A POEIRA QUE SE FEZ CHÃO
Rolava o final dos anos 60, pipocava a Revolução de 64 e eu, morador inarredável da Casa de Estudante, sozinho no mundo e dono do próprio nariz, fui cursar o noturno pré-vestibular CASTRO ALVES, do Professor Alberico Carneiro, que funcionava num vasto salão do antigo e desativado Seminário Santo Antônio, ao lado da tradicional ESCOLA MODELO.  No Castro Alves éramos uma turma de uns sessenta entre rapazes e moças. Era eu ali, diário, vindo de dois expedientes na repartição pública, mais um na multidão.
O Professor WELINGTON dava aula de “economia política” e interagia com os alunos nos intervalos das aulas. Era um tempo em que a palavra INFLAÇÃO era pouco conhecida nos meios. Wellington, então, perguntou à turma sobre  inflação. Ninguém respondeu. Fez-se silêncio e ele insistiu. Tinha um cara solitário com a cara da minha cara, com a roupa que vestiu às sete da manhã, dois expedientes na repartição pública e com o estômago em apuros, não teve o que fazer e levantou-se em meio à turma. E lá se vão cinco, seis minutos de abobrinhas e blá-blá-bla. Extasiada e incrédula com aquela articulação, a turma ouviu em silêncio. Esse cara era eu. E essa e a poeira que se fez chão.
O Professor Wellington foi a fundo na resposta e, ao que pude entender, me encheu a bola. E, sem saber, bem ali virei “celebridade” por alguns instantes. E bem ali a minha vida daria uma guinada de 360 graus! Vamos por partes. No intervalo das aulas, ao fundo da sala havia um cafezinho em torno do qual ali fazia-se um “senadinho” de conversas miúdas. E logo ali, involuntariamente, tornei-me o epicentro do parlatório. No meio da rapaziada, quieto e calmo havia o ARMANDO GASPAR, um bom sujeito, simpático, polido, suspiro da moçada, antenado e educado, um boa-praça com o qual, entretanto,  trocávamos olá, olá.
De cara e na lata,  ARMANDO me convidou para estudar consigo em sua casa, durante as noites, após o cursinho. Topei na hora! E assim fizemos. Muitíssimas vezes cheguei à casa do Armando com os sapatos ensopados e as roupas em cheiro acre do cansaço e da batalha desde as sete da manhã e com a barriga pregada, mas o meu colega, por mim, nunca soube disso. E lá íamos nós até meia noite, uma hora da manhã em empreitadas de português, matemática e literatura. E quando eu ia embora,  no silêncio da noite, muitas vezes, via um ARMANDO preocupado com a minha segurança. E nisso se fez irmandade. Vez por outra, fim-de-semana, saíamos para o futebol, para o circo, para a zona. Tornamo-nos amigos de um tempo. E, nesse tempo... o tempo passou.
Justo naquela mesma noite da pergunta sobre INFLAÇÃO, no “senadinho”, conheço o Antônio José e o Pirangi, ambos que, em seguida, me convidam para juntos estudarmos para o concurso da CAIXA ECONÔMICA. Topei na hora! Estudávamos aos sábados à tarde e, por vezes à noite. Pura matemática! Faltando uns 15 dias para o concurso, eu no verbo, ponderei: “turma, tem uns três meses que estudamos só matemática, vamos agora estudar português”?! PIRANGI que veio a ser meu colega de turma, na faculdade, soltou um relaxo: “português nóis já sabe, nóis qué é ingrês”.
Eu, voto vencido, fui estudar sozinho o meu português e os dois continuaram com sua matemática. Tinha na época comigo, a mando de Deus, um livro didático: PORTUGUÊS AO ALCANCE DE TODOS, de Alpheu Tersariol. Um livro ilustrado, gostoso de se ler e aprender. E um pedaço do que estava no livro, estava na prova da Caixa. Cuspido e escarrado! (???) E o peixe dentro d’água!!! Moral da estória: entre os milhares de candidatos de todo o Brasil, 32 foram aprovados no Maranhão. E entre os 32 o meu nome, eu estava lá em 12º lugar no mural!!! Uma vitória da qual não tomei posse. Porque  estava ocupado em outros “projeto”.
