“HONRA TEU PAI E TUA MÃE...”
A palavra de Deus, em Êxodo 20.12, nos ensina: “Honra teu pai e tua mãe, a fim de que tenhas vida longa na terra que o Senhor, o teu Deus, te dá”. A lição bíblica se faz tão atual porque a palavra de Deus não envelhece e, contrário disso, renova-se a cada dia. Ouvindo a mensagem, eis que o caso concreto, os exemplos em carne e osso, coração e vida,  vêm à baila, resplandecem e tomam do conta do meu ser.
Católico, frequento a Igreja de Santa Tereza D’Ávila nas manhãs dominicais, sob a pregação serena e reconfortante do padre Felinto. Costumo chegar cedo com a esposa e companheira MARIA NILSE, para sentarmos a um lugar que pontua o nosso hábito, assim como múltiplos outros tantos costumam fazer. E, por conta disso, o padre me disse certa feita que quando eu não ocupo aquele meu lugar, ele sente a minha falta. Um gesto cristão, naturalmente!
Observo do meu lugar que, costumeiramente, na fila de bancos à minha direita, separada pelo “corredor de passagem”, ali vai uma decente e bem posta moça, acompanhando a sua mãe, uma provecta  senhora  de passos  lentos, contida em suas deficiências físicas e visuais que eu imagino ser portadora em seus mais de oitenta anos. A filha conduz a mãe com calma, com carinho, com ternura, com tranquilidade e com leveza em todos os seus passos, até finalmente sentarem-se.
Ao momento maior da Sagrada EUCARISTIA, novamente a mesma conduta: a filha  põe a mãe à sua frente e lá se vão as duas, pela lentidão da mãe, receber a Hóstia Consagrada, materializada no Corpo e Sangue de Cristo. Finda a Santa Missa, o comportamento é o mesmo e único e lá se vão mãe e filha seguindo no seu desiderato. Olho esses gestos e o meu coração se alegra e refestela-se num banquete de alegria e sentimento humanitário, porque ali há um abençoado congresso materno-filial, refletindo o exemplo  maior  da solidariedade, do  sentimento, da alma e da dignidade humanas.  E  tudo isso enche os meus olhos, alegra o meu coração e avassala a minha alma  de cristão-pecador.
Não conheço a quaisquer delas e, por conta disso, nunca trocamos um  bom-dia, mas por conta de gestos esses, deixo a igreja ao final da Santa Missa e volto para casa com minha alma prenhe da beleza, da candura e dos exemplos a que acabo de assistir, via daquele ANJO DA GUARDA na alma da filha. “Honra teu pai e tua mãe, a fim de que tenhas vida longa na terra que o Senhor, o teu Deus, te dá”.  Amém.
********
Cativo nestas colunas há vários anos, hão que ter observado  que me identifico como “questionador do social”. E sou! Uma vocação que descobri nos meus tempos de colegial, ainda no segundo grau, “entrevistando” pessoas das mais diversas matizes, para desdobrá-las na inocência traquina dos textos que em voo livre eu escrevia na imprensa da capital. Agora estou aos setenta. O “questionador” contumaz e indomável envelheceu comigo. Fazer o quê, não e? Afinal, “Cada qual  para o que nasce, qual para o que nasceu”  uma lição  que a vida me ensinou e ensina.
Pois é! É esse mesmo questionador do social que senta-se ao banco da Igreja e, igualmente ao meu lado, senta-se uma família, feita da matriarca mais uma ou duas filhas e dois netos. Enfim, três gerações. A filha conduz a mãe, esta que  se me afigura inteiramente deficiente visual, tais as condutas e cuidados empregados nessa relação materno-filial.  Costumamos nos cumprimentar quando do “abraço da Paz”. 
Nada sei a respeito dessa família. Imagino que more nas adjacências.  Mas a imagem que aquela mãe me passa, além de viúva, bela  como ainda é, foi superlativamente bonita e formosa e decente e digna na sua vida hígida de um tempo ao sabor dos próprios passos e dos olhos que os tinha para enxergar. A mãe transmite pureza e simpatia ao rosto bem desenhado e bem postado; simpatia que se multiplica no semblante daquela filha que acompanha carinhosamente a sua mãe.  E isso me remete a um passado entre as duas – que reflete a criação, a interação, a cumplicidade saudável  entre mãe e filha, como bem assim entre os demais.
E nem preciso dizer da alegria, da felicidade que tomam conta da minha alma, em dose dupla, nessa manhã e Santa Missa de domingo, seja daquela primeira que senta-se  na outra fila, seja desta outra família que senta-se ao meu lado. E novamente eu volto à lição de Deus: “Honra teu pai e tua mãe, a fim de que tenhas vida longa na terra que o Senhor, o teu Deus, te dá”.
*******************
Exemplo igualmente dignificante eu tenho dentro da minha própria casa, com a companheira com quem divido a vida.  Ela que já vinha cuidando e administrando  a vida e os interesses da mãe, nos últimos anos de sua higidez física, dedicou-se três anos, diuturnamente, vinte e quatro horas por dia, aos cuidados de sua mãe que tornou-se inválida entre a cadeira de rodas e a cama, a ela  dedicando-se sem cansar, sem lamuriar, tratando a mãe como se fora a filha mimada, em tudo-tudo,  inclusive  quando esta já  em “estado terminal” demonstrava indiferença ao mundo ao redor.
E nem preciso dizer do quanto eu me sentia honrado e gratificado pelo desvelo da minha companheira à sua mãe, inclusive porque aprendi, ainda criança, que  “a boa filha é sempre uma boa esposa”. E naquela tarde  em que a minha sogra, há três anos inválida e morando conosco, deu o último suspiro e o  coração parou, vi que o mundo caiu sobre a sua filha-guardiã, como se aquele fechar de olhos fosse uma surpresa, tal o impacto, a dor para aquela filha que cuidou da mãe em tudo-tudo-tudo, nos mínimos e inconfessáveis detalhes, nos últimos três anos de sua vida.
Daí em diante, o que tenho assistido é a minha companheira, isto é, a filha-órfã,  velando a memória de sua mãe em todos os passos de sua vida. Ele mesma que se emociona e chora suas constantes saudades,  ao lembrar da mãe, mormente ao canto católico em que as duas costumavam estar juntas, com a filha zelando e acariciando a sua mãe. “Honra teu pai e tua mãe, a fim de que tenhas vida longa na terra que o Senhor, o teu Deus, te dá.  Amém!