PAPAI NOEL EXISTE!!!

Tinha onze anos de idade quando, em calças curtas, cheguei em São Luís para tentar uma vaga no exame de admissão ao ginásio. Mais que uma prova, um verdadeiro vestibular da época! Quinhentos e dez candidatos para 60 vagas. Naquele universo, sentia-me encurralado e perdido em tudo.
Era uma manhã fria de um tempo nublado, de um sol ainda preguiçoso. E de repente o que vi? A rua tomada de crianças quase tanto quanto eu. Eles, porém, cada qual com o seu brinquedo. Nunca tinha visto coisa igual. Os moleques serelepes, falantes em algazarra, exibiam os seus brinquedos: carrinhos em madeira, cornetas, palhaços, bolas, ioiôs, instrumentos musicais, roupas novas. Essas coisas. E narravam suas estórias: diziam que, na noite, PAPAI NOEL lhes deixou presentes e roupas debaixo da cama, que encontraram ao amanhecer. E estavam ali com a prova do achado! E haja festa, algazarra e alegria!
E eu ali, recanteado, encurralado, estranho ao meio, recém-chegado do interior, sem colegas e sozinho. Um bicho do mato! Para a gurizada em festa era como se eu nem estivesse ali. Enquanto isso, a molecada, no limite, abusava dos seus brinquedos.  Estou aos quase-70, mas me lembro daquele dia, do local e da cena como se fosse agora! Agorinha! E então era Natal! Natal de Papai Noel.
Ainda que diante da alegria e da festa dos outros, eu, porém, me perguntava: PAPAI NOEL? Papai Noel? E, angustiado, me respondia: “não tive Papai Noel”. Naquele instante, a mente voava e eu ia cair lá dentro daquela minha casa de palha, sem eira e sem beira, nas encontras do meio o mato e fim de caminho que deixei no interior. E via o quanto PAPAI NOEL ali nunca-nunca foi para deixar ainda que um único brinquedo nem para mim nem para os meus então cinco ou seis irmãos, nem para os outros tantos que viriam depois. Debatia-me ali com uma terrível frustração. Fiquei desolado...
Mandei então cartas para casa, narrando sobre o quanto vi e ouvi, e queixava-me de PAPAI NOEL, que não esteve em nossa casa. O mundo continuou girando e acabei por ouvir que PAPAI NOEL também vinha nas noites pelas chaminés das casas e deixava presentes. Lembrei-me que morei por vários anos em uma casa e lá havia uma chaminé de um fogão-de-lenha e ainda assim PAPAI NOEL ali nada me deixou. E como sempre, ficava intrigado, amuado. Magoado.
A televisão em São Luís só chegou anos depois, então eu não tinha uma noção do rosto de PAPAI NOEL. Esse doador de tantos presentes era, para mim, um enigma indecifrável. Uma incógnita! Mais tarde, porém, já num outro capítulo dessa obra, vi que um sujeito esperto vestia uma roupa vermelha com detalhes em branco, saco recheado às costas, cobertura na cabeça e pedia esmolas. Era PAPAI NOEL, a atração da gurizada. E nisso ele, o velhinho esperto, tirava proveito. Só então tive uma noção de PAPAI NOEL, acho que aos 12 ou 13 anos.

AGORA, UM NOVO CAPÍTULO: Quando lá pelos 15 anos conclui o curso de datilografia em máquina de escrever, passei a disparar uma série de textos ofendidos, ofensivos e mal-humorados contra PAPAI NOEL. Eram cartas que mandava para casa e outras que passei a publicar no jornal, aos 21 anos.
Nessa guerrilha “noelina”, observei então que o MEU DEUS, SENHOR E CRIADOR, não gostava desse meu comportamento anti-Papai Noel e que a cada “Natal” era um tempo de turbulência e perdas nessa “guerrilha”. Era como se, vencido, tivesse sido chamado à razão. A rever os meus valores. Era uma busca ao armistício – um acordo de paz. Pensei.
E só então pude ver o quanto, em verdade, aquele PAPAI NOEL tinha e tem sido generoso em toda-toda a minha vida. Em toda minha vida! Vi então que Papai Noel me deu braços e pernas e mãos saudáveis para correr e lutar, sentar, viver e caminhar. Me agarrar, resistir, combater, enfrentar. E lá se vão 70 anos e tudo está em seu lugar! Vi que tive e tenho todos os presentes – mais do que pedi e muito mais do que mereci e mereço. E vi que tinha e tenho um mundo senão aos meus pés, mas ao meu alcance.
E então me reconciliei com Papai Noel. E então nem a minha voz nem as minhas mãos, nem a minha escrita não mais brandiram contra PAPAI NOEL. E hoje vivemos pacíficos e reconciliados e felizes da vida. E quando me lembro daquela manhã nublada, de um sol preguiçoso e daqueles meninos em algazarra, cheios de brinquedos, eu posso ver o quanto PAPAI NOEL estava tão inteiro e tão presente na minha vida, a ponto de que me deu uma das 60 vagas em meio a 510 candidatos para o exame de admissão. Um presentaço! Do qual me ufano até hoje. Porta e janela de abertura para tudo o quanto cozinho nesta fervura!
E quando ousam dizer por aí que PAPAI NOEL É UMA LENDA, eu posso afirmar: PAPAI NOEL EXISTE! Existe sim! Basta ver... sentir... e entender...

* Viegas era um descreditado. Estava em meio a 60 aprovados entre 510 candidatos no exame de admissão ao ginásio. Um presente de PAPAI NOEL que guarda e cultiva até hoje. Até hoje!