“ASSIM COMO SÃO AS PESSOAS SÃO AS CRIATURAS”
 
Havia um tempo e nos para-choques dos caminhões jaziam frases que despertavam a nossa curiosidade, o nosso imaginário, a nossa reflexão. O polêmico Flávio Cavalcante com o seu homônimo programa de TV chegou a convidar, no ar, no seu programa “Boa Noite Brasil”,  um caminhoneiro  por conta de uma dessas frases encontradas por acaso no para-choque de um carro que seguia à sua frente. Hoje não se faz nem caminhões, nem para-choque nem frases como antigamente. Sim, porque como aqui tenho dito: “Para tudo na  vida há um tempo”.
Algumas inscrições em para-choques de caminhão martelaram a minha cabeça: uma delas, ainda dos tempos de moleque, naquele meu chão de origem dizia “SÓ SI VENO”. Passei um pedaço da minha vida remoendo a frase, até que um dia encontrei a resposta. De lá para cá já escrevi várias vezes sobre o mesmo assunto. E aquele “MANTENHA DISTÂNCIA”? Eu criança, tive “febre” de tanto alavancar o juízo em busca de explicação, até porque “mantenha”, me dava uma ideia de “manteiga” e daí por diante, toda a complicação. E o juízo a cinco mil megatons! Até que um dia...
Outra frase, essa já de um tempo mais moderno veio para me provocar. Estava escrito no para-choque: “ASSIM COMO SÃO AS PESSOAS SÃO AS CRIATURAS”. E eu, no exercício da mente ficava:  pessoas... criaturas... pessoas... criaturas. E achava então que pessoas e criaturas eram tudo igual à mesma coisa, ao mesmo ente. O tempo, senhor da razão veio como o bálsamo para aliviar essas e outras tantas interrogações. Veio para me libertar dessa terrível tortura psicológica a que eu tantas vezes me vi submetido, tentando decifrar, entender. 
Hoje melhor eu entendo: “Assim como são as pessoas são as criaturas. E, tirando coco desse coqueiro, de quando em vez, pelas oportunidades que surgem em tema novo, abordo sobre o assunto.
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Era manhã de sol recente e eu ali naquela pista central de trânsito rápido, sem acostamento, na BR-010, no setor da Macaúba. E, quando  dou conta, lá se vão dois animais. Fui chegando... fui chegando e vi que tratavam-se de mãe e filho. Uma linda mãe, um belo filho. Criaturas que me pareciam vindas de uma boa linhagem, de um boa raça. A mãe de uma pelagem homogênea, sem detalhes, íntegra, alazã, linda por inteiro. Sua cria era o “retrato” da mãe: cara de uma, cara do outro. 
Se comparássemos aquelas criaturas às pessoas humanas, diria que a mãe deveria ter uns 25, 28 anos, ao passo que o filho deveria ter uns seis, sete anos. Nessa interpretação também diria que a mãe ainda cedo tornou-se mãe e que a sua cria crescia naquela proporção de que daqui há bem pouco ambos estarão do mesmo tamanho e com as mesmas características físicas que vêm a parecer como “irmãos” – como bem assim  ocorre no universo entre as pessoas. E é bem por aí que a gente vai lendo e vai vendo que... “assim como são as pessoas são as criaturas”
Detalhe particular que me despertou a atenção naquela pista de trânsito foi a “postura” daqueles dois animais. A mãe seguia à frente, devagar, retilínea, junto ao meio-fio, entre a linha de demarcação amarela e o meio-fio. A sua cria, seguia logo atrás, ambos no mesmo passo, seguros, tranquilos, calmos. Tal como fazem as  pessoas humanas em semelhante situação.
Ocorreu entanto que em seguida, um animal retardatário, do tipo “namorado de ocasião”, que entrujado em meio à mãe e filho, irrompe também calmamente na pista e junta-se aos dois, formando um trio, seguindo todos em “fila indiana”. Não me pareceu ali que ele fosse da mesma “entidade familiar” mas, sendo do mesmo “grupo animal”, também seguiu obedecendo a  mesma postura dos demais parceiros que seguiam à frente. 
É evidente que o terceiro animal ao resto da composição, não roubou a cena – melhor até nem tivesse estado ali - entanto o que me despertou em tudo aquilo foi o caminhar - o “comportamento”, a “segurança”, a “sobriedade” de como agiram mãe e filho naquele fio de navalha que é o trânsito intenso e rápido (e violento), naquela faixa asfaltada e sinalizada (em frente à Macaúba), em que, pela intensidade e velocidade dos automóveis, motocicletas e auto-cargas naquele faixa-central a vida, a morte e os desastres costumam estar a um palmo uns dos outros.
ABRE PARENTESE: Noite dessas enquanto não publicava este texto, já pronto faz dias, lembrei-me que naquela cidade do interior havia uma família. A matrona era a dona do cartório, a “escrivona”, a mandachuva e dona da situação. Saboreava-se ao poder. Os filhos, quais os príncipes, viviam à sombra do poder. E o marido, o pai? Esse, coitado, vivia do resto: comprava a carne no mercado para a família e para o juiz e exercia um trabalho rejeitado e subalterno no cartório:  “Dava buscas” em antigos documentos registrados ou arquivados. São as pessoas. FECHA PARÊNTESE.
E se as criaturas naquelas circunstâncias representavam – não há dúvida – um perigo em potencial a céu aberto que apontam para a omissão de uns, a indiferença e o descaso de outros e o grito de vida ou morte que ali se faz surdo e infame, chama entanto a atenção o baile de lição daquelas duas criaturas - mãe e filho -  ao caminharem serenas, seguras, tranquilas em fila indiana, tal como fazem (ou fariam) as “pessoas”, naquele fio da navalha que  é o trânsito intenso, rápido e violento, no local. Enquanto que aquele outro, retardatário e ao resto, prestava-se às ocupações menores e sem importância sob o ditado da mulher e à indiferença dos filhos.
- É a  oportunidade que a gente tem para rever e reler a frase no para-choque do caminhão: “Assim como são as pessoas, são as criaturas”.