(COISAS....  QUE ESCREVI)
Quando cheguei nesta cidade, este chão tinha um aura de garimpo, tal o movimento desordenado, a dinheirama que se espelhava e o poeirão que cobria os ares. Grileiros, pistoleiros, devedores, madeireiros, falsários, trambiqueiros, foragidos, aventureiros, casa de mulheres e música dor de cotovelo  pelos bares da cidade a qualquer hora, à luz do dia, inclusive. Milionário e José Rico, Maurício Reis e  Waldick Soriano davam a cartas. Predominava por aqui, em meio à periferia, desse “garimpo”, as CASAS DE TÁBUA. Mas nem só de “casas de tábua” vivia o lupanar da cidade. MANGUEIRÃO, CACAU, PRETA, CORSÁRIO.  Maria Boêmio. Farra Velha, Pedreirense, Godô, Raimundo Cheiroso e  outros faziam a festa!
A esse tempo, logo encontrei nomes muito usuais por aqui e que me chamaram a atenção: SIÁ: abreviação de SINHÁ, derivado de SENHORA. Era um termo usado no período da senzala, com que os negros tratavam suas patroas. Na linguagem local, SIÁ era uma tratativa dos meios domésticos e amistosos na ala feminina, entre jovens-colegas ou vizinhas de mediana idade. Também aqui convivemos  com a palavra LAMBRETA, que significa(va) chinelo de dedo. E como noutras terras “lambretta”, é(ra) um motociclo que antecedeu à motocicleta, os estrangeiros ficavam se contorcendo  diante da linguagem.
Havia também vendas a varejo no “PRATO” – como objeto de medida, que acontecia na rua, nas feiras, a céu aberto. O PRATO é um indicativo antigo e sertanejo de medida e equivale a DOIS LITROS. E como os estrangeiros como eu não conheciam O PRATO como medida, a turma regurgitava e se contorcia com a palavra. Eu, ao contrário, achava legal e já sabia que aquela quantidade implicava em “dois tantos” – quer dizer: dois litros!
Mas a palavra que deixava meio mundo tonto e que resplandecia como raio para todos os lados, era a presença física e o substantivo feminino SENDEIRA. Sendeira era uma palavra muito frequente. Caiu em desuso. Significa(va) na linguagem popular mulher separada; mulher que não tinha marido. E, de conseguinte mulher livre e... disposta a propostas.
Por conta de situações essas as SENDEIRAS roubavam a cena e tornavam-se figura das atenções senão objetos de desejo. As SENDEIRAS convertiam-se num perseguido alvo de caçadores e predadores. E, embora livrando-se de uns, eram “abatidas” por outros. SENDEIRAS sempre foram um alvo acessível, vítimas de livres-atiradores. Ainda assim, pessoas como que procuravam no ar e em toda parte rastros de SENDEIRA tal o “feitiço” com que o adjetivo e o substantivo sempre enevoaram o universo masculino. SENDEIRAS não existem mais. Quer dizer: existem mais ainda!
Eu que não perco a raiz, liguei o vocábulo SENDEIRA a um cavalo de montaria e trabalho, bom de carga e de estrada que lá para as minhas bandas chamam-no de SENDEIRO. Sendeiro, pois quer dizer: animal caminhante, de serviço, bom de carga, viageiro, esperto e disposto a longas estradas. Nesse devaneio vocabular também pude ver que o substantivo SENDA indica um caminho, uma passagem, uma travessia, um espaço. E o suporte a longas caminhadas. E foi assim que entre caminhos, estradas, travessias e caminhadas, melhor pude compreender a palavra SENDEIRA. Quer dizer: de SENDEIRA nunca entendi absolutamente nada. Podes crer!!!
O NATAL NA MINHA TERRA...
Meados nos anos 60 e eu estava no meu primeiro emprego público. E, já “comichando” a veia do escriba, resolvi escrever um conto sobre O NATAL NA MINHA TERRA. Foram três laudas! Haja fôlego! O tema era direcionado a um “concurso literário” que, afinal, não aconteceu. Personagem e fatos da vida real – o que, aliás, continua próprio dos meus temas. Frustrado pela não realização do tal concurso, guardei aquilo debaixo do colchão e carreguei  nos caminhos por onde andei.
Mais tarde, um novo concurso e lá vou eu, reproduzir aquelas suadas três laudas em cinquenta e tantas outras. E daí, o que era  “O Natal na Minha Terra”, transformei-o em “TERRA DA MINHA TERRA”, que também não deu em nada. E aquele calhamaço, teve o mesmo destino do vintenário trecho de três laudas: o armário e a poeira. Mas ficou a experiência e a dor. Tive porém uma grata satisfação. Teve um cara que, compulsivamente, leu aquilo uma umas quarenta e poucas vezes. Lia-o no banheiro, no trabalho, no ônibus. Esse cara era eu !!!
Hoje quase cinquenta anos depois, quando olho para trás e vejo “O Natal na Minha Terra” que se transformou em o TERRA DA MINHA TERRA –  cujo original guardo com carinho e estima, faz tempo que não o releio. Uma pena! Uma coisa porém me deixa a sensação de confiança e equilíbrio: é que jamais perdi as minhas origens e continuo fiel ao meu estilo, às minhas raízes: só rascunho sobre fatos da vida real, personagens em carne e osso, tal como assim se fez em TERA DA MINHA TERRA.
Embora uns tontos, aproveitando a minha tontice arquivada, sugeriam-me publicação do “TERRA...” a recusa, porém, vinha de imediato: NEM PENSAR! É que por causa de uma antiga “dor de cotovelo”, envolvendo uma personagem e o escriba - aquele que leu a própria cria umas quarenta vezes, achou por bem guardá-lo “inédito” (na linguagem do ramo).
(Trecho avulso de TERRA DA MINHA TERRA).
Estamos no ano de 1.950. Baixada do Maranhão.
Por aqui é crise braba de precisão; de dinheiro; de sol escaldante; de falta de farinha. Pelos caminhos, em tardes ensolaradas de domingo, invocando a proteção divina, o povo – homens mulheres e crianças, rezam chorosas ladainhas pedindo chuva à São Sebastião, padroeiro do lugar. Glória a Deus meu pai/ Meu santo Varão/ Livrai-nos das Pestes/ São Sebastião...
É 24 de dezembro. O dia amanheceu no mormaço. Bem cedo Mateus amolou seu patacho, vestiu a calça-velha, calçou a “precata cearença”, pegou a cabaça d’água, o cofo em que tira palmito, emparelhou machado, enxada, e foice; deu duas patachadas com o “collins” no parapeito da casa e gritou pelos seus cachorros: Caçadeira, Rompe-Nuvem, Aviadô, vaaamos... e saiu dando baforadas num bruto cigarro de fumo de molho...