CASA DE MÃE ESCOLA DE FILHA...
Ainda era moleque e ouvi do meu pai, como assim de tantos outros mais velhos que diziam: “Casa de pai escola de filho”. Outros que seguiam mais adiante e diziam: “... casa de mãe escola de filha”. O ditame por si só é “autoexplicativo” mas... àquela minha criancice e juventude, a “escola de filho” soava para mim como um resgaste, um rebenque, uma correção proposital. Sim mas... e daí?
E daí que diariamente, nas manhãs, quase sempre a hora em que saía para o trabalho, eu costumava ver uma mulher magricela, uma “estrangeira” na cidade, novata na área, um tipo envergada, seus cinquenta e poucos por aí, medianos dois metros de altura, com uma sambada e maltratada bacia de alumínio, que repousava solta sobre a sua cabeça (lá em cima). Na bacia, alguns molhos em cebola, cheiro verde e algumas talhadas de jerimum. Soma e passa a régua, uns trinta reais, no máximo! Deve ganhar o quê? Uns sete reais por bacia / dia.
E todos os dias pela manhã, lá se vai aquela mulher comprida, envergada para a frente com aquela superbacia em cheiro verde, caminhando ao leito da rua, à margem da calçada, ora parando aqui, ora parando ali e oferecendo para um e para outro. Vendo a cena e sua figurante, sugeri então à minha companheira que dispensasse sempre atenção àquela mulher, adquirindo aqueles seus itens, como um estímulo à sua luta. Em verdade, em verdade, porém, nunca tecemos um bom dia.
Pouco mais tarde, porém, passei a vê-la, agora empurrando um carrinho de mão e sobre este, quer dizer, dentro deste, os seus tais itens em verdura: cheiro verde, cebola, coentro, abóbora. E então – logo eu – questionador do social, pude imaginar: “Oh! Tá melhorando de vida”, pensei. Essa é a “Casa da mãe”.
O mundo dá só umas poucas voltas e quando dou por mim, veja quem eu vejo!: A filha daquela mulher! Tal qual a mãe, uma estrangeira e novata na cidade, medianos quinze anos por aí assim, magricela, compridinha, transeunte da área, caminheira ao leito da rua, à beira da calçada, justo com aquela mesma bacia na cabeça e sobre esta molhos de cebola, cheiro-verde e talhadas de abóbora. E foi mais adiante: pouco depois, fazia o mesmo percurso na sua “ambulância” com aquele mesmo carrinho de mão, o qual também serve à sua mãe.
Olhando a cena e sua figurante e o ofício com que toca a vida, aquilo tudo caiu em mim com a força de uma velha lição: “...casa de mãe escola de filha”. Então varei no tempo, quando eu ouvia dos mais velhos: “casa de pai escolha de filho; casa de mãe escola de filha”. Eis a lição! Eis a vida!
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CARTA ABERTA A ELSON ARAÚJO:
Meu caro Elson Araújo: cumprimento-o com as minha saudações...
Ao mesmo tempo em que eu teria tanta coisa para te dizer, a este ponto não te dizer nada pode ser tudo “igual à mesma coisa”. Nesse transe, vem-me à mente que: “tudo na vida é por um tempo”, como igualmente me vem que “o tempo é um divisor de águas e senhor da razão”.
Ainda nesse transe, revivendo lembranças de fatos que se dissiparam com o tempo, revejo Augusto dos Anjos que me ensina: “O beijo, amigo, é a véspera do escarro/ A mão que afaga é a mesma que apedreja. E que tudo isso, meu caro Elson, sirva de lição a nós ambos, pois que como na lição de Horácio (Século VI , a. C): “Cada dia que surge, constitui uma nova vida para quem sabe viver”.
Dito isso, meu caro Elson, como já nos dissemos pessoalmente, estamos zerados. Revendo essas e outras “loas”, um termo por você usado naquela efeméride de ocasião (com o meu protesto), lembro-me de uma lição que um dia me ensinou que “por vezes é preciso estragar para depois consertar”. Como nas cirurgias, por exemplo. Qual nas brigas para a reconciliação. Qual Paulo, um perseguidor que caiu do cavalo, ficou cego para depois seguir à liderança no Reino do Senhor. Ou como você mesmo me disse: “dois dias sangrando e no terceiro dia curado”.
Aliás que me insurgindo e te questionando em “loas” uma tua referência às nossas tratativas de outrora. (Loas), fui então ao dicionário e, entre outras: LOA: mentira, parlapatice. Fui mais adiante: parlapatice: atos ou ditos de parlapatão. E segui na pesquisa: parlapatão: homem mentiroso, vaidoso, paspalhão. Foi por isso que me insurgi contra o teu termo “loas”. Mas, ainda assim, penso, só foi um verbo, uma expressão infeliz e mais nada. Mas foi. Foi como você disse.
Lembro que você um dia me disse, ainda que de forma vaga, lacônica e remota e com ar de confidência que tinha um olho no parlamento estadual. Hoje ouço pela rádio-pião que você pretende uma cadeira na Câmara local. A inconfidência vem desde Tiradentes e tai as Lava-Jato dos nossos dias. Vendo e ouvindo essas e outras “loas”, quero te dizer uma coisa: Tenho visto (publicamente), o quanto você se faz serviente ao teu amo e senhor pelo pedestal do poder e, lógico, do assalariamento. Entendo que isso faz parte do jogo. Da vida e da sobrevivência.
Por fim, uma coisa, porém, é certa, meu caro Elson: para mim, “o homem é a palavra e a palavra é o homem”. E então se o homem não tiver palavra, eis a VALA COMUM que o espera, onde pululam os vermes da política que vivem à sombra do poder e do erário, sempre com mentiras e outras “loas”, como se tem visto por aqui, por aí e mundo afora. E lembro a você meu caro Elson que “o poder é como o vinho: envolvente e insinuante mas que também embriaga”; qual um pirulito: gostoso, saboroso e até disputado mas que resulta inevitável no palito, que vai ao chão”. Qual aquela estrada asfaltada, sinalizada em tempo bom que desperta a velocidade e a “vantagem”, e daí o encurtamento da vida. Veja isso, veja a história, olhe à tua volta e reveja esses valores.
“Te espero na volta dos Correios”– que era como se dizia antigamente. Afinal, como da canção: “a vida é um eterno voltar”. E “vamos nos nivelar por cima”, foi como te disse num ato em que te pedi desculpas e te pedi perdão. Afinal, “Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim” (Francisco do Espírito Santo). Saudações...
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