O PADRE, O ROCEIRO E A MACUMBEIRA
Lição da Física e da vida me ensinam que “a toda ação corresponde uma reação...” Tenho usado e aplicado essa regra em argumentos nas minhas defesas criminais. E posso dizer do resultado simpático que o desfecho tem dado. Nesse diapasão e, de outro lado, também faz certo que “quem diz o que quer, ouve o que não quer”.
Aquela então cidadezinha de uma comunidade cristã, vivia órfã e carente de padres para conduzir espiritualmente o povo católico. O povo então vivia de joelhos ao chão orando e pedindo padres para o ofício na condução da espiritualidade cristã, daquela gente. Até que um dia... até que um dia, por ali chegou uma Missão de padres estrangeiros. Em seguida, uma também missão de Freiras da mesma origem. E aquele povo sedento da fé católica respirava aliviado sentindo-se atendido em sua súplica. E aí, como diz o caboclo: “Foi água de encher o açude”!
A Missão era composta de uns três padres e um quarto componente, um leigo, para o apoio de logísticas: a parte doméstica, de apoio. Os padres liderados e comandados por um deles – jovem, bonitão, falante, dinâmico - eram extraordinários e entregavam-se arduamente e tem tempo integral tanto ao trabalho quanto ao seu sacerdócio cristão. Escola ginasial, oficinas, desportos, artes industriais, atividades comerciais, práticas rurais (agricultura), oficinas culturais e tudo enquanto viesse pela frente, Os padres revolucionaram aquela cidade, sempre (e sempre) liderados pelo seu líder.
Era visível a desenvoltura financeira com que se movimentavam aqueles clérigos, eles que qual o Rei Midas, com um breve toque de mãos, tudo virava ouro, cujo ouro em suas mãos, era apenas mais um elemento entre os demais, pois que recebiam doações e investimento e subvenções em dólares que segundo a sabença popular vinham de dois países de além-mar. E então, a dinheirama em meio aos Missionários estrangeiros era apenas um ponto comum – certo entanto que eles não esnobavam nem abusavam nem se locupletavam de suas riquezas embora vivessem comodamente porém extremamente dedicados e suados sobre elas.
De pontuar mais ainda que todo aquele universo era comandado firmemente (tipo mão de ferro) pelo seu líder que além de bonitão, empenhado, fiel, sólido e sereno em seu sacerdócio, despertava corações daquelas circunstantes, como bem era de sentir. E segue a vida. E a vida continua. Os padres estrangeiros sem mais demora, deram uma “nova leitura” e novas aplicações no exercício e nas práticas cristãs. Interferiram nos festejos tradicionais católicos, regados a bebidas alcoólicas, costumes, festas e movimentações pagãs. E foram apertando o cerco e mudando a rotina viciada. E isso afetou fortemente as tradições ditas culturais e católicas daquelas bandas por onde oficiassem aqueles estrangeiros de linguagem afetada.
Casamentos e batizados, por exemplo, seguiam a preceitos, reuniões, regras e dogmas bem definidos, no intuito – imagino – de dar mais força e integridade e fidelidade aos atos e à fé cristã, além da aplicação das diretrizes a a serviço do cristianismo católico a que se propunham. Enfim, eram aqueles padres estrangeiros dando as cartas no seu ofício e fazendo a roda girar em todo o território a que foram nomeados e dele tomaram posse.
Quando dos batizados, por exemplo apresentavam-se os padrinhos para antecipadas reuniões e palestras e catequese; reuniões que demoravam-se por orientação em sessões noturnas seguidas. Isso implicava que candidatos a padrinhos (e madrinhas), alheios a esses formalismos, se submetessem à novas praxes – oportunidade em que ocorriam situações desconfortáveis e até mesmo constrangedoras eram rigorosos e fiéis quanto a condutas pouco ou nada ortodoxas: situação de casados ou não, amancebados, conviventes, vida conjugal irregular, filiação adulterinas, cultos pagãs e outros (macumba, terecô, “cura” e afins). E nesse passo, mão na massa, os padres acabavam por saber da vida, dos costumes de todo o mundo por ali (???) Incrível mas era assim.
Fostino de Inez,um sobrevivente daquele descampado que chegou a ser alistado para a segunda Guerra Mundial, era um roceiro, dono de uma “presença de espírito”, terrível! Tinha sempre uma resposta na ponta da língua. Fosse do que fosse. Um advogado nato e tanto!!! SE lhes disserem UMA, ele respondia com DUAS; se lhes dissessem DUAS, ele contra-atava com QUATRO. Com o seu dente de ouro que se expunha com um sorriso proposital e maroto, era um garanhão implacável!! Não podia ver um rabo de saia! Tinha uma dúzia de filhos em casa e meia. dúzia lá fora.
E então o velho roceiro, foi alistar-se para tratar do batizado de uma filha extra conjugal, seu mais que xodó especial. Ao chegar sua vez, o padre em linguagem arrastada, adverte: Seu Antônio, o senhor não pode batizar essa menina. Porque, Senhor Padre? Pergunta. Porque DIZEM por aí, que o senhor tem amantes. E quem tem amante não pode batizar. Ah! Senhor padre, se for assim o padre LÇ, também não pode batizar porque DIZEM publicamente, de mamando a caducando que ele tem uma amante “SICRANA DE TAL”. E prosseguiu: É por isso que a igreja dos crentes está crescendo, porque lá, eles recebem os pecadores e culpados. E aqui vocês só querem os “santos” e os inocentes. Aí o senhor padre “amarelou”: “Vamos encerrar o assunto, seu Faustino, vamos batizar a sua filha, disse. Não senhor padre, a água de batismo, tanto pode ser do rio, do lago como do pote. E a menina foi batizada com água do pote. Ficaram os estragos...
E assim seguiam os preceitos e conceitos dos padres estrangeiros jogando duro para dar ao catolicismo, a feição e a perfeição que eles pretendiam. Nessa leva, outra reunião de padrinhos para as orientações e a catequese com que dirigiam tais atos. MARIA FUBANA era uma afro descendente legítima! Uma coitada, pobre-jò, que vivia porque via os outros viverem. Vivia em pé nas pernas porque não tinha onde sentar. “Não fedia nem cheirava”, que era como se costumava dizer. E então FUBANA, foi apresentar-se para ser madrinha. Te lembra daquele padre bonitão, dinâmico, aceso, atleta que despertava corações? Justo ele que estava no atendimento.
Chegou a vez de FUBANA. O padre foi direto e reto: “Chubana, vochê non pode ser madrrinha”. Porque, senhor padre, perguntou humildemente a coitada. Porque vochê é macumbeira. Então senhor padre, você tambem não pode batizar, porque você tem amante, SICRANA DE TAL. E todo o mundo sabe disso e todo mundo diz isso. Ah, prá que?! ? Foi um vendaval que varreu tudo ali! Um terremoto que não deixou pedra sobre pedra! Por essas e por outras – uns que vão para o norte e outros que vão para o sul que o SANTO PADRE, está levando a limpo muita sujeira que ficou mascarada debaixo do tapete, na intenção de botar ordem na casa. E já se fala em REVOGAR O CELIBATO. Mas isso é pétreo e multissecular. É tema para outra teima. E eu, inocente de tudo, só agora posso entender o que um dia me disse o senhor padre: “... sim, porque ninguém é de ferro”.
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