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VIDA REAL: “no supermercado”

Tenho observado de soslaio e involuntariamente  que  o supermercado é um terreiro para encontros e desencontros. Ali acontecem incidentes em família, divergência,  namoro, olhares, fingimento, censura, exposição, vaidades, esquisitices e outros entrelaces e desenlaces que a vida nos reserva nas mais diversas dimensões. E aqui a gente entra num “pau de arara” no estradão da vida e lá vamos nós nessa viagem...
Encontro um ex-vizinho que recorda-se de mil e um detalhes a meu respeito. E eu: eh... eh... eh..., não me lembrava de absolutamente nada. Via, porém, boa fé no conteúdo e nas expressões do ex-vizinho, de cuja vizinhança também não me lembro. Papo encerrado, cada qual para o seu lado, ele já ia embora quando eu ainda estava no caixa. Foi quando despedimo-nos ao congraçamento de um saudável reencontro.
Ali estão mãe e filha. As duas levemente divergem. Discutem sobre algum produto. Cada uma na sua opinião. A mãe rende-se. A filha determina, mas a conta era da “velha”. A mãe é uma provecta senhora, setenta e tantos; a filha uma gatona, transadona da cabeça aos pés, saradona de ponta a ponta, seios fartos, lábios sensuais, cara de quem já voou mais de cinco mil milhas, um metro e oitenta, toda proporcional, bem dividida, calça colada daquelas que mostra o desenho do Monte dos Quírites, para onde refugiaram-se os plebeus revoltados, da Roma antiga. 
Lá adiante tem aquela dona de casa. Ela faz opção pelo produto mais barato. Aí é cruel. Para... olha... opta por diferenças em centavos. Vai, volta, torna a ir, torna a voltar e se tiver um centavo a menos naquele extrato de tomate  esse é o seu preferido. Iguais a essa tem outras dezenas no batidão. Afinal “a economia é a base da prosperidade”, dizem uns mas... “o barato sai caro” dizem outros. E segue a vida no supermercado.
Aquele casal parece recém-saído de uma “frevo de maracatu”. Ele um cara “bem aparecido”, alguma grana pra gastar. Ela dona de um par de olhos estonteantes e um arrasador olhar-44, jeito contido de quem está no ar em tempo inteiro; vê tudo e até os olhares que lhes convergem mas dá de ombros e finge que não vê. Insaciada, porém contida. Sensualidade derramando por todos os poros. Sabe aquela sombra negra sob os olhos amendoados? Fêmea assim é um perigo!
No caixa, até parece que a moça não fez o devido treinamento.  Está enrolada em seu ofício. Mostra-se perdida, desnorteada. Lenta, a fila não anda. Os consumidores inquietos, aborrecidos, chiam, reclamam, começam a falar alto, querem mudar de fila. A moça finge que não está nem aí, fica na dela, aguenta o tranco como se tudo estivesse acontecendo do outro lado da rua. Até que chega terceira pessoa, desata o nó e, finalmente, a fila anda!
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Ali estão os dois. Parecem dois pombinhos um tanto desajeitados. Ele um cara de boa idade, cabelos farfalhados, maltratados, desalinhados, alongados, tipo trinta por cento sobre o couro cabeludo. Vestia troncho com uma camisa aberta e caída e  ao peito e uma calça com cara de que precisava de água e sabão,  folgadona que parecia haver herdado de alguém mais corpulento. Lembra-se daquela música-sátira, carnaval dos anos 50 que dizia: “Engole ele paletó / que o dono dele era maior” (?)
Ela uma distinta figura, um tanto mais jovem que o parceiro. Tipo de aeronave um tanto surrada e carcaça de quem já teve mil milhas de voo mas, ainda assim apresentável, corpo esbelto, “status” menor do que o parceiro, mas ainda  assim nada de se jogar fora. Aproveitável dos pés à cabeça. Ou, como diz o caboclo da minha terra: “ainda tá boa de apuro”. Os dois estão lá, pra cima  e pra baixo, vão e vêm; tornam ir e tornam voltar, sempre em frente aos expositores dos frios.
A madurona leva à mão uma bolsa estilo antigo, mas na onda, tão verde quanto sua montagem em roupa e sapatos. E os dois, liderados pelo varão, caminham no vai e vem, em frente à ala dos frios. Ele leva na mão uma modesta cesta de plástico, dessas do tipo quatro quilos que se pega na entrada da loja. Ele vai apertando tudo o que vai encontrando: a salsicha, a mortadela, o presunto, o salame em carne de cavalo, queijos e outros petiscos. E sorriem! E vão e vêm os dois, como “recém-ajuntados” ainda em lua de mel. Alegres e felizes qual um par de pintos no lixo.
Aí o cara segurando a cestinha de plástico, sem nada dentro, quando lembra que esqueceu o dever de casa, zap! Voa na mão da balzaqueana! Aí a bolsa verde, coitada, fica rolando e perdida entre a mão de um e do outro. E seguem  olhando... olhando... o fileirão dos frios. Ele solta a mão da moça e sai apertando tudo pela frente: o queijo, a mortadela, o presunto,  e  quando  se dá por conta, zapt! Voa na mão da moça e seguem ambos de mão dadas! Aí a bolsa verde-periquito, fica rolando e perdida ora sobre o braço de um, ora do outro, ora por sobre as mãos de ambos. E segue aquele casal feliz da vida, num converseiro sem fim,  tipo do casal em lua de mel, e ele apertando tudo: a mortadela, o queijo, o presunto, a carne de cavalo.
E ficam nessa rotina uma banda da tarde: ele segurando a cestinha quase vazia e apertando tudo o quanto lhe apetece que encontra pela frente ora esquecendo-se do dever de casa e, de vez em quando, zapt! Voando  na mão da moça e deixando ao próprio destino a pobre bolsa verde, rolando solta, ora sobreposta ao braço de um, ora ao braço do outro, ora por sobre as mãos grudadas dos dois. Nisso passa um sujeito e confidencia com seu parceiro “essa cara aí fuma que só um caipora”.
- Os dois que andavam tipo sem direção procurando algo ou coisa nenhuma, cestinha quase esvaziada, uns 20 a 25 reais em compras, de repente... alegria, alegria! Estão na lanchonete! Até parece que encontraram um oásis no deserto! Ele espia aqui e ali. Pedem um lanche. Relaxam e deliciam-se! Até parece que encontram a felicidade!  Em seguida, braços dados rumam ao carrão dele, antes, porém, deixando a marca dos seus apertos em tudo o quanto encontrou pela frente e a imagem daquela bolsa verde-periquito, perdida, rolando ora sobre o braço de um, ora de outro e aquele cara que lembrava-se do dever de casa e zapt! Voava na mão da coroa, em cenas que, do hilário e do cômico e, porque “o amor é lindo”, fazem jus “a posteridade”.