CARTA PARA MINHA MÃE, DONA LOLA
(QUE ESTÁ NO CÉU)

A bênção, minha mãe - LOLA! Deus te abençoe meu filho, a senhora respondia.

Longe se vai o tempo, mãe, em que eu mandava cartas feitas, no começo manuscritas e depois à máquina de escrever. Lembra? Eu fiz o curso de datilografia e vivia pedindo a máquina dos outros e dizia que era para fazer uma carta para minha mãe. Aí as pessoas ficavam sensibilizadas com a ideia e eu tacava em fazer cartas que mandava para vocês que ficaram em casa no interior. Estava sempre pedindo. Queria um tanto me mostrar e lhe mostrar e assim mandei-lhe tantas cartas. Depois veio o telefone; depois a senhora mudou-se para Imperatriz e... cartas... nunca mais. Hei mãe! Bons tempos aqueles tempos, nera não?
Mãe, hoje, segundo domingo de maio, Dia das Mães, completa 41 anos que eu vim de São Luís para Imperatriz. O casamento acabou e, de uma hora para outra, de repente eu estava na estrada e vim parar aqui, uma metrópole jamais imaginada! Naquele dia, o ônibus parou na estrada e eu, de coração apertado, me pus a andar sem direção. Na amplificadora, tocou uma música: "Flor Mamãe"! Me lembro como se fosse agora: "... Ela se chama flor mamãe / E só nasce no jardim do coração". E eu olhava, no pensamento, a senhora inteirinha... chorando... Aí foi que o coração apertou. Mas como a senhora mesmo me disse que "o que a gente tem de passar não se põe na porta dos outros", olha eu aqui revivendo esse ditério!
Mãe, desde que a senhora partiu, faz agora 15 meses, sua casa ficou inteiramente fechada; o Tôin, mesmo ocupando a casa, aparecia de vez em quando e a gente abria de vez em quando para varrer. Foi aquele vazio difícil. Ou como a senhora mesmo dizia: "entregue nas mãos de Deus". No dia em que a senhora ficou naquele jardim, todo gramado, em São Luís, já à noite a Goretti - aquela águia de minha irmã e filha que a senhora pariu - fez o "inventário" de suas coisas, deu tudo para o Tôin. Fiquei com os dois rádios, com a mesa da copa, duas cadeiras de palhinha e uma estante. Esses objetos, mãe, me perdoe - eles refletem a sua  lembrança e a sua presença. Afora isso, o que o Tôin não levou eu dei para pessoas carentes. Dona Bete, nossa atual secretária e que a senhora não conheceu, imagine a alegria!
Mãe, a casa ficou aquele vaziozão, por mais de um ano. Então, aluguei. Está alugada. Mas as pessoas suas amigas e conhecidas, quando passam por lá, contemplam a casa e falam coisas lembrando da senhora. A Luiza, lembra da Luiza? - Aquela que caminha sempre ao lado da mãe dela? Sempre me declarou do amor, do carinho e das saudades que ela tem da senhora. Então, todas as vezes que eu vejo a Luiza eu a cumprimento e revivo nela a sua pessoa. Coisas da empatia. A senhora entende, né?
Falar em casa, mãe, ainda me lembro quando a gente, na sua cozinha, ficava a lembrar um velho tempo da vida lá na roça, naquele meio de capoeirão, na beira do jussaral; na vida que a gente levava, no "laboro", como com a senhor dizia. E depois, na prosa, a gente lembrava e agradecia a Deus pela casa e pelo espaço que nos reservou em Imperatriz. Lembra?! Aí, como sempre, lágrimas de emoção rolavam no rosto. E eu dizia: "NÃO CHORA, MÃE". Aí é que a senhora chorava...
Mãe, muitas-muitas-muitas pessoas até hoje perguntam pela senhora, lembram da senhora, falam a seu respeito. Muitas que nem sabiam que a senhor partiu. A Belinha, lembra da Belinha? Perguntou pela senhora e quando eu disse que a senhora havia partido, a mulher deu um "ataque", ficou emocionada e sem fala, foi preciso levar água. Seu Florismar, amigão das antigas, quando soube que a senhora havia feito a viagem, o homem ficou inerte, parado no meio da rua, chorando. Imagine o drama! Mãe, aquele povo todo da "baixada" da beira-rio costuma falar e lembrar da senhora. Eu sinto nas pessoas um gesto de emoção e franqueza, ao lembrarem o seu vulto, afinal a senhora era uma "assistente social" daquilo ali! Era como eu costumava dizer.
O Raimundo, aquele da Praça da União, dizendo-se seu filho, encontrou comigo no velório de seu Serra. E declarou-se ressentido e magoado porque não lhe informaram, em tempo, sobre a sua partida. E assim são muitos-e-muitos relatos. Recentemente encontrei-me com o Pastor Raul, aquele homem de Deus! Registrei com ele os contatos e a distinção que ele fazia  para com a senhora. Ele sorriu e a conversa girou em torno do seu nome. E a senhora "fanzona" do Raul, heim?!
E a NILSE, heim mãe?! Aquela sua nora que vocês eram apaixonadas uma pela outra, heim?! Também tinha razão! Ela fazia todos os seus gostos: ia comprar suas coisas, saía de braços dados pelas ruas, tranquila e calma - presentinhos pra cá, presentinhos pra lá. Dona Lola pra cá, "Branca'" pra acolá. E assim as duas viveram felizes. Mãe, ainda me lembro daqueles domingos quando a senhora ia amoçar lá em casa. Eu insistia para que a senhora deitasse, dormisse, ficasse mais um pouco. E quando eu menos esperava a senhora, ó... fugitiva, se mandava. A senhora gostava mesmo era de sua casa. Eu sempre entendi isso, mas daquele jeito era quase demais.
Fazer-lhe uma uma carta e não lembrar do ZÉ BRANCO, aquele super-filho e irmão e raiz de caráter, é uma injustiça! Ah mãe! Ia me esquecendo! Já fui 30 vezes lá no nosso velho chão, onde construo o MEMORIAL DE ANTÔNIO DE INEZ para homenagear o velho poeta-lavrador seu marido e meu pai. Eita homem que só ele...! Pena que a senhora só foi lá uma vez. Recente, levantei o MONUMENTO À DONA LOLA, todo registrado em letras metálicas azuis, feito em placas pré-moldadas, vazadas, em concreto armado nas laterais. Ficou lindo! É para perpetuar o seu nome naquele "chão dos nossos ancestrais". Também fiz uma placa metálica que diz assim: "Neste lugar / Dona Lola, minha mãe/ cumpriu parte de sua missão. / Seguiu em frente. /E hoje é uma página de saudade.

* Viegas é o filho-primeiro de DONA LOLA, que partiu deixando marcas, lembranças e os traços fortes e humildes de sua personalidade e da sua sabedoria.