Temas que escrevo para o CLUBE DA SAUDADE, manhã de domingo, Rádio Mirante/AM, em cadeia com 19 emissoras em todo Estado em... PÁGINA DE SAUDADE
...ERA UM TEMPO DE SEQUIDÃO
É nas noites acordadas que eu extravaso as ideias e busco na memória registros e lembranças para esta PÁGINA DE SAUDADE. Era um garoto, tinha DEZ ANOS DE IDADE, cursava o primário na VILA e voltava para casa durantes as férias para ajudar duro nas tarefas da roça de meu pai. Naquele ano, fim de ano, cheguei em casa. Bença pai... bença mãe... e festejava com os meus ainda poucos irmãos. Era um pesado verão. Um tempo de seca, de “sequidão”.
Lembro então que as pessoas caminhavam longas distâncias, quilômetro até. Levantavam cedo na disputa e raspavam o fundo do poço à cata de água do pote. E viviam serpenteando pelos caminhos à procura de um poço de d’água. Outros que levantavam ainda na madrugada. E assim era a crua e dura peleja à caça e cata da água de beber e de fazer o “de comer”. Água, tantas vezes era da cor do barro, tal a penúria, a seca, o sofrimento daquele meu povo – que ainda hoje (ainda hoje), conforme o verão, ainda experimenta os resquícios daquele duro tempo de sequidão.
Numa certa tarde de domingo, quando me dei por conta, eu estava dentro de uma multidão que caminha enfileirada numa procissão e cantava um bendito, pedindo chuva e proteção do Divino São José, São Sebastião e outros santos daquele meu seco (torrado) sertão. No meio daquela gente estava a minha mãe, as vizinhas da minha mãe, as amigas da minha mãe, muitos dos maridos, além de rapazes e crianças naquele esticado caminho e naquele choroso bendito, pedindo água para untar a sede e o sofrimento daquela gente – daqueles cristãos.
O mundo deu tantas voltas e eu sempre vocacionado com o social, escrevi uma modesta monografia com o rótulo de O NATAL NA MINHA TERRA e aquela seca, aquele caminho, aquela procissão foram lembrado na abertura do conto de cinco laudas. Mais tarde, quando re-escrevi o tema com o título TERRA DA MINHA TERRA, eis que, novamente lá está aquela procissão numa tarde de domingo naquele caminho estreito, com a minha mãe, as vizinha da minha mãe, as amigas da minha mãe as cunhadas da minha mãe, os maridos e outros tantos, chapéu na mão, rezando e pedindo chuva para o DIVINO SÃO JOSÉ e outros santos do meu sertão.
O mundo continuou dando voltas e eu publiquei o texto na minha coluna dominical – CAMINHOS POR ONDE AINDEI, que tenho há muitos anos NO JORNAL O PROGRESSO e, bem antes disso na crônica O DRAMA NOSSO DE CADA DIA que mantive por doze anos, no programa RÁDIO LIVRE, na Rádio Imperatriz/AM.
Hoje, na noite acordada, SESSENTA ANOS DEPOIS, eu lembro daquele tempo de sequidão; da falta de água no meu sertão; lembro daquela tarde de domingo; lembro da procissão. Lembro da minha mãe, das amigas da minha mãe, das vizinhas da minha mãe, maridos de chapéu na mão. E eu ali, dez anos de idade, inocente e registrando os fatos que a mente não conseguiu apagar. Não conseguiu apagar e que agora eu mando para o impagááááável... CLUBE DA SAUDADE.
... A PONTE QUE VAI PARA O SÃO FRANCISCO
Quis a sorte e o destino, e lá fui eu morar no bairro do João Paulo, no começo daquele meu velho tempo escolar. Assim é que certa feita, passando ali por um “baile de gafieira” (como na época de dizia), vi o maestro João Carlos tocando uma música, ao lado da filha que veio a ser a famosa ALCIONE A música referia-se à PONTE que turu comeu: “pois é doutor, foi turu que comeu essa ponte , sim senhor”.
Anos mais tarde, quando a Ponte de São Francisco, no Governo Sanei estava prestes a ser inaugurada, e eu já com uma latente vocação para o jornalismo e então pequeno colaborador do JORNAL DO MARANHÃO (UM JORNAL DA Igreja Católica), propus ao editor – PROFESSOR NASCIMENTO - para fazer junto à Construtora da obra, uma reportagem sobre a Ponte de São Francisco, às vésperas da inauguração.
Então fui lá no canteiro de obras entrevistar o engenheiro chefe que tudo o que falou foi sobre números. Tantos sacos de cimento; tantas toneladas de ferro; tantos dias de serviço; tatos homens envolvidos; tantos engenheiros e arquitetos. Saí dali zonzo com tantos números. Era uma reportagem de caráter comercial - paga, portanto!
- E agora VIEGAS, como escrever a reportagem? Lembrei-me então do Maestro João Carlos e o seu forró na Gafieira com música sobre “a ponte” e fui procurá-lo. Maestro João Carlos, então contou-me que ao tempo do namoro com D Filipa que viera ser a mãe dos seus filhos, morava ele na “cidade” e ela no São Francisco. A travessia era complicada, perigosa até, principalmente à noite através de canoa. Foi por essa penúria que fez uma música sobre a ponte, com um trecho de sua aventura amorosa.
De lembrar que, de velhos tempos, uma ponte teve início de sua construção mas... ficou parada no tempo, só um esqueleto-fantasma, como bem assim são muitas obras públicas. A música era uma sátira bem humorada e havia um bordão que dizia: “pois é doutor, foi turu que comeu essa ponte sim senhor”. É tudo o quanto lembro.
- A reportagem sobre a ponte foi realizada em página inteira. No dia da inauguração, eu estava lá! Era uma tarde de sol claro dia de sábado. Ai veio o sombrio da tarde e a multidão estava na beira-mar, do lado de cá, na ponte, no São Francisco, do lado de lá. A ponte fazia-se decorada com bandeirinhas multicores dos dois lados em toda a sua extensão. E o discurso empolgado e vibrante e eclético do jovem-Governador. Corda toda, como sempre foi o Senhor SARNEY, com todos os prefeitos, os graduados da política da política e autoridades de todos os poderes, ali presentes.
O mundo deu muitas voltas, 46 anos! Semana passada, estive de passagem em São Luís e fizemos uma demorada manobra sobre a ponte engarrafada! Lembrei-me então daquele fevereiro de 1.970; lembrei-me da música do Maestro João Carlos Nazaré, na Gafieira do João Paulo e suas aventuras amorosas com a futura mãe dos seus filhos; lembrei-me da inauguração da ponte naquela tarde, ao compasso da brisa da Bahia de São Marcos e da penumbra ao sol descendo no horizonte, com um milhão de pessoas aplaudindo a SARNEY e vivendo as alegrias e a inauguração da ponte. Lembrei-me da garota que juntos ali estávamos de mãos dadas. Lembrei-me, enfim, de tudo aquilo ali que ora se expressa nesta... PÁGINA DE SAUDADE.
Edição Nº 15734
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