PROSTITUTAS, GIGOLÔS ETC. E TAL
O roceiro das minhas bandas costuma dizer que “quando a gente tem de passar por uma coisa, não bota na porta dos outros”. E leva muito a sério esse ditado, porque se lhe traduz um princípio de vida. E eu, farinha desse saco, não poderia fazer nem pensar diferente. Pois é: “quando a gente tem de passar por uma coisa, a gente não bota na porta dos outros”. Assim é que, quando fui morar na “capital” (do Maranhão do Norte) para cursar o secundário (como se dizia), fui morar exatamente... no Bairro do João Paulo, na Rua da Vala (ou da Malária), na beira de um gueto de mulherada e prostituição mais-que-conhecido como “Buraco do Tatu”.
O Bairro do João Paulo, num trecho deste, era conhecido por “RÔDO”, onde o bonde fazia parada final e desenvolvia a curva necessária para o caminho de volta. E daí, o “rôdo”. Naquele trecho à beira da avenida principal, a mulherada se espalhava e fazia ponto na noite. O famoso “trotoar”, enfim a prostituição. De sorte assim que o RÔDO e o “Buraco do Tatu!” era tudo ali mesmo. O rodo era o “ponto” de espera, ao passo que o “buraco” era o gueto das casinholas que ficavam mais adiante, adentrando mais para baixo, entre as Ruas Agostinho Torres e Cerâmica.
O “buraco do tatu” era assim denominado face aos casebres situados em ruelas mais-que-apertadas, curvilíneas. Um labirinto! Ali rolava “diamba” e diambeiros, cachaça e cachaceiros e em elevada temperatura a baixa prostituição. Uma caldeira do sexo a todo o vapor. Uma promiscuidade a olhos nus. E daí o “esquentamento”, a “mula”, o “cavalo de crista” e outras venéreas. Ave-Maria-cruz-credo! Ainda nessas cercanias, uma porção de “quartos” enfileirados ou isolados de mulheres que entravam, saíam e levavam seus homens, num ambiente de total naturalidade. Eu morava ali perto, tinha algo como 11, 12 anos de idade e não me dava conta do tamanho da pândega.
Bem numa esquina, ao lado de um quase-secular socavão, por onde eu passava em dias e noites, indo ou voltando do colégio e por vezes quase arrastado nas correnteza da chuva, morava a Dona Perpétua. “Perpéta”, na linguagem geral. Dona Perpéta era uma senhora de boa idade, falante, aguerrida, olhos esverdeados, outrora bonita, uma veterana do ramo que comandava o seu “puteiro” de mulheres. Vez por outra em finais de semana, Dona Perpéta tomava todas e, escancarada ao sofá e endinheirada, falava nas alturas. Governava o seu negócio com mão de ferro, onde frequentavam os “melhorzinhos”, os senhores mais tradicionais e mulheres controladas pela “madame”.
Nesse território, na Rua Simeão Costa - uma ruela de esgoto a céu aberto e chão batido havia um “chatô”, uma versão mais-que-sofrida do MOTEL dos nossos dias. Era o tempo da bacia com água e sabonete de uso geral e uma toalhinha ali do lado. Bacia a que todos de serviam e a toalhinha que... também prestava-se ao próximo cliente. Promiscuidade, vírgula, na boa. Cruz-credo!
De quando em vez passava por ali um vetusto senhor, em trajes, ao lado de uma madura senhora. Todos sabiam que ele tinha uma patente na farda verde. E lá se vão os dois, a pé, discretamente – entocavam-se no CHATÔ e, só se via entrar. Dificilmente se via sair. A dona da pousada desmanchava-se em mesuras quando o “salrgento” chegava por ali. Outros pedestres, ao lado de suas presas, também caminhavam a pé rumo ao CHATÔ e faziam parte da cena do bairro e os olhares e línguas afiadas as janelas e portas-da-rua, ficavam ali pontiagudos. Mas fazer o quê? Se estávamos todos em terras do “rôdo” e do Buraco do Tatu?
Naquele “quarto”, que compunha um enfileirado de outros tantos, morava uma LOURA, que, com cara de ontem, levantava-se nas manhãs e jogava sua água de bacia, no meio da rua. E eu além de morar ali perto, passava à sua frente todos os dias. Por conta desse indireto convívio, olhares e sucediam, fazer o quê?! Certa feita, ela me jogou um charme, restando-me uma volta de 360 graus. Tô fora!
Em meio ao rodo, prostitutas, João Paulo e Buraco do Tatu, haviam os “gigolôs” – que eram aqueles homens, segundo o ditério, que usavam as mulheres ao final das noitadas e eram sustentados por suas parceiras com dinheiro que ganhavam da prostituição. Haviam casos escabrosos. Gigolôs que espancavam suas provedoras ou porque o dinheiro a que se investiam era pouco ou porque a mulher estava “indisposta” ou porque demorava-se no quarto com aquele outro. Havia um desses gigolôs, um tal MACHADO, que, nas manhãs, ganhava a grana de sua parceira e passava o dia no jogo de sinuca.
Nesse meio de desvairada prostituição, pululavam gigolôs, raparigas, rufiões, cafetinas, também se misturavam valentes, briguentos, desaforados, cachaceiros, “diambeiros”, esmoléus e outros do ramo. Numa dessas, um velho policial cara-de-maracujá-de-gaveta ainda na ativa, mais-que-famoso por suas bravatas, violência, sempre com um trezoitão na cintura fez uma declaração, com a mão direita, batendo repetidamente no seu ombro esquerdo: “quem derrubar as minha duas lapas vai morrer”. Era um cabo PM que segundo a boca miúda tinha umas “dez mortes nas costas”. Daí a advertência que fazia, quando alcoolizado: “quem derrubar as minha duas lapas vai morrer”.
Ocorriam também brigas entre mulheres por causa do mesmo homem. Era cruel! A primeira coisa que acontecia era com uma pancada na mesa quebrar o fundo da garrafa. E com a garrafa quebrada em punho o estrago estava garantido. Rolava giletes, navalhas, unhas afiadas, tufões de cabelo. O primeiro alvo era sempre “a cara” da outra. Daí que volta e meia encontrava-se um rosto latanhado e outros mutilados. Era vida de cão!
Tempos depois e eu já dono do próprio nariz, conheci naquelas cercanias um figura chamada “SANTA”. Santa era uma jovem fruta madura, de idade mediana, uma andorinha com muitas horas e ares de voo, dona de um belo corpo, de uma morenice a toda prova; de um rosto lindo; de um par de olhos e um consequente olhar pungente e fulminante! Não compunha a cena local mas... integrava o contexto do social. “Eu olhei para ela, ela olhou para mim” e não deu outra! Foi tudo-tudo culpa do amor.
A esse tempo os BEATLES estavam no ar. E eu aprendi a amar as suas canções. Hoje quando olho no tempo, revejo aquele socavão de passagem obrigatória, pronta para desequilibrar qualquer um; revejo a Dona Perpéta endinheirada, falante, ousada e comandando a situação; também vejo aquela loura que me “deu bola”; o “salrgento” vestido nos panos e, nas tardes, caminhando a pé ao lado da sua parceira; revejo os CHATÔS compondo o social; a baixa prostituição em alta temperatura; o velho cabo-PM, desafiando a vida e a morte. E eu lá, cursando o secundário e o curso de “datilografia”; ouvindo os BEATLES e querendo “engatar” com a MINHA madrinha do “Diploma de Datilografia” e agora, recompondo as trilhas nestes... CAMINHOS POR ONDE ANDEI.
Edição Nº 15711
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