A arte de escrever  é um ofício acre-doce. Opinião  pessoal. Tantas vezes uma   inspiração, uma espontaneidade, uma fonte que brota; por vezes remar contra a correnteza, tirar leite das pedras, dar murro em ponta de faca. Eu, aos 70, então, vivo essa “bipolaridade”. Dia desses eu no Mercadinho e, de repente, quando dei por mim estava juntando cacos, recolhendo farrapos e enchendo o bisaco com nuances do social. O social excluído, jogado ao chão, cachaça na cabeça e na mão. 
E eu que “escrevo na mente”, um exercício que pratico diariamente, já saí “escrevendo”. Mas... na hora de mandar para o papel, cadê a disposição?! O intelecto não se de dispõe. Eis um lado da arte de escrever. Enquanto isso, traslado aqui, textos que enviei para a minha PÁGINA DE SAUDADE – Domingos, Mirante/AM, São Luís, oito da manhã, em cadeia com 19 emissoras no Estado.

SAUDADE DO MEU SÃO LUÍS ANTIGO
Hoje eu amanheci com uma saudade sentida... doída.. daquele meu velho e antigo São Luís. Ainda era noite e eu falava sozinho lembrando daquele São Luís antigo.  Coisa de gente sem juízo.  E até parece que um pedaço da cidade era meu, como também eu  sentia que um pedaço daquela cidade era eu. Coisa do meu tempo de rapaz; tempo da minha mocidade. Chego e saio pela Praia Grande. Praia Grande foi o chão que me via sair e me via voltar, me via partir e me via chegar.  Me viu crescer e me ensinou a caminhar.
E lá se vou eu caminhando pela João Lisboa, quando a João Lisboa era o  centro, o coração da cidade. Aqueles casarios de outrora, feitos em azulejos e lembranças, mil, agora é só uma página da história, feita de sobrados e  telhados abandonados, esquecidos, deixados. Saio pelo Ferro de engomar, fico sentido ao que vejo por lá. E vou cortando a Rua Grande, tudo na mente, lembrando um velho tempo – um tempo que era da gente.
E vejo aquele meu São Luís antigo, esquadrinhado pelos trilhos do Bonde: São Pantaleão..., Gonçalves Dias, João Paulo, Filipinho... Sacavém – velhos tempos, belos dias! Revejo o cine Édem o cinema de todas as gerações e emoções.  Cine Passeio e Montes Castelo, vi quando ambos abriram seus portões. Rialto no centro e REX no João Paulo. Quem diria que eu ficaria para lembrar?  
E na cidade que um dia foi minha, eu ouço o apito da fabril, da Fábrica da Carioca naquele meu Monte Castelo; da Cânanhamo, do Cotonifício, da Camboa, da Martins com o sabão do mesmo nome, ali na subida das Cajazeiras. Ouço o batidão notívago do boi de Lorentino, os tambores afro de Jorge da Fé em Deus, os Pandeirões da Maioba e os cânticos da Madre Deus.
Revejo o velho Merval, Beckman, Floriano e Murilo,  no Liceu. E vejo a face inteira do meu eterno Ronald Carvalho, do Professor Agesilau, Astrozezino, Isac, Ribeirinho, Doutor Gameiro, Mestre Mico no João Paulo. Vejo os MARISTAS, o Centro Caixeiral, Academia do Comércio, Rosa Castro, o Ateneu do Professor Solano e lembro o texto que escrevi sobre AS JANELAS DO LICEU. Impossível é não lembrar da Deodoro, aquilo  chão e caminhos meus.
À noite eu falava sozinho - coisa de gente sem juízo. Então, amanheci com saudade daquele São Luís antigo quando imaginava  que um pedaço da cidade era meu e que um pedaço daquela cidade era eu. Coisa de um velho tempo, coisas da minha saudade... ao relento e ao alento... desta PÁGINA DE SAUDADE

DRIBLAR O BONDE: a lição, o preço e a lembrança
Existem momentos em nossa vida que, embora não se constituam numa página de saudade, contudo, revelam uma velha lembrança. Lembrança que muitas das vezes permanecem e que a gente não esquece.  Tinha então onze anos quando cheguei em São Luís para cursar o EXAME DE ADMISSÃO, um vestibular daquele tempo. 
O BONDE logo me despertou a atenção.  Por vezes as  pessoas corriam para pegá-lo; rapazes saltavam com o bonde em movimento. Outros  penduravam-se no estribo com o bonde recheado de gente. Nesse panelaço e rebuliço que era aquele transporte público, logo chamou-me a atenção para o caso de jovens que DRIBLAVAM O BONDE, saltavam com o bonde em movimento, esquivavam-se do cobrador; corriam e pegavam-no novamente. Quando eu vi aquilo, logo pensei com meus botões; “isso não pode dar certo”.
Resolvi, depois, pelos caprichos insanos da juventude,  ensaiar  “saltar do bonde em movimento”.  Enfim:  DRIBLAR O BONDE, para descolar uma passagem,  assim... no vai da valsa, no zero-oitocentos, como dizem hoje.  Pedi dicas e me deram dicas: “joga o corpo pra trás”; tem que saltar com um pé na frente e outro atrás;  “não pode saltar com os dois pés ao mesmo tempo”. E só muito tempo depois vim a entender naquele meu curso técnico que aquilo era um exercício de física – uma equação entre a força estática e a força dinânica.
O que eu não aprendi, contudo,  foi saltar do bonde em velocidade. E foi numa dessas, forçado pelas circunstâncias, por aquele “tudo ou nada”, naquele “ora e veja”... lá vem o cobrador... lá vem o cobrador e eu tive que saltar. E saltei! E rolei no paralelepípedo ao chão. A grande consequência foi a lição e uma escoriação no cotovelo, cuja cicatriz (a marca), ficou  em mim por tantos anos e mais anos. Paguei o preço e aprendi a lição. Uma dura lição! Hoje eu olho no tempo, a insanidade daquela minha juventude. É a lembrança de uma lembrança que o tempo não conseguiu apagar.
Música:  FRAQUEZA - Antônio Carlos e Jocafi Errei, quero uma chance pra recomeçar / Dizem que pau que nasce torto morre torto/ Eu não sou pau, posso me regenerar /Errei, quero uma chance pra recomeçar /Dizem que pau que nasce torto morre torto /Eu não sou pau, posso me regenerar/... ... Aceitei tudo o que você falou, por vir/Pelo menos dessa vez / Perdoa o malandro ciente/ Dos erros que teve na vida / Judiei, mas como eu sofri, demais / Paguei, pelo menos dessa vez / Perdoa o malandro ciente /Dos erros que teve na vida...