Agora vem o lado mais pitoresco do pós-INFLAÇÃO do Curso Castro Alves! Foi ali que conheci uma figura humana fora-de-série - o José de Ribamar MUNIZ PINTO. Filho e cria da ordem e do respeito. Muniz Pinto era aquele rapagão do interior, comedido, bancado pelo irmão Jaime, dono de uma personalidade e um caráter a toda prova; voltado para a gratidão e honras ao irmão-provedor e para a sua família lá no Arari em terras da sua decantada Trizidela do decano Joca Pinto, seu pai, e com os olhos, o coração e  a cabeça voltados para o compromisso com a vida e com o futuro. 
MUNIZ PNTO me rodeou e começou manifestando-se quanto à resposta sobre a INFLAÇÃO que ali proferi. E foi comentando, interpretando, avaliando. Observador e chegado ao meio, disse que a minha voz e o meu estilo (na resposta) teria azos para a locução no rádio. Foi aí que o cara mexeu com os meus brios e com a minha vaidade! Eu  que  tenho  o rádio na mente como um sonho de criança, e que já tinha passado (de passagem), pelos microfones  da Rádio Timbira (aqui na Timbira, um tema para um novo capítulo – um dia, talvez), fui ali convidado a integrar a equipe de um programa que estrearia na RÁDIO EDUCADORA, dentro em poucos dias. Quase eu não acreditava naquilo. Mais uma vez jogaram o peixe  dentro d’água!!!!
E assim lá estaria JAIME PINTO, MUNIZ PINTO e CLEVIEGAS – uma arrasadora “trilogia”, nas inesquecíveis e impagáveis tardes de domingo, na Rádio Educadora, com o Programa PANORAMA ESTUDANTIL. Uma baita audiência! Braço e voz a serviço do Grêmio Ararienses dos Estudantes. E eu que nem arariense sou estava lá, pelo meio. Era o peixe dentro d’água! Mais tarde à “trilogia” somou-se João DAMASCENO  irmão dos demais e cepa do mesmo tronco. Produzíamos o programa em conjunto (em confraria) nas manhãs de domingo, no prédio da Rádio Educadora. Era como se estivéssemos em festa no quintal da nossa casa.  Muito falatório, converseiro e bate-máquina.
O Jaime gostava de me sacanear, ora usando minhas palavras, ora expressões ou gestos. E “Panomora”, nos ares, explodindo e detonando, dizendo a que veio. Era um segmento da voz dos estudantes – questionando e debatendo tudo o que vinha frente: Cultura, esporte, música, teatro, informação, opinião debates e tudo o mais. Eu entrava nesse credo com A OPINIÃO DE CLEVIEGAS, além de outras falas. E mandava cacete! Jaime logo passou a me chamar de “o eclético”. Um bolo que eu dividia com os demais.
A esse tempo a REVOLUÇÃO DE 64 estourava nos ares. Era a Redentora em verde-oliva regulando, censurando, vigiando, marcando-colado e enxergando comunista em tudo o que via pela frente. Agora imaginem um “PANORAMA ESTUDANTIL”, qual uma Garota de Ipanema daqueles tempos: “coisa mais linda / mais cheia de graça”. E o peixe lá! E assim ficamos no ar por uns dois anos ao vivo e em cores!
Muniz Pinto logo tornou-se locutor-profissional (voz padrão, estilo definido) e depois foi para o Banco oficial. Jaime era do  Exército - tinha um fusca que por vezes carregava a gente e um baita-gravador que me deixava com água na boca mas que só ele gravava. O Damasceno  Pinto,  tornou-se locutor na Rádio Timbira e depois foi para o serviço público E eu, o peixe? Estou na advocacia faz 43 anos e nas horas vagas ou atribuladas vou revendo, pensando, desenhando e reconstruindo estes... CAMINHOS POR ONDE ANDEI.