REFRESCO COM PÃO

E onde era que eu estava que com um tema deste, uma verdadeira epopeia na minha vida, história de um velho tempo, trajetória dos meus passos e durante um pedaço da minha tudo isso escorreu no ralo do “esquecimento”. Tenho a sensação de dizer que “não me perdoo” por isso. A vida, contudo, me ensina que para tudo tem o seu tempo. E então este é o meu tempo de reviver aquela refeição, o prato daquela ocasião – aquele meu REFRESCO COM PÃO.
Hoje eu amanheci lembrando daquele REFRESCO COM PÃO que durante tanto tempo (tanto tempo) foi uma planície (UMA BÊNÇÃO) na minha vida. Mas agora eu me pergunto doído: e por que deixei por tanto tempo esquecido o Refresco com pão adormecido? Hoje, então, é o meu dia de restabelecer aquele REFRESCO COM PÃO. Logo eu que tantas vezes, em me referindo às boas situações que a vida sugere: fáceis, simples, práticas, costumo dizer: “... isso é um refresco com pão”.
Ainda menino, já na madrugada ou de manhãzinha a gente saía de casa só com o café-com-farinha. E tocava a estrada, o CAMINHO DA VILA. Ia vender o arroz, o milho, a farinha. Lá pelo meio dia, no bar do seu Mundiquinho, a nossa única alimentação: O REFRESCO COM PÃO. À noitinha em casa, mamãe perguntava: E vocês o que comeram? A resposta era a única de sempre: UM REFRESCO COM PÃO.
Mas ninguém que pense que àquela altura a gente estava “caindo” ou “morrendo” de fome. Negativo. Deus nos dá o frio conforme o cobertor. A gente cria resistências que o mundo e a vida nos ensinam a criar. E então àquela altura, seis da tarde, com o refresco-com-pão do meio dia, a gente ainda estava inteiro... inteirinho! No ponto de descarregar o animal, “tirar a cangalha”, lavar o cavalo, tomar um banho e... enfrentar um “jantar-almoçarado” ou um “almoço ajantarado”. Era assim naquele dia de REFRESCO COM PÃO.
A esse tempo quando eu, curso primário, “aprendia na VILA”, longe de casa, de repente, na rua, à distância, quem eu vejo? O meu inesquecível tio e padrinho Raimundo. Raimundo de Doca, aquele meu ídolo, meu amigo, meu confidente, meu irmão. Todo meu! Aí eu gritava em silêncio: Já sei: hoje tem REFRESCO COM PÃO. Dito e feito! Pena que meu amantíssimo padrinho partiu ainda cedo, mas ainda hoje eu “converso com ele”, sonho, faço planos, “ouço a sua voz”, o seu canto desajeitado. E jamais poderia esquecê-lo neste banquete do “refresco com pão”.
O mundo deu voltas e naquele meu internato havia um bar. No internato tinha de tudo: café almoço e jantar. Mas lá no bar eu só sentia o “CHEIRO” daquele refresco com pão, porque não tinha um tostão. E ficava doidão. Ah! Se eu tivesse pelo menos um tostão! Um dinheiro para encarar um refresco com pão! Hei tempão!!! Eu era feliz e sabia disso não!!!
Depois, quando fui morar na Casa do Estudante (São Luís, Rua do Passeio), por lá havia um restaurante que vivia tropeçando em altos e baixos. Anexo ao restaurante havia um “barzinho” particular que funcionou só no início. Depois com a turma na “pindaíba”, aí quem pagava o pato era o refresco com pão. Lembra do Qui-Suco, aquele refresco em pó? Pois é Qui-suco com pão!
E, tantas vezes na noite, Casa do Estudante, a gente ia para o “jantar”, no barzinho do seu BAÚ, na Praça do Gavião. E o prato único? REFRESCO COM PÃO!!! E ia de dois a dois, de três a três, de quatro a quatro, rumo ao refresco com pão. Por vezes o refresco estava vencido. Tinha nada não. E não havia reclamação. A pedida predileta  era cupuaçu, mas quando não era, vinham os opcionais: coco, murici, maracujá.  E haja refresco com pão!
Casa do Estudante, por vezes a gente se reunia, um dinheirinho daqui, outro dali, era o tempo QUI-SUCO. (ótimo, gostoso, pena que acabaram com o Qui-Suco. E haja refresco com pão! A esse tempo eu trabalhava naquela repartição. Volta e meia a turma da Garagem se reunia,  encrencava, discutia - juntava um dinheirinho de um e de outro, muito gelo, água gelada, dois, três pacotes de Qui-suco. Qui-suco de morango, de groselha, de uva, açúcar do cafezinho da repartição e tome refresco com pão!
Dia desses eu, na pura saudade, rodei a cidade, e fui bater imagine aonde? No refresco com pão!!! Para reviver uma epopeia e ver como DEUS sustenta os seus! E extasiado, lembrava do refresco com pão no bar do seu Mundiquinho lá no meu chão baixadeiro de menino; Lembrava do mão-aberta que era o meu tio e padrinho Raimundo, lembrava saudoso daquela vida na casa do estudante, do Qui-suco com pão que rolava por lá, lembrava do bar no internato e... sem um tostão, só o cheiro do refresco com pão. Lembrava do Qui-suco em tantas ocasiões. Lembrava do bar do seu BAÚ lá no Gavião e do nosso jantar em dois a dois, três a três, quatro a quatro e eu quase sempre solitário naquele infalível REFRESCO COM PÃO.
E nesse lembrar e então no meu olhar, rola um “quê” de marejar, como se ensaiasse o começo de um chorar neste tempo de relembrar. E isso só me permite ver um tempo daqueles dias, o quanto eu era feliz e não sabia. Obrigado Senhor por mais um dia! É como escrevo e releio hoje esta minha amassada, macerada, vivida, sentida e agradecida PÁGINA DE SAUDADE. É como relembro um velho tempo, aquele tempo do meu... REFRESCO COM PÃO. E nesse lembrar, lembro, lembro da gente que saiu de manhãzinha só com o café com farinha. E, na chegada, à noitinha, e mamãe perguntando: E vocês o que comeram?.... um refresco com pão, mãe!