Os cabarés da cidade, o Restaurante Tapioca e... o Porco-China

Era o fim do ano de 1973. Havia chegado em março. Era um tempo em que a palavra “IMPEROSA” fazia parte da linguagem e do quotidiano. Aura de garimpo. Ruas de areão. Poeirão que se espraiava no ar. Os olhos da Revolução de 64 espalhados por aí. Grilagem de terras e pistolagem estavam em alta.  Rodoviária, hoje fechada - há pouco inaugurada, era o cartão de visita da cidade. Televisão? Isso nem se falava. O bairro Nova Imperatriz era recente; Quatro Bocas em prostituição era tema de sermão da igreja. Bairros como Bacuri, Vila Lobão, CAEMA, Santa Inês,  Bonsucesso ainda não existiam. E “Leandra”, sem drogas, abrigava algumas olarias artesanais.
A esse tempo, predominavam os cabarés da cidade. Farra Velha, ali juntinho do Primeiro Distrito, um nome e um antro que me despertavam calafrios e a que sempre resisti - com Godô, Raimundo Cheiroso, Pedreirense e uma queira de casas e mulherada de “C a Z”, estava em alta. Espalhados pela cidade, outros pontos do rufianismo marcavam época. O Mangueirão, ali no Entroncamento, depois da BR - um nome que nem mais se fala - era famoso com suas boates PRETA, BOÊMIO, CORSÁRIO, CRISTAL e suas mulheres, bem como pela exploração que ali reinava.
Nessa mesma onda também pululavam casas de mulheres ali na “Macaúba”, na BR, onde hoje é um ponto de Vans. Nas beiradas da antiga rodoviária, era outro chinfrim. No centro, ali na “Rua da Telma”, saindo para o Mercadinho, tinha umas tantas que se metiam a “.. doce”. No setor Quatro Bocas, Nova Imperatriz, a matraca rolava solta. Na Rua Ceará, no setor onde hoje é o Bacuri, ali era outro ponto de “doidivanas”. E onde pela cidade tivesse uma luz vermelha ou azul, na noite...
Ponto de destaque e eixo central da prostituição na velha IMPEROSA era a BOATE DO CACAU, uma espécie de clube de festa para onde convergia a mulherada, a pistoleirada e a macharada em festa e caça e abate, especialmente nos finais de semana. Só a Farra Velha não se movia, o que dava a ideia de um pacto mudo. O resto, o Mangueirão e uma banda da prostituição da cidade, convergia para o CACAU nos finais de semana. E então o Cacau era uma festa só com música ao vivo e todo o mundo vestido e perfumado para a ocasião com a mulherada em traje a caráter e toda “embatonzada”.
A boate do CACAU servia lanches e caldos na noite para aliviar a fome dos seus notívagos, mas o grande fetiche dos comensais; a grande predileção da culinária em alta noite e madrugada dos festeiros rufiões - eles e elas - era o RESTAURANTE TAPIOCA! Ou, na intimidade, simplesmente “TAPIÓCA”, que ficava ali na Getúlio Vargas, depois da Praça Brasil, pouco antes do meio do primeiro quarteirão. E os festeiros tresnoitados e vindos da esbórnia rumavam certeiros para empanturrar-se no cardápio daquele espaçoso salão que era o restaurante Tapioca. Pratos como “Frango à passarinho”, Filé à parmegiana” e outros à “la carte” faziam parte da mesa.
O estabelecimento, cujos donos residiam em Goiânia, era administrado pelo seu cozinheiro - “o cuca”, como se dizia na época: um negão corpulento, gorducho, pança larga o qual no epicentro da discórdia, lamuriava-se contra os seus patrões -  espécie de “sócios de fato”, o vi chorando as pitangas e dizendo com todos os pulmões que “segurava uma vaca para os outros mamarem”.
Havia por aqui, naquela época, uma figura de nome SINÉSIO, que deve ter trabalhado como “despachante” em algum lugar do mundo mas... que gostava de apresentar-se como “advogado”. E passava por advogado. E fazia as vezes de advogado. Sinésio vestia um conjunto de roupa completo, tipo “bleizer”, andava esticado, falava alinhado, e bem explicado e fazia firulas de danças e contradanças nas noites do Cacau e depois, como os demais da mesma farra, ia empanturrar-se no TAPIOCA. Foi a convite de Sinésio, dublê de advogado, que acabei indo bater no Tapioca, oportunidade em que conheci o seu “cuca” e... os bastidores do local.
Deixa que o negão, “o cuca”, criava e zelava dentro da cozinha um estimável, inocente e saudável PORCO CHINA. Gordinho, redondinho, zeladinho que parecia uma bola. De tão gorducho, em sobrepeso, mal saía do seu agasalho ali à beira do fogão. E o negão naquela minha visita de ocasião, me disse que o seu inseparável e intocável bicho de estimação, embora tivesse toda as sobras à sua disposição, só comia filé, em prato exclusivamente feito para si. Que tal, hein?!!! Que tal?!!!
E saí dali me questionando sobre aquele porco-china ali dentro;  sobre aquele restaurante da noite, aquele “frango à passarinho”, aquele “filé à parmegiana”, aqueles pratos “à la carte” e aquele “cuca” cujo cardápio enfeitiçava os notívagos e madrugadeiros vindos da Boate do CACAU e de outras esbórnias da cidade, naquele tempo de IMPEROSA, grilagem, pistolagem e algo mais.
O mundo deu só umas poucas voltas e os “sócios”, vindos de Goiânia, baixaram em cima do Tapioca. E baixaram com tudo! Vieram para resolver no que desse e no que viesse. E, como não poderia deixar de ser, ficaram estupefatos, escandalizados, aterrorizados, diante daquele bicho PORCO-CHINA, que de tão gordo em filé à parmegiana, fazia-se quase imóvel ali, à beira do fogão. E assassinaram-no hora, em nome de comezinhas regras da convivência humana, da saúde pública e da Vigilância Sanitária, que, naqueles tempos de IMPEROSA, estava longe daqui.
- Pronto! Com o assassinato do porco-china, estava formada uma guerra que, enfim, liquidou O TAPIOCA e desfez o feitiço dos notívagos e tresnoitados - eles e elas - ávidos comensais, “brocados”, vindos da esbórnia da Boate do CACAU.