Fiz a coluna certinha, com uma semana de antecedência. Semana inteira e eu envolvido com um recurso de Habeas Corpus, para o STJ. Quando se trabalha o recurso é porque está-se levando cacete mas... já peguei o bonde  andando. Aí... quando vou enviar o texto para o jornal, vejo que o computador pifou e foi tudo  às favas. Replico aqui um velho texto.

... LEMBRANDO UM TEMPO COLEGIAL

O professor AG era, ao seu tempo, indo e voltando, a maior autoridade em DESENHO TÉCNICO, sua cátedra e especialidade. Uma fera! Imagine-se um quadro com cinco metros de comprimento por um metro e meio de largura, e aquela fera enchia aquilo tudo  em desenho técnico com linhas cheias e pontilhadas,  vista frontal, vista lateral, perspectiva cavaleira,  eixo cartesiano - sombras e tudo o mais. Dava um  baile!
AG “tirava sarro” com um e outro, puxava lero e dizia: “jacaré te nhanha”. Era uma senha da perversidade, ainda  que na brincadeira. AG tinha fama de reprovar por um décimo de ponto. O aluno ficava pendurado o ano inteiro na sua matéria: mudava de escola, desertava. E ele lá, no puro sadismo, só advertindo: “jacaré te nhanha”.
AG, bom de prosa, contava nas intercaladas das aulas as experiências em suas provas. A guerrilha que havia na hora da “cola” e o combate férreo que enfrentava dando zero ao infrator, ainda que na tentativa. Narrava em detalhes a destruição que praticava; os  ”zeros”; as reprovações. E a turma tremia na base. E ninguém não ousava nem olhar para o lado nas provas da fera, porque o desfecho era fatal. Não havia perdão. Um verdadeiro campo de guerra com as vítimas entregues ao horror, ao holocausto. E o professor AG reinava impávido, independente, intocável – respeitado e temido.
Naquele universo daquela Escola, todo o mundo  tinha lá o seu apelido. Não havia um cristão que escapasse aos codinomes. Professores, diretores, alunos, funcionários. Apelidos faziam parte da rotina daquela gente. O Professor AG, como sempre, estava invicto. Certo dia, na turma, sem mais nem menos, AG  resolveu provocar. Contou que, quando estudante, de férias em sua terra-natal, resolveu tirar uma de bonito e vestiu o fardão (a farda) da sua escola. Algo parecido com uma farda-militar. E deu uma volta pelas ruas. E quando voltou para casa trazia consigo um apelido: FELIPE VIRA BUCHO. O Apelido tinha  a ver com um descamisado local - FELIPE VIRA BUCHO.
Eu, na turma e na minha, um eterno fracasso em desenho técnico e já com o sangue na veia de um futuro “questionador do social”, logo imaginei: “esse daqui por diante será o nosso eterno FELIPE VIRA BUCHO”. E o mestre desatava-se naqueles desenhos complicados e, no desafio, repetia desenhando e emoldurando o seu próprio personagem que inspirou o povo ao apelido que levara lá pelo mercado – FELIPE VIRA BUCHO. E imaginei que aquele carrasco e monstro sagrado, dali em diante seria o nosso eterno FELIPE VIRA BUCHO.
E quem foi que disse que um único cristão, uma única viva alma sequer teve a coragem de pelo menos pronunciar aquele apelido ainda que longe do mestre em milhares de anos luz? Quem disse? Quem disse?... ninguém... absolutamente ninguém... E assim o mestre AG reinou sozinho, impávido, altaneiro e intocável a vida inteira...

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Embora aquela Escola tenha sido para mim um celeiro, um sonho, uma grande mãe e madrinha na minha vida - uma gratidão que até hoje reverencio, eu, porém, não tive pendores para o “curso técnico”, tanto que vivia pendurado em desenho  técnico e em matemática e  até hoje não sei fazer um linha reta com o auxílio de uma régua, ainda que digam que “a linha reta é a menor distância entre dois pontos” .
Nessa sina eu vivia de “segunda época” - uma prova de repescagem. E, por vezes, passava de ano, devendo a matéria do ano anterior. Um sofrimento! Uma tortura! E a desmoralização?! Quando concluí a 4ª, série ginasial, fiquei pendente um ano inteiro tão só em desenho técnico com o Professor AG. Tinha que tirar NOVE (redondamente nove), sem faltar um décimo sequer, para poder passar de ano. AG era um carrasco em pessoa. Em toda a minha vida nunca tinha conseguido tirar sequer um sete em desenho. Como obter nota NOVE, aquela altura? Nem em sonho!
Estudava naquela turma (a que fiquei pendente) um amigo e “irmão de criação”, o DJP, respeitado como “BURRÃO”, porque numa eventual briga, era um demolidor do adversário. Embora pacato, não guardava desaforo na geladeira. Então todos o respeitavam e, no conjunto, tinham-lhe estima. Sabe aquele herói? Pois é...
Burrão, meu “irmão de criação”, falou com o JBT, um craque em desenho técnico, cópia fiel de AG. Um craque em desenho técnico! Para que fizesse a minha prova. Olha o risco! Sentamo-nos ao lado, e, num piscar de olhos trocamos os papéis, eu  “fazendo a prova dele”, ele fazendo a minha. Imaginem o drama! Quando o professor AG anunciou NOTA OITO para mim, saí desesperado. Estava reprovado! Burrão então foi fazer um lobby único em toda a vida do professor AG. E explicou-lhe que eu precisava de NOVE. A essa altura eu, no desespero, estava a três quilômetros dali, sozinho e chorando pela rua. Reprovado! E com a minha vida (como sempre), nas mãos de Deus.
Quando dei por mim, Burrão chega correndo: “volta que o professor AG resolveu rever tua nota e te deu NOVE”. Voltei e mestre AG fez um discurso de elogio e “reconhecimento” pela minha “brilhante prova”. Até hoje eu não consigo me perdoar.