“OS HERÓIS DA LIMPEZA PÚBLICA”
Desde os meus primeiros passos nos corredores da imprensa, ainda colegial, que a “questão do lixo” me desperta particular atenção e mexe com o meu ego. Comecei escrevendo “artigos de protesto” no Jornal Pequeno, na capital, primeiro lugar disparado! Gostei da idéia, e nunca mais parei. E então lá se vão cinquenta e três anos da minha vida, metido no ofício de “escriba” amador e voluntário.
O Jornal do velho Bogéa, de longe o primeiro da preferência popular “se espremesse saía sangue”, era uma porteira escancarada. Mandava-se o artigo, fazia-se a queixa eles publicavam. Achei que deveria abrir os horizontes e fui bater no JORNAL O IMPARCIAL. Era então diretor Dr. ALMADA LIMA. Era uma tarde. Cheguei lá e, pelas beiras, disse que gostaria de escrever “em colaboração”, artigos para o Jornal. Ato contínuo – imaginem a minha infantilidade – puxei dos meus alfarrábios um artigo denominado “OS HEROIS DA LIMPEZA PÚBLICA” e... estendi rumo ao Dr. Almada Lima.
O então diretor, um homem retrancado, que tinha o braço direito amputado, me olhou odioso, com cara de poucos amigos e, com a mão esquerda, deu um murro sobre a mesa: “Tá pensando o quê?! Que vai escrever aqui artigo assinado”?! E esbravejou citando nomes de grandes vultos que escreviam naquele Jornal, seus artigos assinados. Só então descobri que, diante daquele senhor diretor eu estaria cometendo “o crime da mala” , face à pretensão em escrever artigos assinados.
Saí dali vencido e frustrado mas não derrotado. Eu tinha só pouco mais de vinte anos e o Jornal Pequeno estava sempre publicando as minhas idéias, outras atravessadas, até. Tinha também uma participação aos domingos na Rádio Educadora e sentia que tinha horizontes pela frente. Então, desci as escadarias dos “Diários Associados” e ganhei a porta da rua. E fui embora.
No meu chão de origem tem um ditério que diz que “encasquetado é pior do que doido”, então eu encasquetado com os meios da imprensa, dias depois voltei por ali, extra-expediente; queria saber o que tinham feito com o meu texto. Acabei indo bater com o Cordeiro Filho. Cordeiro era um jornalista recém chegado em São Luís, que já chegou por cima, comendo a bola. Cobrava escanteio, e corria pra cabecear. Jogava em todas. Logo Cordeiro me tratava por “Cleviegas”, o meu “nome artístico” de que eu tanto gostava e que me projetou na imprensa e nos meios sociais.
De cara, ali na linotipo que o Cordeiro consertava, ele me mostrou o meu artigo já impresso, circundado e com a minha assinatura “Cleviegas” lá em cima, para o “suplemento de domingo”. Cordeiro, entanto, um cara sem barreiras abriu o jogo: disse que o Dr. Almada reuniu-se com uns três escribas do jornal, apresentou o meu texto e então comentaram sobre o tema que enfim foi “aprovado por unanimidade”.
Achando que estava com moral, voltei ao jornal e, novamente com o diretor. Fingi que não sabia de nada, mas, no fundo eu queria mesmo era um auditório para me aplaudir. Nisso o Dr. Almada, me dá uma sugestão par eu escrever uma reportagem sobre o “consumo de carvão, na ilha capital”. Carambas! Saí dali “rodado” pois que aquela sugestão não era o que eu queria da vida. Aí eu dizia pra mim: “p... que p...! Onde é que fui amarrar a minha égua?! Na época eu tinha emprego, tinha salário, cursava o pré-vestibular. Então eu me sentia o dono do meu nariz. E não escrevi “sobre o consumo de carvão na ilha” mas... escrevi sobre O CARVOEIRO! E percebi que o diretor, às largas, aprovou o texto e mandou publicar.
Em seguida voltei por lá e, nova atribuição: São Luís, é uma cidade histórica com predominância da antiga cultura portuguesa. Na parte mais antiga da cidade havia (ou ainda há), nas esquinas, umas esculturas, do tempo colonial, em pedras de cantaria, um tal de “FALOS”, simbologia de um pênis para significar a VIRILIDADE do guerreiro, a autenticidade do homem; sei lá o quê. Me deu a deixa e mandou eu me virar. Novamente, saí “rodado”! p... que p... onde é que eu fui amarrar a minha égua?! Eu me perguntava. Não era isso o que eu queria. E fui embora pê da vida...
Lembrei-me então que, naqueles dias, o TERREIRO DE CANCOMBLÉ de Jorge da Fé em DEUS, estava às vésperas do seu festejo, já com o ressoar dos primeiros tambores. E falei pra mim: é prá lá que eu vou! Era manhã. Jorge até parece que ainda tinha um resto de tresnoitado. Eu, “encasquetado” (pior do que doido), fiz um porrilhão de perguntas ao Jorge: queria saber das cores, das velas, dos rituais, dos santos, dos cantos, dos tambores, das “divindades”, dos pais de santo, das mães de santo, dos filhos de santo, dos atabaques, do bailado, do “sincretismo religioso” e de todo aquele universo. E então escrevi: OS TAMBORES DA FÉ EM DEUS, ESTÃO EM FESTA.
O Doutor Almada Lima que me recomendou uma reportagem sobe os “FALOS” da virilidade, na tradição da ilha antiga, agora estava às voltas com a leitura sobre os atabaques, a linguagem e os rituais de candomblé das festas do famoso Babalorixá – Jorge da Fé em Deus. E publicou a matéria na íntegra! Uma página inteira!. Voltei e levei para o prestigiado babalorixá aquela publicação. Ele que me disse: “o santo gostou de você...” (???) E fui embora. E antes que ele, diretor, me mandasse escrever sobre as “pedras de cantaria”, vindas de Portugal que emolduravam a cidade – os prédios as escadarias da Praia Grande – o que queria mesmo era escrever sobre a ZONA, o baixo meretrício, as noitadas a pândega, a mulherada - fui embora e não mais voltei mais por lá.
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Agora, escuta só, as hilaridades e a engenharia da vida! O serviço de limpeza pública em São Luis era assim: um caminhão basculante antigo, carroceria de ferro, só a ferrugem! Dois homens cá em baixo, pegavam as latas e pequenos tambores de lixo e jogavam lá pra cima com o carro em movimento. As latas eram recebidas pelo “goleiro” lá em cima que, não raro era zombado pelos pedestres, motoristas e outros: “Goleiro... goleiro...,”. Foi essa cena que me despertou o tema OS HERÓIS DA LIMPEZA PÚBLICA.
Agora imagine onde o fato e a cena aconteceram? Imagine! Na Rua de São Pantaleão, centro-histórico da capital, à meia-quadra da Rua de Santana, em frente à casa do... de um irmão, senão do próprio Doutor Almada Lima. Um detalhe que só vim a saber uns dez anos depois. Eis a vida! A engenharia da vida! Só acredite se quiser!
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