CHÁS E BEBERAGENS
Ouso dizer que nossas mães, nossas avós, nossas tias, as amigas e comadres e vizinhas de nossas mães, avós e tias e tantas outras desse grande universo, em particular as menos endinheiradas em pés no chão, já foram peritas e práticas na indicação, ministração e no preparo de chás e beberagens e infusões e lambedor e emplastros para os seus filhos e netos e bisnetos e filhos de criação e agregados e outros em volta. Chás, infusões e beberagens e outros artifícios já foram o grande remédio de tantas gente – tudo feito e praticado à base do costume, das tradições, do disse-me-disse. E ao final do uso ou da ingestão, positivo o efeito, vinha uma exclamação: “Foi mesmo que DEUS por a mão”! Muitos, porém, esquecem-se ou renegam essas benesses e cospem pra cima
Naquele velho tempo – tempo das nossas mães e das nossas avós e das nossas tias - os médicos não existiam. E quando existiam eram escassos. Algo de outro planeta! As farmácias ficavam na Vila ou na Cidade - longe de tudo e de todos. Longe dos grotões, dos baixões, longe da “beira do campo”, dos “tesos”, sertões e capoeiras por onde viviam os roceiros, vaqueiros e descamisados da vida. As farmácias daquele velho tempo eram sustentadas e assistidas por um farmacêutico ou um prático vindo do balcão. Muita coisa senão quase tudo era feito à base do improviso, do costume, na marra. Ou como se dizia: “empurrando com a barriga”.
Os farmacêuticos vindos da Escola Oficial que eventual e raramente enfurnavam-se pelo interior, eles mesmos manipulavam muitos dos seus produtos que os receitavam, e vendiam ao balcão de suas farmácias; ao passo que os balconistas práticos, também receitavam, ministravam e vendiam o quanto dispunham em suas prateleiras. Era o tempo em que grande parte dos medicamentos existentes nas prateleiras das farmácias – principalmente no interior – era produzida em pequenos laboratórios, e outras oficinas o que na linguagem de hoje pode-se dizer: “laboratório de fundo de quintal”.
A esse tempo, com o farmacêutico ou o prático aboletado em sua “PHARMACIA”, aparecia o vendedor-viajante – com sua bolsa, suas listas e “amostra grátis” nas mãos e que depois de apresentar-lhe as novidades da área, (as últimas coca-colas do deserto), somadas a mais outros tantos remédios já conhecidos e testados e aprovados pelo consenso popular e pelas indicações repetidas e costumeiras, aí vinha a compra que era o “pedido”. Os produtos eram BONIFICADOS, isto é, a cada meia dúzia que o “farmacêutico”, comprava, ganhava DEZ. Eram os famosos “Bê-O”. Um termo pejorativo e depreciativo que se tornou conhecido, à proporção que os medicamentos da chamada “linha ética”, avançavam no mercado.
Por aqui e mundo a fora, tivemos vários desses estabelecimentos que prefiro não indicá-los. Contudo faz certo que essas eram a farmácias que se tinha nos rincões mais distantes e que muito (e muito e muito) contribuíram para salvar vidas e aliviar sofrimentos com um detalhe que correspondia ao cliente e consumidor: não eram preços caros, nem exorbitantes. Tampouco havia, pelo comum, reclamação quanto ao preço. Tem mais: muitos dos práticos e balconistas e “farmacêuticos”, tornaram-se verdadeiros emblemas e referências e enciclopédia a serviço da saúde e da vida. Todos que perderam na poeira do tempo o “caderno do fiado e o nome do freguês”. Aqui nesta Imperosa de todos nós, por exemplo, tivemos diversos deles que até hoje – até hoje – muitíssima falta nos faz. O que me leva a uma momentânea blasfêmia: “homens assim não deveriam morrer”.
Os CHÁS E BEBERAGENS e INFUSÕES, durante uma vida enfeitiçaram as nossas mães, nossas avós, nossas tias, as vizinhas, as comadres, as amigas, as conhecidas das conhecidas das nossas mães, no sacrossanto empenho da indicação e ministração de chás e beberagens e infusões e lambedor para filhos e netos e vizinhos e outros mais. Era assim. E as pessoas não abriam mão dessas indicações e aplicações. Faziam questão, até. E isso compunha a solidariedade, a sociabilidade e a saúde daquele velho tempo.
Chás de folha seca de mamão, ou de folha de laranja, ou de casca de laranja, para dor de barriga e intestino . Alcachofa - para fígado, rim, abaixar colesterol; algodoeiro –para distúrbios uterinos, afecções dos rins. Amora para menopausa, cólicas menstruais, insônia. Arnica (uso externo) para contusões, antiinflamatório, analgésico. Banana verde: Ajuda no emagrecimento, melhora o sistema imunológico, antioxidante, reduz colesterol, rica em fibras , vitaminas e sais minerais. Leite de janaúba (emplastro) para os testículos.
Boldo do Chile: para fígado, digestão, colesterol. Cabelo de milho: diurético, inflamação renal. Camomila: digestivo, calmante, cólicas. Castanha da Índia: má circulação, varizes, hemorróidas. Erva de bicho para hemorróida, varizes, reumatismo, cicatrizante. Erva doce: digestivo, gases, cólicas intestinais, aumenta a lactação. Espinheira Santa: digestivo, para gases, gastrite, úlcera. Guaco: para tosses, expectorante, gripe, bronquite. Hortelã: digestão, náuseas, gripe. Malva: Para nflamações, problemas estomacais, garganta inflamada, aftas. Erva cidreira: para calmante, insônia, combate ansiedade, cólicas uterinas. Mulungu: Ansiedade, stress, insônia, dores. Quebra pedra: para cálculo renal, diurético, cistite, para acido úrico. Sucupira: para garganta inflamada, ácido úrico, reumatismo. Unha de gato: antiinflamatório; artrite, reumatismo, aumenta imunidade.
Desses tantos, há um três chás de que não posso esquecer: Folha seca de mamão para dor de barriga e regulagem do intestino. Chá de boldo com a mesma indicação e... e... “cebola-berrante”. Para catarreira e verminose. Um santo remédio!!! E lá se vão quase setenta anos, um chá para nunca mais esquecer!!! Agora, justo agora, eu volto a ver que a minha mãe se foi, as amigas da minha mãe quase todas se foram; também se foram suas vizinhas, as amigas de suas vizinhas, as amigas das amigas de suas vizinhas mas ainda assim ficaram os chás e as beberagens - eles que ressurgem com força prestígio e popularidade, nestes tempos dessa malsinada PANDEMIA. Surge, por último um tal GOTA DO ZECA. Fino fundo de quintal! Um santo remédio! Ressurgem também velhas lembranças do meu velho pai, este que me ensinou a beber remédios e chás amargos, quaisquer deles: “gute, gute, gute...”
Post scriptum: João do Vale, maranhense de Pedreiras, quando compôs TODOS CANTAM SUA TERRA, anos 1960, em tempo corrigiu o seu esquecimento ao nome do Maranhão com a seguinte estrofe: “Tinha tanta coisa pra falar / Quando fiz este baião / Que quase me esqueço de dizer / Que esta terra tão linda / É o Maranhão”. É aqui o meu caso: Tinha tanta coisa pra dizer que esqueci de ilustrar e pontuar nesta modesta composição de que está registrado na Multissecular e Sagrada Escritura: “Ezequiel 47:12 - Então junto ao rio, em ambas as margens, nascerá todo tipo de árvore ... ... Seus frutos servirão de alimento, e suas folhas de remédio!”
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