Tenho um hábito saudosista de conservar e homenagear as minhas coisas velhas ou... as minhas velhas coisas. Coisas, enfim, de um cara que tem a minha cara. Uma delas foi a minha velha CARTEIRA DE IDENTIDADE. Dela me servi inafastado durante 45 anos! Recente prestei-lhe uma homenagem de gratidão pela companhia, pelos serviços a mim prestados com aquele retratinho feito para a ocasião em camisa listrada, com a minha cara de rapaz, aos 21 anos de idade.
Depois foi a vez de uma velha beca de advogado que a usei por uns vinte anos, Despedi-me dessa beca num tribunal – toda remendada, rasgada, amarrotada, estraçalhada e retratando histórias de uma companhia fiel e servil e que me assistiu nos embates, nos ossos do ofício, na vitórias e na desdita. Ela que me serviu de túnica e travesseiro nas noites de serão. Ela que foi companhia e companheira no inverno e no verão. Guardei-a em alguma caixa e tenho-a perdida faz muitos anos. Mas ainda assim uma dor. E a saudade daquele amor...
No meu escritório guardo com carinho uma antiga bandeja retangular, construída em fibra de vidro. Uma relíquia, um tanto amarelada pelo tempo. Adquiri a preciosidade na antiga CASA LOPES, do Sr. José Lopes, que ficava na Rua 15 de Novembro, meados dos anos 1970. Não a uso mais por dois motivos: um: porque se faz brevemente trincada a uma das bordas e a outra para à inércia (guardada), ser preservada pelo tempo.
É agora que entra o meu VELHO E QUERIDO DICIONÁRIO! Corria o ano de 1969, melhor dizendo, 26 de setembro de 1969. Lá se vão quase 43 anos. Essa é a idade e companhia do meu velho “DICIONÁRIO ESCOLAR DA LINGUA PORTUGUESA”, 6ª edição, de Francisco Silveira Bueno, uma Publicação da Fundação Nacional de Material escolar, do então Ministério de Educação e Cultura – o que veio a ser o meu amantíssimo e inseparável “capa preta”.
A Revolução de 1964, então com cinco anos de idade – estava na seiva, a todo vapor com músicas e letras proibidas, outras censuradas, jornais, rádio e TV tudo monitorado. Gente infiltrada pelo meio e... a taca rolando nos porões com gente que se foi e não voltou mais. Era final de semana quando nos meios colegiais, tomei conhecimento de que na LIVARIA RAMOS DE ALMEIDA, na capital, vendia-se um dicionário. Mal amanheceu o dia e eu já estava na porta da Livraria. Adquiri aquela obra que foi e é para mim uma inesquecível e inesgotável vitória! Foi a realização de um sonho que um dia sonhei não sei como nem sei onde.
Aliás que nesse particular tenho uma “história” pra contar. Terceira, quarta séries ginasial – 13, 14, 15 anos de idade e eu usava, aplicava e pronunciava palavras que estavam guardadas em algum lugar da minha mente. Nem tinha certeza do seu significado. Depois ia ao dicionário e... para minha surpresa, estava tudo lá! E então sempre me dei bem com “sinônimos” (o significado das palavras), mas certa feita dei com a cara na parede, usando a palavra “detrimento”, que eu imaginava que fosse uma “vantagem”. Só que quando fui ver, era um “prejuízo”!
Voltemos ao dicionário.
Durante 40 anos servi-me desse antigo dicionário que nunca me deixou na mão; nunca me escondeu ou negou um único “verbete” a que procurei e que sempre me atendeu, enfim estava sempre a postos e garantido – fosse em tempos de colegial, nas atribuições de servidor público que fui em oitos anos, nos ossos ofício seja como advogado, seja como metido a escriba e apresentador nas rádios, nos jornais ou como coadjuvante na/s TV/s por onde passei.
Tenho imensa e incontida satisfação por essa obra minha, toda minha. Afinal ela guarda a história de mais da metade da minha vida, mas... ainda assim, uma vida! Nela estão minhas assinaturas de um tempo, a velha logomarca de assinatura em forma de uma vela, de um barco, a marca dos meus sonhos; as folhas amareladas, outras amarrotadas, sujas, ensebadas, discretamente fuçado mas ainda assim conservado em face do tempo.
Nele estão as marcas das hecatombes a que sofreu; roído de barata, riscos ou círculos propositais de certos verbetes, marcas de chuva a que se submeteu. E nessa maratona, juntos já passamos por quatro “repúblicas” coletivas. Três casas de estudante, três escritórios, uns três “noivados”, dois casamentos, (estamos no terceiro). Recente, procurei o verbete LANDRUÁ - palavra e objeto que conheço de criança. Resolvi conferir. Não encontrei no “capa preta”. Bateu um frio! Nas várias opções da internet também não estava lá. E de resto em lugar nenhum! O alento veio ao saber que mais uma vez o meu “capa preta” estava a postos.
Ultimamente, ele me acompanha em casa, meio-aposentado e, por segurança, a que seja menos submetido aos apelos e atropelos do quotidiano. Com os apelos da mídia e do “modernismo”, resolvi adquirir um DICONÁRIO AURÉLIO do homônimo Buarque de Holanda. Mil floreios, um milhão de verbetes, uma grana! E vejo feliz e realizado o quanto o meu velho “capa-preta”, do antigo Ministério da Educação e Cultura não fica a lhe dever em absolutamente nada!
Ele que me custou àquela época – ainda me lembro, algo como dez ou DEZ REAIS dos nossos dias! Um presente da “Redentora de 64”. Um título, um diploma, uma preciosidade, uma obra maravilhosa que tenho com carinho, respeito e estima. Dedicação e AGRADECIMENTO. É assim, a eiva que nutro pelo meu velho e inseparável “ Dicionário CAPA PRETA”.
Comentários