O HOMEM DOS CACHOS DE TUCUM

Era domingo, lá pelas bandas do quase meio-dia. Papo vai, papo vem com o meu filho RENNÉ – um cara inteirado, verbo seguro e firme que me deixa impressionado - de repente o assunto foi “os sósias, no mundo” e... até, com mais frequência, nos dias atuais. Nesse blá-blá-blá, o meu filho acaba por se referir a uma pessoa que tem a minha cara! E sublinhava nos detalhes!
Imagine um pai ouvindo isso do seu próprio filho! Também, não deixei por menos: disse que conheço um jovem rapaz, com todas as suas características físicas e fisionômicas. E até no comportamento, no vestuário, etc.! E que até já tinha falado isso para o tal rapaz, bem como a proposta de fazer um encontro entre os dois para ver se confirmavam aquela minha concepção. Em princípio, o meu filho não achou lá muita graça nessa ideia do contato entre “sósias”, mas eu insisti. Sou como o meu pai que me mandava levantar a camisa, ao fim das noitadas de festas, para mostrar as marcas de taca aos seus amigos. Contraprova de governo!
E lá se vamos nós para o antigo endereço do rapaz, um açougue/residência no bairro do Bacuri. Mudou-se, estava pouco mais adiante, na mesma rua. E lá vamos nós, rumo ao encontro dos “sósias”. Bate na porta – pam-pam-pam; aperta a campainha e... nada. Não deu certo a investida. Senti-me assim... um tanto frustrado.
Mas não perdi a viagem. É que, saindo dali, meio dia, sol a pino, o que eu vejo ali ao lado, ao meio-fio, sobre o asfalto? Um carrinho de mão, estacionado, carregado em cachos de tucum! Tucum verde, desses que a este tempo vendem-se para a gurizada da cidade. Aí não! Aí é como se o dia e a jornada simplesmente estivessem começando.
E, em olhos brilhando, estanquei sem sair do lugar ali, do lado do carrinho carregado de cachos de tucum e me pus a contemplá-lo; a perguntar a quem pertencia. E me vi moleque, criança, dez, doze anos de idade, naquele meu inesquecível tempo de “vacas magras” em que um cacho de tucum no meio da gente - quatro, cinco irmãos, depois de escaramuças em espinho toco e marimbondo - voava assim... vaptu vupt.
E enquanto estou vagueando o pensamento, em fração de instantes, chega um sujeito e eu pergunto, olhando para o carrinho: De quem é? Ele responde: “é de quem chegar”. E, rápido, pegou uma pedra, pegou um tucum e espatifou-o sobre o asfalto. Não perdi tempo e emendei o gesto: peguei outro tucum e com mesma pedra ali mesmo no asfalto ao sol do meio dia e... páááá... o tucum se espatifou e eu comi a sua amêndoa ali mesmo, sem pedir licença, sem saber quem era o dono, que eu imagino que estivesse ali por perto tomando uma pinga. E, juntamente com o meu filho, que não encontrou o seu “sósia”, fomos embora.
No caminho, rota do almoço em banquete, eu ia “conjuminando” sobre aquele meu tempo de “vacas magras” e cachos de tucum que eram comidos como a merenda da manhã, ou da tarde ou da hora em que viesse. Tucuns que muitas vezes, na hora da quebra, “espirravam”, pegavam na perna da gente, na barriga do irmão – aaaaaai, aaaaai! Velhos tempos aqueles tempos que fizeram e fazem a inafastável trajetória da minha vida. E então serviu-se o almoço e eu ali, revendo aquele cacho de tucum e todo o seu universo e estabelecendo diferenças e lembranças entre o banquete de agora, o cacho de tucum da criancice e aqueloutros no asfalto.
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Agora, neste mesmo domingo, é tarde, fim de tarde. O sol já vai caindo no horizonte, depois do Tocantins, pras bandas de São Sebastião e eu “zanzando” pela cidade. De repente, quando dou por mim, lá vai ele: o homem dos tucuns, empurrando quase trôpego, passos lentos, o seu carrinho de mão com aqueles mesmos cachos de tucum. Descia rumo ao “Porto da Balsa”, o que me permitiu imaginar que ele mora do outro lado, na Bela Vista. E tive a impressão de que naquele dia não vendeu nada, nenhum.
E eu no trânsito a 50, 60 por hora, não tive o reflexo, a presença de espírito em fazê-lo parar, para lhe fazer perguntas e até mesmo para “indenizar” o seu dia que me pareceu perdido, infrutífero, sem resultado - de vez que os seus tucuns voltaram tanto quanto vieram. Fiquei chateado. E saí dali me questionando sobre a vida e as dificuldades, a casa, a família, os filhos, o meio de vida daquele homem dos cachos de tucum. Ele que voltava agora para casa, acho que sem um tostão no bolso; certamente com o bucho vazio em fome e com umas quatro pingas no juízo e a frustração ao ver o seu trabalho em vão.
- Fosse nos meus tempos de rádio, eu concluiria dizendo: “esse é mais um... retrato da vida”.