Textos que enviei para o programa CLUBE DA SAUDADE, Mirante/AM, em cadeia com 19 emissoras no Estado, manhãs de domingo, oito em ponto. E lá se vão oito anos, cativos em... PÁGINA DE SAUDADE.

PRECE AO VENTO

Era outono e eu nem sabia! Os mangais ali por perto ainda estavam nas primeiras mangas. Ainda era cedo da manhã, e lá se vão três, quatro, quilômetros de pé no chão. Então a gente saía de casa, 3, 4, 5 moleques da vizinhança,  cada qual com o seu cofo e íamos rumo ao mangal. Íamos “juntar manga”.
Por vezes, as que caíam na noite ainda estavam lá (no chão). Então a gente corria sôfrego, disputava e “juntava”. E cada qual punha no seu bisaco. Por vezes, quando a gente chegava, os porcos já haviam feito a festa. E então a gente se punha de cara pra cima, olhando por todos os lados, ansiosos... inseguros... à espera de que  as poucas mangas maduras  caíssem ao chão.
Mais tarde, porém, quando o sol das oito, nove horas,  deixava mais claro o mangal, a gente,  de cara pra cima  (e em coro), começava uma cantilena: VENTÔ-LÔ-LÔ,  VENTÔ-LÔ-LÔ, VENTÔ-LÔ-LÔ. Era uma verdadeira prece ao vento – uma súplica ao vento, para que ele açoitasse lá em cima e as mangas caíssem. E nada!!! E, no mesmo tom, também  em assovio.
Daí a pouco a gente novamente, de cara pra cima,  entoava aquela sofrida prece ao vento: VENTÔ-LÔ-LÔ, VENTÔ-LÔ-LÔ, VENTÔ-LÔ-LÔ... E logo depois sentíamos os primeiros ares da brisa. E  em seguida...  um vento mais forte. E ali caía uma manga (BIP!) E adiante caía outra manga – BIP! E mais adiante caía outra manga (BIP!).  (Você que me lê conheceu isso aí?).
As primeiras mangas que caíam era disputadas aos empurrões, mas depois da PRECE AO VENTO, as mangas caíam mais constantes, mais frequentes. E lá pelas dez do dia, a gente voltava pra casa - cada qual com o seu cofo, cada qual com o seu bocado. Em casa, recebido pela alegria dos irmãos, aquele troféu já indicava que nem a nossa luta nem a nossa prece foi em vão. E ficavam as mangas ali num canto por três, quatro, cinco  dias compondo a merenda e completando o almoço. Você que me ouve, conhece isso, seu moço?
- Hoje, quando me lembro daquele tempo-criança, ainda posso ver e ouvir aquela prece que a gente fazia ao VENTO: VENTÔ-LÔ-LÔ, VENTÔ-LÔ-LÔ, VENTÔ-LÔ-LÔ, quando a gente corria sôfrego, voraz e decidido. E disputava as mangas aos empurrões. E voltava pra casa, vitorioso e feliz com aquela “cofada”  de manga, indicativo de que a nossa luta não foi em vão e que a nossa prece ao vento foi atendida!!  VENTÔ-LÔ-LÔ... VENTÔ-LÔ-LÔ... VENTÔ-LÔ-LÔ...
(Música: Vento Norte – Ray Douglas)

SAUDOSISTA, SIM SOU!

Sou um saudosista nato, convicto, inveterado. Por vezes quisera entender  essa minha alma saudosista, esse espírito transcendental. E assim vou tocando  e escorrendo as veias da saudade, com as  marcas que carrego. Do  que e de quem se foi e do quanto ficou.
O internato e a minha pranteada e antiga Escola Técnica Federal no meu Monte Castelo, que deixei faz quase 50 anos,  foi um rio que passou em minha vida e continua sendo o maior estuário de tantas saudades. O meu tempo colegial fora os  meus anos dourados. Hoje eu tenho saudade porque era feliz e não sabia...
A Casa do Estudante na Rua do Passeio e o “apartamento na GERAL”, quando deixei aquilo ali, foi como se me faltasse terra ao chão -  te juro!  Foi uma saudade que carreguei por tanto tempo! E a minha carteira de estudante? Com direito a meia passagem? “Meia” no cinema;  no circo, no estádio... Haja saudade!
Companheira de tantas saudades foi uma velha beca de advogado. Companheira na diária; serviu até de lençol e travesseiro em noites de serão, em tempos de máquina de escrever - fosse no inverno, fosse no verão.  É mais do que uma saudade, foi um  ferro de marca, que me marcou.  Surrada, amarrotada e esculhambada, estragada pelo tempo. Despedi-me daquela musa com honras de heroína, num Tribunal do Júri e dediquei-lhe homenagem no rádio, no Jornal e na TV. (Acredite, se quiser).
A estrela azul de um tempo de Liceu, A engrenagem gemada da minha Escola Técnica. E no primário no meu Grupo Mota Júnior;  as moças em cantigas de roda, a implacável  diretora NÉGILE ATTA - tudo isso me revelam uma PÁGINA DE SAUDADE. E aquela minha cachorra CAÇADEIRA e companheira? E a escola de chão batido, das primeiras letras?  E o meu  Professor  Ronald Carvalho, de eterna saudade?
E as máquinas de escrever? Guardo-as comigo até hoje! E aquelas cartas em envelopes verde-e-amarelo e retratos e telegramas e bilhetes de um velho tempo colegial? E haja uma alma dormente de tantas saudades !!!
O meu padrinho, a minha madrinha e os meus avós que  se foram, até hoje, na mente, converso com eles e tenho-lhes um carinho e incrível intimidade espiritual com eles. E o meu pai e a minha mãe que se foram? Eu reconstruo na mente, a trajetória das nossas vidas. Desde os meus cinco anos de idade. Hoje dedico-lhes um sítio florestal, que é o seu MEMORIAL. E assim vou vivendo tantos rios, tantos lagos e tantos mares, compondo o meu imaginário em tantas e tantas PÁGINAS saudade.
(Música: Solidão de Amigos – Jessé)
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À produção de cada texto, como se vê, acompanha uma música (ao final) que completa e compõe o tema. Ligue o seu rádio e entre nessa onda...