É sábado. É manhã. É dia e hora de mandar o texto par o jornal. Bem que eu poderia ter escrito no domingo à tarde, como às vezes o faço. Carambas, estou meio perdidão. Escrever um texto em duas páginas - como é o caso - por vezes é algo como o ofício do ferreiro: tem que suar na beira do fogo: tem que malhar (com o malho sobre) o ferro em brasa. É esforço mesmo! E gora José? Lembrei-me então que há muito gostaria de escrever LENDAS & CRENDICES para dar vazão à minha veia-de-escriba. E então, qual um banhista, dou um salto no ar e jogo-me pesado nesta aventura. Portanto, senhoras e senhoras, LENDAS & CRENDICES está no ar...
"CURACANGA"
Naquela provinciana cidade, rolava uma história de "CURACANGA", um fogo que aparecia em diversos e simultâneos pontos nos campos, à distância, em tempos de verão. Diziam que o fogo era formado da cabeça de uma mulher - esta que deixava o corpo em casa, na rede. Diziam também que se alguém apontasse uma "agulha virgem", rumo à curacanga, no dia seguinte a pessoa viria tomar uma agulha emprestada. E se a pessoa emprestasse a agulha, adquiriria o "fado" de virar curacanga. Diziam também que a curacanga era uma maldição à mulher que tivera "relação" com o padre. No lugar chamado DESERTO, feita de campos abertos, curacangas na noite cruzavam-se ar. Diziam que elas brigavam entre si.
"MANGUDA"
Naquela mesma cidade provinciana, feita de ruas de areia e água de cacimba com energia elétrica tocada a motor, a luz apagava às dez da noite. Diziam que ali, num determinado trecho ao escuro da noite, aparecia uma tal MANGUDA. A Manguda era um ente todo vestido de branco, em mangas compridas que escondia as mãos. Daí a MANGUDA que apavorava os pescadores e outros viandantes, obrigados a travessar o trecho alta noite. E a cidade, então, vivia tomada pelo pavor da MANGUDA.
Bem ou mal intencionados, resolveram, em grupo e na espreita, "botar uma espora" e enfrentar a MANGUDA. E armaram-se como quem ia para uma guerra. Revólveres, facas, facões, cacetes, pedra e tudo o mais. Dispostos a um tudo ou nada, movidos ainda por um litro de pinga que era para dar mais coragem. E estavam nessa! Daí a pouco... coração em tum-tum-tum. Lá vem a MANGUDA! E partiram para cima com revólver, faca, facão e cacete. Nada não. Era o padre da igreja de amores furtivos com uma jovem paroquiana - filha de um barão que estudava na capital e passava férias colaborando com a paróquia e...com o namorado. É o que diz a lenda...
O SAPO DOS "OLHOS LINDOS"
Pedrinha é filha de Paulo de Demóste(nes). Assim como as demais irmãs, é também uma solteirona convicta. E como ali, o sonho de muitos é o Rio de Janeiro, Pedrinha hoje mora o Rio. Perto da casa de Pedrinha passa um riacho que seca no verão. À beira do riacho cavam-se cacimbas (que ali chama-se POÇO), que presta-se à lavanderia e abastece o povo em tempos de verão. Certa feita, Pedrinha à beira do riacho e do poço, encontra um sapo e observa que o batráquio tinha um olho verde e um olho azul. Derrama-se em elogios ao bicho, acha-o "lindo" e diz que gostaria de ter um marido que tivesse olhos tão lindos quanto aquele animal. E vai embora. Não é doida?
Era quase final de tarde quando Pedrinha em sua casa dá conta que o dito sapo ali estava chegando. Olha o drama! Pedrinha não se deu por vencida e com a mesma serenidade dos elogios, fez ao bicho uma advertência: "Eu tenho três filhos. E se eles te encontrarem aqui, vão te matar. Vai timbora, antes que eles te matem". Minutos depois o sapo desapareceu. No dia seguinte, quando Pedrinha novamente estava à beira da cacimba, viu o dito sapo. É por essas e por outras que naquela minha terra tem o ditado que diz que "tem bicho que vai do mato pra casa". Conhece essa?
FUMO AO "CURRUPIRO"
Naquele meu chão de analfabetos, sem um rádio, sem nunca terem ouvido falar em TV, sem luz elétrica, a "estrada" era uma vereda, a "rua" era como ainda é, um terreiro acanhado e tudo feito a foice e facão. E o povo vivia de CRENDICES E SUPERTIÇÕES. Gregório de Bastião Folhá, morador dali foi um dos maiores símbolos do pauperismo humano que os meus olhos já viram. Gregório tinha uma choça por morada uma mulher e uns quatro filhos, todos magros, desnutridos, quase seminus. Tinha também três ou quatro cachorros de caça, todos magricelas como os demais da casa.
Gregório punha uma pequena roça à beira de casa e nada colhia, pois o mato tomava-lhe de conta com o sujeito que vivia envolvido a vida inteira com suas caçadas pelo mato. Por vezes dormia no mato. Ninguém ali encontrava uma paca nem um tatu, mas Gregório tinha-os sempre em mãos. E vendia-os em sobrevida. Diziam que Gregório tinha pacto com "CURURUPIRO" uma entidade do mato (saci-pererê), protetora dos bichos selvagens, este mesmo que açoitava e desviava os cachorros quando em perseguição na floresta. Diziam que Gregório em ato de corrupção dava FUMO a "Currupiro". E "Currupiro", corrompido e conivente, facilitava as caças a Gregório.
MÃE D'ÁGUA
E quem é o bonito ou a bonita aí que nunca ouviu falar em MÃE D'ÁGUA? Naquele meu chão, as lendas sobre Mãe D'Água são tantas, até hoje"! Ali, quando uma ou mais pessoas iam para uma cacimba, já antes de chegar davam o brado: "Hei do poço, com licença". Pra uma praça, duas praças, três praças, conforme a "comitiva".
Meu amigo Antônio de Leônico tem um poço d'água potável com quase meio século, ao quintal de sua casa. Até então sem qualquer problema. Pedi licença ao amigo, liguei o motor, pus uma bomba e lá se vão uns 300 litros d'água. No mesmo dia a água do poço apodreceu. Filhinha, mulher de Antônio, exclamou: "Não será Mãe D'Água"!? A mesma experiência fiz em outro poço e novamente a água apodreceu. Numa outra experiência, o poço "desbarrancou". E, numa quarta experiência, à noite choveu e o poço acabou. E aí, novamente, vem a pergunta de Filhinha: "Não será Mãe-D'Água"?
* Viegas questiona o social
Edição Nº 14989
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