LENDAS RURAIS
Partindo do princípio de que existem as chamadas “lendas urbanas”, faz dias que fico retorcendo na mente a ideia de escrever um texto abordando sobre “lendas rurais”. E então, nas noites acordadas, ponho-me a “escrever” na mente qual um desenhista sobre a prancheta, mas o quanto vou desenhando, ao final não me agrada.
E eu, filho do mato e da roça, criado em um meio de crendices, “currupiro”, “labisonho”, “visagem”, “curacanga” e tantos outros e que na trajetória do tempo, ora me descabelei sob elas, ora escrevi sobre as mesmas, agora tento pô-las sobre a prancheta, condensá-las em um texto, mas não consigo “fechar” o arco desse desenho. Enquanto isso, enquanto o arco não fecha, eu remasterizo um velho tema, que não deixa de ser é uma LENDA RURAL.
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Pedro era uma rapaz que apareceu por ali vindo da “beira do campo”. E, por conta de suas características físicas, logo ganhou o apelido de PEDRO OLHUDO. Pedro era um tipo “descansado”, de pouco serviço. Não era lá de se matar nem debaixo do sol quente, nem debaixo do serviço pesado. Levava a vida assim... na moleza. No vai da valsa... deu, deu, não deu, não deu.
Mas como diz o ditado “prá porco ruim, batata rasa”, foi o que aconteceu. Num breve vesperal havido por ali, numa tarde de domingo, apresenta-se aquele olhudo e dá de cara com PEDROLINA, a filha caçula de Dona Inez Aroucha. PEDINHA, para os íntimos. PEDINHA era uma fera! Trabalhadora, toda! A qualquer hora do dia ou da noite, fosse no que fosse, a qualquer dia da semana PEDINHA não enjeitava serviço.
E, naquele vesperal PEDRO OLHUDO e PEDINHA, cruzam olhares, aproximam-se. Uma dança daqui que ali se chama “parte” e outra “parte” dali que é a dança. E naquele vesperal, quando deram por si estavam namorando. Namoro firme, ajeitado, garantido.
Pedro então viu naquela moça “espigada”, cabelos negros, traquejada, que sabia ler e escrever, “bem aparentada” e ainda por cima moça de papel passado e trabalhadeira, era a outra banda da laranja, a companheira com que ali cada um sonha para dividir as tarefa do roçado. E aí... foi “zás trás, nó-cego”, namoro firme e garantido, de “responsa”, como se dizia na periferia da cidade, lá longe.
Aí... Pedro Olhudo frequentando a casa da sua amada, logo ganhou o apelido de PEDRO DE INEZ, em referência à futura sogra. E assim, em finais de semana intercalados, lá se vem PEDRO DE INEZ visitar a namorada, ao que armavam-lhe rede limpa e cheirosa na sala, indicativo de recepção e “visita”; coisa grã-fina naquele meu lugar. No tempo em que grã-fino era grã-fino mesmo!!!
Namoro vai, namoro vem e, sem muita demora PEDRO “pediu a moça em casamento”. Essa é a versão do noivado, naquele meu lugar. Noivos, aí então é que Pedro estarrava-se manso e quieto em rede armada na casa de Inez Aroucha, em dias de domingo! Só comendo capão gordo, farinha boa, torta e galinha gorda. E Teodorico Surdo convivente com Inez só “banzando” com a situação... E Tereza Doida, irmã de Teodorico e “cunhada de Inez”, falando pras paredes o resumo da ópera: “tem gente que só que sê o que a folhinha não marca”.
Com a moça pedida em casamento (que importa em NOIVADO), não demorou muito, PEDRO designou o casamento para daí a uns três meses. E PEDULINA conivente e de pleno aceite, é claro, até porque ninguém é de ferro... Acontece, entretanto, que pouco depois, INEZ (a mãe da noiva), caiu doente prostrada. Chás, infusão, “meisinhas”, beberagens, remédio-de-farmácia, benzedura, e até promessa para santo nada dava certo. Inez só piorava a cada dia. Vivia só “arquejando” Era “fundo de rede”, mesmo! Era como se diz: “morre-não-morre”.
Aí, Antônio de Inez, filho da velha-doente e líder “por conta própria” da família, achando que não estava certo aquele casamento, naquelas circunstâncias, resolveu por aquilo tudo a limpo: chamou Pedro e declarou: Pedo, tu bem tais vendo que Inez tá muito doente e não é certo fazer festa de casamento com esse morre-não-morre. Então, Pedro (disse Antônio) o certo é adiar essa casamento.
O quê? Adiar o casamento? Sim Pedro, tu não tais vendo que Inez tá aí quase “no meio da casa”, mais morta do que viva? Negativo, respondeu Pedro, ou eu caso na data marcada, ou então vocês indenizam minha despesa que eu já fiz. Aí não prestou! E virou-se Antônio para PEDULINA e ponderou determinando: “Tu não tais vendo minha irmã que esse homem não presta?! Tu vai sofrer na unha dele. Com tua mãe morre não morre e ele querendo fazer festa de casamento? Não vê que isso não tem cabimento?! Não vê que esse homem não presta?!
Ah prá quê, aí foi PEDINHA que, conivente, partiu prá cima e fez o rapapé: Ele não presta? Me caso com ele nim qui seja pra pegar uma taca de manhã, uma meio dia e outra de tarde! Me caso... me caso.. me caso... E casou... e foram morar no quintal, aos fundos da casa de Inez, tal o fraco, o homem-pouco que era o PEDRO DE INEZ.
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