CHINA – O CARA!
China era o bonitão do pedaço. Forte, atlético, simpático, saradão! Presidente do grêmio da União de Moradores, líder da galera do seu bairro. Até para falar, falava bonito, boa dicção. Dono de um corpo bem dividido, sem precisar fazer exercícios, tudo por conta da mãe-natureza! CHINA, que vivia na proa da vida, quando resolvia dar um dedo de prosa, o que se via era a galera em volta, qual mosquito na manga. Só faltava ser carregado como fazem as formigas “rola bosta”. Conhece?
A mulherada vivia caída pelo cara em tempo integral, “in natura”. E se ele ao menos batesse o dedo ou mandasse um olhar atravessado para qualquer uma daquelas em volta, podia contar de certo que era “peixe na rede”. E assim vivia o CHINA, um rapaz de vida e origem modestas que morava numa casinha mais que sofrida, naquele pequeno bairro à beira do asfalto, com sua mãe e seus irmãos.
CHINA era um cara que estava sempre por cima. E, se não estava, ele mesmo se punha. E, se chegasse a uma repartição e utilizasse o seu sobrenome, pronto! É que um seu tio de segundo ou terceiro grau, detentor daquele codinome era uma expressiva figura do governo. E aí já viu, as portas se abriam! Outras vezes ele era quem dava de ombros, diante da demora e deixavam aqueles por trás do balcão das repartições se descabelando porque saiu insatisfeito aquele familiar do chefão. E assim vivia o rapaz nadando em águas fartas no empório alheio.
No período carnavalesco, aquele rapagão, sarado, charmoso, bonitão e cobiçado, que guardava na sua imagem e no seu rosto fortes traços de um índio, saía só de tanga, corpo seminu, no bloco da “Tribo dos Apaches” que se rivalizavam com a Tribo dos Comanches. E quando um bloco tinha aproximação com o outro, cada qual queria gritar o seu grito de guerra, encenar suas habilidades guerreiras, tocar mais alto e mais forte os seus grandes tambores. Assanhavam-se, queriam brigar.
E o nosso personagem, destaque e liderança em tudo enquanto botava os pés ou as mãos, liderava toda a situação fosse para zoar, fosse para acalmar. E aquela fama do sucesso e dos confetes e gandaia do carnaval até parece que desdobrava-se pelo resto do ano e até o próximo carnaval, pois que o rapaz vivia impregnado e reverenciado por aquelas firulas daquele infinito sucesso. E haja fama e prestígio em todo o meio em que circulava. CHINA era ourives por profissão, um serviço de ganho apertado que não rendia lá essas coisas, mas para o qual batia o ponto todos os dias. Voz bonita e expressiva. Andava sempre de ouro no pescoço. No quotidiano, era um boa-praça discreto e amistoso, até.
No bairro, pouco mais tarde, chegou ali a MARIA AMÉLIA, uma mulher de idade mediana, visivelmente amassada e retorcida pelos sofrimentos da vida. AMÉLIA era uma mulher falante que carregava consigo fortes traços em desvios físicos: braços secos, desfigurados, mãos igualmente ressecadas e enrijadas. Na parede de sua casa, porém, ela ostentava um pôster em fotografia. Linda! Lindíssima! Invejavelmente bonita!!! Logo se apaixonou-morta pelo China!
Imagino que o rapagão deve ter dado uma ou outra beliscada de cara virada ou, talvez, nem isso e a Maria Amélia vivia doida, doidinha atrás do cara. Ela que deveria ter um aposento previdenciário, imagino, investia em cima do gatão. Ele ficava por ali, um dedinho de prosa e se arrancava nos finais de semana, pelas festas da ilha iluminada a fora, deixando a moça falando sozinha, brigando com as paredes e desabafando com quem encontrava pela frente. Era uma zoeira dos diabos! E o bonitão que aparecia quando bem queria, três, quatro dias ou uma semana depois, era só chegar o dinheiro da pensão estava ali à sua disposição... Era ele ficando cada vez mais “roliço” e ela emagrecendo, secando, cada vez mais.
Àquele tempo eu era um garoto, colegial, beirando o vestibular e já “encasquetado” com o rádio e com o jornal e que o China só desprezava e sacaneava. Apelido que ele mesmo punha, ele mesmo consumia. E enquanto aquele garotão vivia as luzes da ribalta e as arquibancadas do momento e eu nas gerais e roendo as batatas da terra, já me perguntava sobre aquela vida amarga e cruel daquela falante Maria Amélia: seu corpo, suas deformações, seu rosto ainda bonito, seus traços de outrora e aquele pôster lindíssimo, em cores que expunha na parede de sua casa. E aquela paixão desenfreada, enlouquecida, que nutria pelo CHINA, que gastava o seu dinheirinho e lhe desprezava.
E a vida, como sempre em todos os meios e em todos os níveis com os seus altos e baixos, eis que desaparecemos todos: desapareceu Maria Amélia, também desapareci; desapareceu o CHINA que, segundo a rádio-pião, foi para o Rio de Janeiro e lá fez um filme em que posava de índio e era só o que a galera falava exaltando o seu ídolo. E nunca mais se teve notícias daquele bonitão.
Os anos se passaram - tantos anos e mais anos, até que um dia encontrei-me com aquela minha ex-prima-terceira ou quarta, pequena, ternura viva, sedenta e sensual com quem um dia sonhei e que anos mais tarde ela me deu um pôster de um cavalo-garanhão, com cara de disposto e descansado e disse: “Taí, meu alazão, tua cara”! E então perguntei pelo CHINA, seu antigo vizinho. Ela foi direto e reto: Voltou do Rio de Janeiro, comprou uma casa aqui no bairro e se assumiu de vez: É um gay, enrustido que só fica na dele! Como assim, aquele machão? Perguntei ingênuo e proposital. Ah tu não sabia?! Durante o dia as mulheres davam em cima dele mas... durante a noite... (e sorriu) era ele quem dava em cima dos rapazes...
Em tempo: Todo esse enredo da vida real se deu há 47 anos. E só agora, creia, vira um texto.
Edição Nº 15487
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