FESTA NO INTERIOR
O meu pai era um garanhão terrível e incorrigível. Nessa postura, cedo “dava corda” aos filhos para que... também... entrassem na dança. Sempre que eu chegava de férias na casa paterna tinha uma festa de arraial: baile, bumba-boi, festa de santo, novena. Naquelas férias, havia uma “boiada” na casa de Generosa, uma “fazendeira de boi”, no lugar chamado Conserva, distante uns seis quilômetros. E lá vou eu, ainda na tarde, em pé no chão.
Sabia, no entanto, que naquele lugar existia um homem chamado BUBUTE. Bubute era “o cão pendurado numa vara”, como diziam. Tinha fama de cachaceiro, “atentado” e “brigador”. Contavam que ele, bêbado, numa briga com um sujeito chamado PUPUCA, mutilou-o a dentes, nos lábios. De fato, conheci Pupuca mutilado no rosto.
Então, fui à “boiada” de Generosa, na Conserva, assim um tanto morrendo de medo de BUBUTE. Sabia que ele estaria por lá. Mas entre o medo e a curiosidade, ia perguntando ao Afonso, o meu irmão paterno, sobre as bravatas daquele Bubute. Contava que se ele encontrasse uma pessoa no caminho e esta não se arredasse, ele metia os peitos, passava por cima, pisava e, de facão em punho, logo estava pronto para uma desgraça. Eu, a esse ponto, ia de cabelo em pé, morrendo de medo e tomado de curiosidade.
Chegamos ao terreiro de Generosa ainda cedo da noite. E eu que não conhecia a BUBUTE, queria porque queria conhecer o cara, mas ainda assim morrendo de medo. E, em pé no terreiro, ficava a todo instante perguntando ao Afonso quem ali era o Bubute. Afonso me respondeu com um sonoro “te aguenta”, que ali é uma censura que quer dizer: “espera”, “aguarda”. Ainda era cedo da noite, a boiada comia solta no salão de chão batido, coberto em palha e nada de BUBUTE! Eu, estático, ao terreiro, não queria saber de multidão, muito menos de aproximação do “cordão da boiada”, pois que a qualquer briga de Bubute eu cairia no trecho e dava no pé - pensava.
A certa altura, ainda cedo da noite, meu irmão-Afonso me cutuca com o cotovelo e solta o verbo: “olha ali o bubute”. Ah! Pra quê?! O mundo caiu na minha cara. Num instante acho que virei uma estátua de sal e... congelei. Estava a seis ou sete metros de Bubute, mas logo desencantei, pois que o vi um homem sereno, calmo, calado e sozinho. Para que melhor modelo de cristão àquela altura?! Então tomei pé da situação, me recompus mas... não tirava o olho de Bubute.
Logo logo, sem demora, ali chegou uma espécie de parceiro de Bubute, gente da mesma laia e entregou a Bubute um tamborim, caseiro, quadriculado, como que dizendo: “taí, vai brincar no cordão”. Pareceu-me uma cena muda. Não ouvi palavra alguma. Então Bubute pegou o tamborim e enfiou uma... duas... três... quatro vezes numa estaca que jazia em enfincada ali no terreiro. Em seguida, pisoteou a grade do tamborim deixando tudo aos frangalhos. Olhei no mundo ao redor, vi que ninguém se moveu, ninguém disse uma única palavra. Não por nada, porque qualquer zum-zum-zum ali, qualquer movimentação, era como um rastilho de pólvora, diante daquele Bubute, em fogo-vivo.
E eu morrendo de medo e doido pra ir embora. Mas o caminho era soturno e estava a uma distância de mais de uma légua. Depois disso eu morria de medo de cachorro-doido e “visagem”, pelos caminhos. Então tive que suportar ali, faminto, numa noite fria e sem fim, até o dia amanhecer, morrendo de medo de Bubute...
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Antônio de Leôncio, um amigo das antigas ainda dos tempos de criancice, me convidou para uma “boiada” em sua casa. Era fim de inverno. Rodei seiscentos quilômetros, caminhei quase uma légua. Minha mulher caiu do cavalo e, na passagem pelo Rio do Meio, a meia água, molhei uma filmadora linda, coisa de cinema, que eu tinha. O certo que na hora marcada eu estava no terreiro do amigo, compondo o convite.
O que tinha de neguinho com faca-peixeira e 38 na cintura, não estava escrito! Os revólveres eles exibiam como poder econômico e... de quebra como um adorno. Eu ficava meio que arrepiado com tanto revólver e faca por todo o lado, mas sabia que aquilo era só “figuração”. Enquanto isso, “Agermiro de Batião”, garganteando numa roda, dono da situação, contava suas experiências e bravatas a que viveu na penitenciária de Pedrinhas, onde passou cinco anos por conta de um homicídio. Qual um narciso diante do espelho, vitorioso e feliz - aquele sim, sentia-a o cara!
Era manhã quando a festa acabou. O que tinha de bêbados e falatórios e abusos não estava no gibi! Grande-maior parte saia puxando a pé e outros a cavalo. Um afro luzidio, faca na cinturava, chapéu na cabeça, montou sobre um potro novo estressado e ainda não domado que passou a noite amarrado e com a cara dependurada. Aí o que se viu foi uma cena digna de “domingão”. O potro estava endiabrado: pulava, saltava, escoiceava, entortava, empinava, sapateava. O negão de faca na cintura, chapéu na cabeça, mais endiabrado ainda! Ali foi um espetáculo e tanto com os dois se debatendo junto a paus e tocos, e escambau. E o povão assistindo de “camarote”!
Vencido o potro, este finalmente tomou o caminho. Negão deu mais umas duas esporadas e saiu afobando: “Aqui quem manda é eu, quem manda é eu”, porque o dia em que um cavalo me botar no chão, aí não dá mais pra nós dois”. E foi voando pelo caminho com os notívagos exasperados procurando se livrar daqueles dois endiabrados: um que era a montaria e outro que ia montado.
Enquanto isso, aquele sujeito – personagem da boiada – que passou a noite rodopiando com um espantalho de luzes e “marmota” sobre a cabeça, roubando a cena, agora seguia solitário e sem graça com a sua geringonça de isopor que conduzia sobre as costas, para a próxima boiada.
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