A SAGA DE PROCÓPIO PALITÔ
Naquelas terras feitas de capoeirões e caminhos estreitos  que de chamam “estradas”, de uma pobreza avassaladora; de gente de mãos calejadas em serviço rude, entre os tantos viventes daquele meu lugar, ali morava um homem chamado PROCÓPIO PALITÔ. Não sei de onde veio. Quando, porém, ali chegava alguém de origem desconhecida, logo atribuía-se: “Veio da beira do campo”. Penso então que SEU PROCÓPIO, veio da “beira do campo”.                                                                                                                     
PROCÓPIO PALITÔ era um homem recanteado, um tipo que só mais tarde pude entender. Parecia isolado do “social” e morava com sua família (mulher e filhos), em terras de Mundico do Sertão. Chamava-me a minha atenção o fato de que sua pequena e modesta casa de palha ficava lááááá... longe, a umas 60 braças da beira do caminho. Compondo o “isolamento” espontâneo do velho Procópio e sua família – quase um quilômetro para o vizinho da direita, igual distância para o vizinho da esquerda. Meio de mato e meio do mundo à frente e aos fundos e um casal de guaribas roncando na noite. Enquanto  todos ali faziam suas casas  quase à beira do caminho, seu Procópio  fez a dele láááá... na distância.
O recanteado Procópio, nas noites no seu casebre, longe do caminho, à luz de lamparina, ao intercalo de um cafezinho e em meio aos seus, tocava um desconhecido, esquisito e solitário instrumento, por ele mesmo arranjado - a MARIMBA, que é o nosso (hoje) conhecido BERIMBÁU. Por isso, também chamavam-no de Procópio Marimba. E lá se vai Procópio Marimba, pés no chão, naqueles caminhos estreitos, envergando o todo seu “palitô”, com duas “meladinhas” no juízo. Mas o seu forte era o café. Por isso volta e meia, ou ia ou mandava na “barraca” de Mundico do Sertão, na pedida de sempre: “uma quarta de café; um quarto de quilo de açúcar”. Nisso, fui testemunha ocular!
Perdido na mente, guardo fragmentos de lembrança daquele senhor que, por vezes vestia-se de um “casaco” do tipo paletó. E daí o apelido. Apelido esse que se estendera para toda a sua pequena entidade familiar, formando uma “dinastia” – a dinastia dos PALITÔ. Sua mulher era D. Eduarda Palitô; e seus filhos: Ana, Rosalino, João e Joana, todos igualmente Palitô. Eram pessoa inofensivas, trabalhadoras, “na deles”; todos recanteados quanto o seu patriarca. Dos filhos de PALITÔ, ROSALINO (seu Rosa), foi  o que tive alguma proximidade. Seu Rosa tratava a todos - de mamando a caducando - com absoluto e igual respeito, sempre com o tratamento de “o senhor, a senhora”; sim senhor, sim senhora. E penso então que essa humildade fazia o brasão e a dinastia dos Palitô.
A esse tempo, o meu pai em terras de capoeirão era um verdadeiro e incorrigível garanhão! “Brancarano”, esguio, dente de ouro, boa prosa, montado num bom cavalo-de-cangalha (de serviço); sabendo ler e escrever, tirava dente, aplicava injeção, rezava ladainha; dono das terras do Centrinho, uma roça todo do ano e ainda por cima negociante ambulante, dinheiro contado no bolso e para completar era o dono dos petromax’s que “alumiavam” as festas da redondeza. E a mulherada caía em cima! E meu velho Antônio de Inez caía matando! Foi assim que... pintou uma das PALITÔ, no seu caminho. ANA PALITÔ, para as dores (de um tempo) da minha mãe. Um tempo que fez uma vida! E, nessa treita com ANA, dois filhos (meus irmãos), para estender a dinastia dos Palitô.

... E PALITÔ FOI EMBORA DO LUGAR
Um dia, porém, PROCÓPIO PALITÔ e toda a sua parentalha, sem olhar para trás, tomaram a estrada e foram morar em terras de Penalva. E nunca mais ele voltou àquele meu chão de capoeirões.  E nunca mais aquela pedida de sempre: “uma quarta de café e um quarto de quilo de açúcar”.  Ficou, porém, naquela mesma casa distante da beira da estrada o seu filho ROSALINO PALITÔ - o “Seu Rosa”, meu amigo, uma semente da boa cepa e da melhor qualidade do gênero cidadão: homem de vergonha, respeitador, honesto, trabalhador. Ficou, também, na minha mente, uma tórrida lembrança, daquela tarde, frente à sua casa, em tempos de verão pesado, de cacimbas quase ressecadas, quando me vi em meio àquela gente, cantando benditos pelo caminho, pedindo água e chuva: “... Glória a Deus meu pai, meu santo varão / livrai-nos das pestes, São Sebastião”...
Hoje o povo não canta mais benditos pelos caminhos. Enfim os tempos mudaram! O antigo lugar daquela casa recanteada em que ali me marcou  na passagem de uma tarde de domingo em cantos de “bendito”, agora é tudo mato, deserto. E PALITÔ e sua dinastia não deram mais notícia. Rosalino mora mais adiante à beira de outra estrada; deixou de ser posseiro em terra alheia e quando o vi pela última vez, orgulhava-se de ser o dono (por compra) do seu lugar-de-casa; só o lugar-de-casa - fazendo-o em construção.
E Procópio Palitô foi embora. E levou consigo a sua filha Joana, uma moreninha “manquitola”, também recanteada mas que despertava  olhares e desejos de um tempo.  E levou consigo o som da sua MARIMBA, deixando perdido apenas o eco do seu berimbau naqueles capoeirões. Levou a sua mulher Eduarda e ambos se fizeram em pó lá mais adiante. Levou ANA, com seus dois filhos, meus irmãos-paternos Tiago e Dolores, esta que aliás, não conheço mas que com ambos partilhei igualmente  da  herança deixada pelo incorrigível  garanhão, senhor meu pai.  E se Procópio Palitô, não deixou nem saudade nem lembrança, sem querer e sem saber, deixou a mim para redesenhar a sua passagem, naquelas terras em que me inspiro e respiro para rever os... CAMINHOS POR ONDE ANDEI.