“...TRÊS E MEIA PRAS QUATRO”

(Uma mulher perdida em seus pensamentos)

Tenho a incorrigível e inevitável mania de antes de escrever um texto, dar-lhe o título. E isso vem da minha antiga vocação de que o título se encarregasse de traduzir ou despertar o enredo. Mais ainda: eu dispunha de pequeno espaço para que a titulação saísse em letras graúdas. Daí as contorções à escolha do título inicial da “obra”, tal o pequeno espaço das então colunas do Jornal Pequeno eu que, volta e meia, “colaborava”. Enfim, era como se eu treinasse para vencer o deserto à ingestão de um copo d’água. “TRêS PARA AS QUATRO”, vem dessa mirabolante experiência.

Eram medianas TRÊS PARA QUATRO da tarde, quando estaciono na rua. Ao lado da calçada. E logo pude ver que em um banco exposto à frente do RESTAURANTE POPULAR, aos fundos da Praça Mané Garrincha, pela Simplício Moreira, jazia sentada uma mulher de mediana idade, absorta em si mesma, perdida em seus pensamentos, olhando fixo para lugar nenhum, contida no seu vazio, ao meu imaginário de que ignorava o mundo ao redor.

Ela tinha aos seus pés sacos negros desses utilizados na limpeza pública e outros menores em pouca coisa, que logo eu me permiti imaginar que ali estavam os seus pertences pessoais. Imaginei também que se tratava de uma pessoa depressiva, quiçá moradora de rua mas também uma novata na cidade ou ainda que naquele trecho, vez que só a tenho visto recentemente por aquelas bandas e não mais. Tais deduções sobre a personagem, foi questão de segundos tal a velocidade do pensamento, nessa surpreendente cena e à inopinada intenção à interpretação.

De confessar que olhei naquela mulher, como quem se faz escondido e fugido, pois  não  que ali  houvesse um cruzamento dos nossos olhares, vez que, de inopino, foi como os meus reflexos psicológicos me responderam, tudo isso numa questão de segundos. E saí dali rumo ao Fórum carregando comigo toda aquela argamassa da minha imaginação, irresignada e incontida diante do quanto me ocorreu em face daquela criatura pela qual passei.

Dentro em vinte minutos “volto no mesmo rastro”, sempre com aquela mulher atravessada na mente. Ela  agora está em outro lugar, perto dali. Agora ela está com todos os sacos abertos, agasalhados ao chão; um do lado do outro e inteiramente voltada aos seus afazeres de “arrumação” e “exposição” de suas coisas. E o que afinal tem dentro de suas vasilhas? Folhas,  matos pequenos, flores de vegetação das ruas, garrafas pet – lixo, enfim.

Enquanto isso, ela nem se dá conta e ignora a minha presença e continua absorta e entregue naquele seu ilusório deserto perdido. Como se estivesse drogada, esquecida em si mesma e entregue à sua alucinação. Saio dali atravessado em meus pensamentos, confuso, claudicante e  me perguntando o porquê. Por que Senhor? Por quê? E logo desapareço dali para então ficar remoendo essas angustiantes cenas em meus pensamentos.

Agora é noite, dois dias depois. O sono se foi.  À caça de um tema para escrever e mais uma vez incontido em meus pensamentos e lá vou eu bater de cara com aquela mulher, cuidando de seus pertences em folhas, pequenas flores, mato, garrafas plásticas. Enfim, do seu lixo. TRÊS PRAS QUATRO é o título, como  afinal  não poderia deixar de ser.

Dois dias depois. Agora eu voltei ao mesmo lugar, queria vê-la novamente. Almejava que estivesse sentada no mesmo banco, à frente do RESTAURANTE POPULAR.  Determinado, queria conversar com ela e, ao meu modo, penetrar no seu universo e tentar entendê-la nos meus limites. Mas a mulher não estava lá, podendo ver, no entanto, que os seus pertences continuavam espalhados nos sacos, tal como deixou. Agora com uma “palma” uma folha de palmeirinha, enfiada a um toco, ao lado do qual estão aquelas estranhas suas coisas, feitas de lixo.

Segui o meu destino e logo voltei. Quem sabe eu a encontraria por ali, mas não. Nada! Resolvi, então, perguntar aos taxistas que ficam em frente, a respeito daquela mulher, oportunidade em que me informaram de que ela mora com um irmão, só os dois, na Nova Imperatriz. Disseram que por um longo tempo ela foi evangélica, cujos traços posso dizer que ainda os guarda, tal o seu vestuário, sua postura. Informaram ainda que a sua conduta de como procede  é recente. E foi só.

E saí dali determinado e convicto de que por imperativo do destino deste solitário questionador do social, precisava escrever um texto sobre aquela mulher e com o título TRÊS E MEIA PRAS QUATRO. Pronto! Taí a mulher, taí o texto! E a certeza de que desatei as amarras que me impunham a descrever este drama.