JUNTOS E MISTURADOS
(SAUDADE  DE UM VELHO TEMPO)

Numa tarde dessas por aí, quando dei por mim, eu viajava no  tempo! No tempo em que a gente podia se juntar e se misturar, na maior aproximação, sem proibição e sem preocupação com essa tal de aglomeração. Sem culpa e sem pecado.  Um tempo em que a gente era feliz e nãos sabia.   Desde a nossa criancice que multidões e aglomerações fizeram e fazem parte da nossa vida. Fosse na hora de pegar a criança, carregar a criança. “Dorme neném que mamãe tem o que fazer...”. Na hora do jogo de pelada, era bate boca, fala alta, vantagens, desvantagens, empurrões, sabor e calor da vida. E a garotada ali, tudo junto e misturado! 

A esse tempo, manhã cedo, o nosso grupo escolar, à batuta da diretora reunia as turmas do 1º ao 5º ano, para cantar hinos: Hino à Bandeira, Hino à Pátria, Hino à Árvore. Hino à Independência. Era a nossa iniciação ao civismo! E todo o mundo ali, ladeado, pertinho uns dos outros. Nessa mesma época, na hora do recreio, decentes e comportadas moças, em uniforme azul  e branco, alegres e felizes cantavam cantigas de roda, segurando nas mãos umas da outras, Nesse mesmo recreio, a molecada dava biscas, punha apelidos, fazia algazarra, aprontava,  tudo junto e misturado.  Era o tempo  em que as pessoas se cumprimentavam pegando nas mãos. E já mais tarde, anos depois, as mulheres se cumprimentavam cruzando os rostos, com um leve beijo, até. Mas esse tempo passou. 

Agora, quer ver a explosão da integração e comunhão do social?! Era no tempo daquela toda-minha saudosa e eterna Escola Técnica Federal, no Monte Castelo! Café almoço e jantar era  fila, uma aglomeração! Hasteamento da Bandeira, com os alunos em pelotões, por série, outra aglomeração. Salas de aula, 30 alunos na sala. E nos desfiles da Escola? Daquele batalhão? A distância era de um braço esticado à altura do ombro do colega, em frente.

Agora imagine: Do Monte Castelo à Praça João Lisboa e vice-versa aí vão aí uns oito quilômetros, numa marcha só -  em ida e volta, ao ruflar dos tambores e toque das cornetas tudo com a multidão se acotovelando em volta em todo o percurso. Haja aglomeração!   Outra aglomeração era nos Jogos Olímpicos da minha Escola Técnica. Colégio Maristas, Academia do Comércio, Centro Caixeiral, Ateneu, Colégio São Luís, à exceção do Liceu, todos que se foram. Assim como a ROSA CASTRO e Escola Normal na torcida, que também se foram. Um velho tempo em que a gente se juntava, se misturava, torcia, vaiava, aplaudia e gritava. Éramos felizes e não sabíamos.

Outra aglomeração era no Bar do Hotel Central, o ponto de encontro dos executivos do interior. E outros da capital.  Na Rua grande, qual um formigueiro, uma multidão. Na João Lisboa outra concentração. Da João Lisboa, na rota do Ferro de Engomar e aquela aglomeração na fila do ônibus da linha Monte Castelo. Os ônibus nos horários de pico, aquilo era como se dizia, “uma lata de sardinha”. Todo o mundo sem máscara e o cobrador passando pelo meio tilintando dinheiro. Da João Lisboa dava-se uma “queda de asa” (como se dizia) e ia para na ZONA. A zona não era uma multidão mas era uma aglomeração com direito a música instrumental ao vivo, cerveja e baile para fazer a corte à penumbra e quatro paredes que viriam logo depois. E aí, quem é que não se mistura?

Outra  multidão e concentração  de gente era na Praia Grande. Praia  Grande das minhas idas e vindas, Praia Grande dos meus sonhos, das minhas tantas interrogações. E ali na espera, nas chegadas ou saídas das lanchas, todos juntos e misturados. E, de praia em praia – Ponta D’Areia, Olho Dágua, Calhau, Araçagi outras tantas aglomerações. Multidão e aglomeração eram também nos Bailes de Carnaval.  As mulheres usavam máscara – outro tipo de máscara - e isso fazia parte da cultura, dos costumes. Do assédio.  Aí vinham uns e outros  e diziam “eu te conheço carnaval”! Era a caçada e a mascarada era a caça.

Que ver mesmo a mistura, aglomeração, a multidão era nos BONDES!!! Os bondes eram como um patrimônio imaterial da cidade! As pessoas, todas, todos, curtiam o bonde. Gostavam de usar o bonde. Acotovelavam-se nos bondes. Nos horários de pico o bonde era uma loucura, tal o povo de que se fazia. Penduravam-se no estribo; juntavam-se às dezenas de mãos e seguravam-se naquela haste. E lá vai o bonde na no retão, na subida ou na descida da  ladeira com o povão aglomerado pegando a brisa do Atlântico, da capital!!!

Hoje, por conta desse malsinado vírus da China e a gente submetidos ao isolamento e  distanciamento social. Qual numa guerra, submetidos à imprevisão à imparevisão de uma bala, ou a explosão de uma bomba à qualquer instante. Não pode cumprimentar. Melhor não falar. Distância de dois metros. E muita regra para tolerar. Lembrando agora daquele VELHO TEMPO em que vivíamos todos juntos e misturados... é como vou  articulando, escrevendo e descrevendo estes... CAMINHOS POR ONDE ANDEI.
*********************

(Este texto foi, na origem, escrito para a crônica PÁGINA DE SAUDADE (13 anos na janela) do Programa CLUBE DA SAUDADE, Rádio Mirante/AM, manhãs de domingo, este há 32 anos no ar, porém adaptado (estendido) para estes... CAMINHOS POR ONDE ANDEI)