“MINHA VIDA DÁ UM LIVRO”

É como costumo dizer: “Fiquei na Rádio Imperatriz durante doze anos”. E me ufano disso. Afinal aquela minha trajetória foi um sonho de criança, ideal dos meus tempos de rapaz e... uma forma de realização pessoal. Comecei na Rádio Imperatriz com o programa A PALAVRA DO ADVOGADO, que depois de algum tempo intitulei-o de “O ADVOGADO ESTÁ NO AR”. Nesse conjunto fiz a CRÔNICA AO CAIR DA TARDE – um baile de compromisso e emoção que eu vivia diariamente, pontualmente às 18:00 horas e, portanto, “AO CAIR DA TARDE”.
Vivia criando quadros, sequências, todos inspirados em fatos e personagens da vida real. Os meus programas eram feitos diariamente de carne e osso e retratos da vida.  E eu vivia na pele e na alma os dramas da vida real. E nessa lida eu tinha a crônica escrita diária  “O DRAMA NOSSO DE CADA DIA” e um comentário de improviso intitulado “A VIDA COMO ELA É”, além de outros quadros. Era um “programa eclético” do qual eu guardo relatos fascinantes e incríveis dos ouvintes, relacionados com a audiência com que me prestigiavam.  Tema para outra oportunidade, um dia talvez.
- Durante 12 anos, “criei” no rádio.  Assim é que criei um quadro denominado “ESTA É A SUA VIDA” com o intuito de homenagear as pessoas e, ao final, uma música que traduzia ou tinha a intenção de traduzir sobre a vida do homenageado.  Um dos nossos homenageados, por exemplo, foi o sonoplasta  do programa, um rapaz que atendia por CÍCERO BITA, portador de deficiência física desde a infância, sem o exercício das duas pernas. Ao final do texto, a música  escolhida  foi “Onde Estão os Meus Passos” –  de autoria e na voz do pranteado cantor e compositor Barreirito, que ficou para o resto da vida em cadeira de rodas após sofrer um acidente. “Meus passos /onde estão os meus passos/ Que esqueceram meu corpo/que é levado nos braços / Meu Deus um pedido eu queria fazer/ Se um dia o senhor me atender / devolva meus passos.”
E assim navegava o programa RÁDIO LIVRE. Em tais circunstâncias, tornei-me ouvinte constante das confissões das pessoas sobre o seu drama da vida real, ora que faziam ilações com a crônica O DRAMA NOSSO DE CADA DIA – ora com o comentário “A vida como ela é”. E assim criei um tema que o apresentava esparso, denominado MINHA VIDA DÁ UM LIVRO. Pronto! A partir daí muitas pessoas dirigiam-se a mim e já iam  sugerindo: “Minha vida dá um livro”.
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Confesso francamente que tenho dificuldades em tratativas com certas pessoas que me cumprimentam, muitas das quais não conheço, não me lembro, não sei. E, por conta disso tenho passado por alguns inconvenientes. Certa feita, nos arrabaldes desta Imperosa, um sujeito dá o grito, me trata pelo meu nome e pede carona. Mal eu parei o carro, o sujeito pulou dentro. No percurso, apenas algumas palavras. Lá adiante o sujeito desceu, foi embora. E eu fiquei me perguntando se aquilo não poderia ser ou ter sido uma cilada. Não sei.
Essas incertezas me tomam em sobressalto quando eu tenho notícia de “falsos conhecidos”, nas rodoviárias da vida, nas ruas por aí ou nos lugares públicos,  simulando “conhecimento”, e à guisa de aproximação ou gestos de falsa hospitalidade ou “cavalheirismo”,  pregaram peças hediondas em sua vítimas. Por conta dessas e outras, quando viajo procuro evitar aproximação e até mesmo cumprimentos com estranhos.
- Faz pouco tempo quando mal acabo de desembarcar na Rodoviária em São Luís, antes mesmo de atravessar a divisória metálica de acesso ao terminal, fui recebido por um indivíduo em gestos largos, perguntando-me por Imperatriz, chamando-me de DOUTOR e tratando-me pelo meu nome. Olha o drama! Ele, absorto, em voz alta, espontâneo, disse o seu nome – RM –  e insistia: “você não lembra de mim”? Eu monossilábico, retrancado, tentando me sair, meu cunhado nada de aparecer e o sujeito  insistia e me cercava: “Eu sou RM, passei oito anos na penitenciária, fui condenado a 23  anos” – primeiro disse que por roubo, depois corrigiu para homicídio. 
Disse que estava  em “liberdade condicional”, e foi desfiando: disse que trabalhava como “rodoviário”; que era sindicalizado; que trabalhava na legalidade; que tinha carro, que tinha moto; que sua mulher o abandonou quando na prisão mas que agora está casado novamente. E afirmou que ainda este ano quer comprar uma Camioneta Hilux. Olha o drama! A essa altura eu doido para me livrar daquele sujeito e meu cunhado, flamenguista todo, eu tentava evasivo ver uma camisa do flamengo e ele,  nada de chegar. E eu inquieto, olhava em todas as direções. De repente o cara dando uma de bom sujeito me pergunta: Quer ver a minha arma? Enfiou a mão no bolso traseiro e puxou uma Bíblia. “Olha aqui a minha arma!” Dizia ele sorridente, ofegante, vitorioso e loquaz, brandindo a Bíblia.  Olha aqui a minha arma! Insistia.
Aí, aquele meu espírito de perguntador não se conteve, então perguntei: E aí porque você puxou essa cadeia toda? Ele foi direto: Um cara matou o meu cunhado e, com um parceiro viviam me ameaçando, acabei matando os dois. Agora entra o evangélico: “Deus faz justiça aos seus”. “E manda os seus fazer justiça. Então eu fiz justiça”, disse ele. Em seguida como que oferecia-se: matar pra mim está no sangue – usava um dedo simulando enfiar em seu braço. E desfilou seus parentes: “meu avô matou gente, meu tio foi pistoleiro famoso, meus primos também mataram gente”, dizia isso declinando nomes... E insistia: “Está nos sangue, está no sangue”. E arrematava como se estivesse se insinuando; “se for preciso matar eu mato, na hora”.
Desvencilhei-me dali zonzo... meio que perdido e meu cunhado nada de chegar, engatou no trânsito. E eu livre do sujeito ficava lembrando daquele meu tempo de Rádio imperatriz – “MINHA VIDA DÁ UM LIVRO”...a dele  e a minha, naquelas circunstâncias...