestibular no Curso CASTRO ALVES, certa noite, o professor fez uma pergunta sobre INFLAÇÃO, um assunto que estava entrando na moda e que veio com a construção de Brasília. Em meio a mais de 60 alunos, ninguém deu um pio. Ousado, levantei-me e fiquei por uns 3 ou 4 minutos em abobrinhas falando de inflação. Tornei-me “celebridade de arack” e, entre outras vantagens recebi o convite de um colega de turma, MUNIZ PINTO, para integrar um grupo que logo depois apresentara um programa na Rádio Educadora sob a chancela do Grêmio Arariense dos Estudantes. O programa aos domingos, PANORAMA ESTUDANTIL era um saboroso PRATO cheio de audiência. Lá em casa, no interior mamãe, mandava meus irmãos tomarem banho, pentear o cabelo e vestir roupa limpa para assistir ao programa (risos).
Vitório Marinho, um ceguinho, entrava no ar com o seu violino e o seu cântico, na EDUCADORA logo após o nosso PANORAMA ESTUDANTIL. Vitório, então, pediu-me que eu o acompanhasse na apresentação, inclusive depois na Rádio Gurupi. Fiquei com ele por algum tempo. A mulherada dava em cima do Vitório e, nessa onda, sobravam-me as maduras. E eu ia na garapa! Hei tempão!
Vim para Imperatriz em 1973 e a Rádio Imperatriz, um sucesso estrondoso da época, inaugurou cinco anos depois, em 1978. Logo na chegada mandei-lhe uma carta, querendo chance mas não me deram ouvidos. Dez anos mais tarde, estive na rádio numa comissão da OAB. Ao final das tratativas, em ato pessoal, manifestei ao diretor e dono que gostaria de fazer um trabalho por lá. Vi que o cara não gostou. No entanto, qual um DANIEL, mandou-me para a “cova dos leões”, com dois astros que acabavam de chegar para dar uma nova guinada na emissora. Eram eles: Roberto Martins e ASSIS OLIVEIRA, este uma “cobra criada” das rádios do Pará.
Em meio aos dois, mostrei-lhe em própria voz os meus textos: Roberto deu um murro na mesa e um grito: “você é o cara que a gente estava procurando”. E entregou-me um programa para começar no dia seguinte. Acabei ficando por 12 anos na Rádio Imperatriz, entre idas e vindas. E entre outras marcas eu tive a CRÔNICA AO CAIR DA TARDE, às seis em ponto! Uma “coroação” no rádio, ao lado de “A PALAVRA DO ADVOGADO” e “PROGRAMA RÁDIO LIVRE”.
Hoje a Rádio Imperatriz pertence à Assembleia de Deus com o nome de Rádio Cidade Esperança. Recente fui convidado pelo programa JORNAL DOS JORNAIS, onde faço a crônica “E A VIDA CONTINUA”, uma frase com a qual encerrava os meus programas. Agora revejo tudo isso, lembro aquela latinha, as minhas “narrações esportivas” e o bate na latinha do Marcelo, lembro o Diomar que me reprovou, o Muniz que me convidou, o Polary que me rebentou, a turma que dizia “vai lá, vai lá” e o Valter Morales que, no sucesso, nem na minha cara olhou. Lembro a minha vocação de noticiarista e locutor de comerciais e bato cabeça com a minha vocação de quem queria porque queria. Mas não tenho dúvida: “A VIDA CONTINUA” e são esses os... CAMINHOS POR ONDE ANDEI.
Edição Nº 15769
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