VELHO ARISTIDES E O SÍTIO ENCANTADO
Naquela cidade tinha um lugar encantado. Encantos e desencantos existiam nas fantasias da nossa mente de criança. O Encanto é criação da lenda, é lenda da criação. É fruto da imaginação. Vem da Praia do Lençóis, onde um boi encantado, endiabrado, bailava na areia, nas noites de lua cheia. Vem daquela ilha de Penalva, flutuante, natural posição se mudava. E quando tentaram domar a ilha, tanto a mãe quanto a filha viram que o encanto transformou-se em desencanto. O lago secou, o peixe acabou, o sofrimento chego e a ilha soterrou. E não mais se mudou.
Encanto, enfim, não existe. Porém que naquela cidade, na beira da cidade, havia um lugar encantado, que era um encanto - um sítio frutífero ali encravado, coisa do diabo ou coisa de santo. Quase uma mata de grandes e múltiplas árvores frutíferas – qual um ouro em filão, perdido e enterrado ao chão, entregue à própria sorte invejada, fazendo-se em riqueza, perseguida e entregue à avareza. E os donos? Esses nunca apareciam por lá, mas o local era vigiado e a sete chaves guardado pelo VELHO ARISTIDES, um homem sem mulher, sem filhos e sozinho, que se enfurnava lá dentro, num cubículo miserável - um mísero ninho.
Esse lugar encantado era uma chácara antiga, relegada, desprezada de seus donos - sobras da riqueza; terreno da realeza; coisa de quem não precisa, ora veja! Pés de manga, jaca, goiaba, laranja, pitomba, abacate, mamão, tangerina e fruta-pão. De sobra maracujás, limão, coco-da-praia, banana e anajás. Tudo nas alturas, pelos galhos e pelo chão. Deixando a molecada, assim como eu, com água na boca, doida, enfurecida e na mão. E aquele estuário, riqueza, beleza e santuário, bem na beira da cidade, na linha da cavilação. E da maldade. E a molecada, louca, doida, varando e revirando aquilo no desejo e no pensamento, em sonhos e ao tormento. E O VELHO ARISTIDES lá, encarando e encarado, enfrentando e enfrentado. Não arredava nem para o trem, muito menos pra ninguém.
VELHO ARISTIDES, atarracado, baixo e coxo, pernas concatenadas, cambota, até parece que era feito de ferro; de ferro fundido; de ferro batido. Era como um dragão de sete cabeças e setenta e sete sentidos para evitar que o sítio encantado fosse invadido. E vivia em tempo inteiro, sem camisa, seminu, vestido em meia-calça velha de sempre, trabalhando, zelando, vigiando, guardando o sítio encantado. Era como se o sítio fosse seu. Seu ouro, seu tesouro. Na cintura um facão, um velho facão. E a qualquer susto, simples imaginação de ameaça, ainda que um galho a balançar e lá estava o eterno sentinela, o VELHO ARISTIDES com uma espingarda na mira, na mão, no ponto de disparar.
VELHO ARISTIDES não arredava o pé, não descolava, não dava chance. Não arredava. Era onipresente, era como encarava, era como vigiava. Era um radar em pessoa. Ligado em tempo inteiro; cuidando do seu dever, trabalhando e vigiando. Por si só era um vespeiro. E os donos? Eternamente ausentes e para aquilo não ligavam; não davam bola, não se importavam. E tudo isso fazia na mente daquela gente o encanto que do sítio se espalhava.
A molecada jogava pedra, tentava varar a cerca, perturbava, perseguia, “atentava”, mas uma coisa era certa: do VELHO ARISTIDES tinha medo, se borrava. E o velho dragão ali, de orelha em pé, não arredava o pé nem para piscar nem para cuspir, e ai de quem tentasse invadir. De facão reluzente e desfolhado, VELHO ARISTIDES corria pra cima amaldiçoando e amaldiçoado. E chegava junto, dava o troco e mandava o recado. E assim vivia o sítio encantado: fogo cerrado; clima de guerra; gente correndo; suor escorrendo; frutos para todo o lado.
VELHO ARISTIDES, porém, era fiel e cumpria à risca o seu papel. Não perturbava, mas vivia perturbado. Acordado, enfezado, arreliado, sentinela jamais desmoralizado e assim vivia os seus dias. Dias perseguidos e de perseguição naquele sítio encantado em frutos da maldição. Encantado com a riqueza, com a beleza de tantas frutas perseguidas pelos moleques da redondeza.
Dar uma ou outra fruta? Isso nem pensar. Melhor perder e estragar. E vender as frutas cujos donos sequer olhavam para lá? Era uma ou outra vez na vida, e olhe lá!!! VELHO ARISTIDES escolhia o comprador e, vendendo-lhe, era como se lhe fizesse um favor. E o sítio encantado acumulando a miséria, o desamor; as provocações, as tentações, o corre-corre, a traição e o rancor. De mais a mais, tudo ali apodrecia, estragava, se perdia, se acabava. Era a sombra do pavor.
Um dia, quando o moleque tentou invadir e invadiu, VELHO ARISTIDES foi ligeiro, rasteiro, pegou no badoque e fuzilou como um fuzil. Bem aí, o moleque foi ao sangue, foi ao chão, caiu e escapuliu. Olha a encrenca a confusão, o bate boca, a questão, o arranca-rabo, a humilhação. Chama a polícia, chama o camburão. E lá se vai VELHO ARISTIDES preso - que para uns era culpado, para outros tinha razão. E tudo isso era sina, o destino daquele sítio encantado, e de um ARISTIDES desalmado, miserável, amaldiçoado. Coxo, maldito, era como era tratado.
Um dia, quando o VELHO ARISTIDES ali morreu, sem ninguém que lhe socorreu, até parece que aquele chão ali estremeceu, emudeceu. Três ou quatro foram chamados a entrar, a testemunhar e a anotar para depois comprovar. E quando foram ver, VELHO ARISTIDES tinha uma fortuna em dinheiro miúdo, mofado, debaixo do colchão, tudo podre, estragado quais seus frutos pelo chão, jogado. Mas vivia na miséria, qual um cachorro sem dono, ora perseguido, ora na perseguição, mas sempre ao abandono. E os moleques que antes jogavam pedra, tentavam invadir, retrancaram-se, deixaram de perseguir. E dizem que o VELHO ARISTIDES ali aparecia, corria, voava, discutia, brigava e continuava a perseguir.
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