MÁQUINA DE ESCREVER – UMA  DECLARAÇÃO DE AMOR

Máquina de escrever. Sou filho e cria da máquina de escrever. Tenho paixão, lembranças, imagens, saudades da máquina de  escrever. Afinal, a máquina de escrever me abriu portas, me viu nascer, me viu crescer, envelhecer. Primeiro emprego, segundo emprego, exercícios da profissão, recursos, habeas corpus, petições. E lá estava eu no seu tic tac, naquele sotaque só seu e todo seu - unicamente seu: era a máquina de escrever.
E então a MÁQUINA DE ESCREVER escreveu a história deste BRASIL. De Norte a Sul, de Leste a Oeste, lá estava a máquina de escrever – escrevendo livros e documentários; a história, a memória. Canções, cartas e declarações. As sentenças de liberdade e prisão, condenação e absolvição. Escrevendo a vida desta Nação.
Nas repartições, no comércio, nas escolas, nos escritórios, nos jornais, no interior e nas capitais, nas polícias e nos Tribunais, lá estavam aquelas pérolas, por vezes negras, por vezes cinzas, por vezes prateadas. Eram as nossas sedutoras, desejadas e possuídas máquinas de escrever. E tinham nomes: FACIT REMINGON, OLIVETTI. Eu era fã da Remington, mas morria de amores pela Olivetti. Acabei possuindo as duas.
Certa tarde de um tempo colegial e eu ali à toa na vida, quando lá se vai uma cristã. Vindo de uma energia telúrica, sobrenatural, eis que aquele caminhar em saia quadriculada, meio-apertada, me desperta uma sensação estranha, indescritível. E ainda pude ver em suas mãos algo como um antigo e conhecido “bloco” – bloco de papel. Era a moça que ia para o seu curso de datilografia! Foi amor à primeira vista. Enfim, uma cumplicidade para muitos capítulos.
Desde o curso de “datilografia”, ainda adolescente que me tornei apaixonado pela máquina de escrever. E tocado me sentia com aquele tic-tac que a máquina espargia. Aquilo, para mim, tinha cor e sabor de música, de canção, de paixão. De poesia. E, como posseiro, possuía-as com desejo, com volúpia - qual um cavalo bravo investido no vapor, no calor e na fúria. Era assim a máquina e eu. Eu ditava, ela escrevia. Eu pensava, ela fazia. Eu tinha pressa e ela corria. E nunca pensei que tudo aquilo um dia acabaria.
Foi como numa lua-de-mel extenuante, indescritível, que teve começo, meio e fim. A vida tem dessas coisas. São tantas águas sob a ponte e nesse oceano a certeza de que nesta vida nada é para sempre. Um dia, quando o computador, vestido de novo amor, substituto e opressor bateu à minha porta eu dei o grito de protesto: “mas a minha máquina eu não deixo nunca!!!”.  Ledo engano! Em vão, tentei resistir. Hoje guardo duas máquinas de escrever, aposentadas e esquecidas – modelos últimos das que me viram nascer... crescer... amar... e viver. Remington e Olivetti - máquinas de escrever são, para mim, mais que uma página de saudade: são um amor eterno... sem fim.
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BEM-TE-VI - UM CANTO DE SAUDADE
Ainda me lembro daquelas manhãs e dias felizes quando eu apresentava um programa na pranteada Rádio Imperatriz; um ato de realização pessoal, uma velha paixão na minha vida! Um rio que passou em minha vida! Afinal, foram uns 14 anos em que fiquei por lá. Velhos tempos, belos dias.
Tinha então o programa RÁDIO LIVRE – (“livre como você”). E então eu voava, cavalgava no pensamento, nas ideias, na opinião. E produzia, assim, no lampejo, temas em profusão, uns que riscavam os ares como um raio, outros que estremeciam como um trovão. E ainda tocava canções para completar. E assim aquele meu Rádio Livre viveu dias e manhãs ao cumprimento de sua missão.
Naquele dia, manhã bem cedo, acordei com um velho conhecido  (e até mesmo perseguido) – que há muito nem eu via nem ouvia, cantando entre o arvoredo e o muro do meu quintal. Era um bem-te-vi! Voei no tempo, voltei a ser moleque, criança, adolescente. E nesse estradão imaginário, rasgando o túnel do tempo, encontrei-me comigo mesmo, formado em várias faces, vários momentos, às voltas com o bem-te-vi.
E lembrei-me daqueles dias de sol, daquelas tardes sombrias, quando eu, inocente e travesso, ao bem-te-vi perseguia. Instintivamente, perseguia. Aprisionava, prendia. É que o bem-te-vi gostava de uma frutinha de “são caetano”. Era ali onde se tornava prisioneiro daquela minha conduta e sentimento insano.
E, relembrando toda aquela trajetória em rasgos de lembrança e memória, corri à máquina de escrever e escrevi sobre o bem-te-vi, contando toda a nossa história. E se antes ao bem-te-vi fui um perseguidor, um vilão, agora, qual um PAULO que caiu do cavalo, é respeito, carinho, estima e admiração. Afinal o bem-te-vi é ave, é frágil, é beleza, é canto e encanto - é cria da natureza.
E, naquele meu RÁDIO LIVRE, no quadro “RECORDAR É VIVER”, dediquei-lhe um tema, fruto da inspiração, do sentimento e da canção. Era eu genuflexo, falando do amor, clamando e pedindo perdão. Hoje quando revejo na lembrança esse momento que um dia foi um ato de insanidade / que depois revelou-se num gesto de entrega, de respeito, de carinho e amizade / numa crônica para selar aquele encontro de felicidade / é com estima ao BEM-TE-VI que escrevo esta PÁGINA DE SAUDADE.
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- A “máquina de escrever” eu mando para o poeta Itaerço Bezerra, que me prometeu um lugar na sua próxima obra da intelectualidade mas o “Bem-te-vi” vai para o mercantilista, poeta e ‘chorão’ Leonildo Alves de Sousa.