ERAM ASSIM AQUELES DOMINGOS

Era domingo,  um dia assim um tanto quanto vazio, evasivo e parado por aqui,  em que parece até que o vento não venta e que as palhas do coqueiro lá em cima se fazem inertes, desoladas, abandonadas em si mesmas. E tal como foram deixadas, lá estão. Até parece que está tudo igual, desde às seis da manhã até agora, tarde do dia. Até parece que nada se move; que está tudo como dantes e nada é igual a nada. E nada motiva nada.

Então eu parei par lembrar e relembrar velhos tempos, aqueles tempos em que os dias  de domingo tinham cada qual ao seu momento, um momento diferente. Aliás que a rotina saudável  já começava no sábado, quando não havia expediente no emprego público nem atividades escolares. E então por conta desse multicor daqueles meus domingos, hoje eu parei para relembrá-los.

Ainda moleque lá pelos cinco anos de idade, num vozerio entre irmãos e primas a gente dizia: “hoje é domingo  pé de cachimbo/ cachimbo é de ouro/ deu no besouro... A esse mesmo tempo, mamãe na cozinha em fogão de lenha preparava  “carne de porco com arroz” ou quando não, “peixe fresco com arroz. Arroz “socado” no pilão  com mão-de-pilão. E a gente esperava o “boião”. E não via chegar a hora desse “di cumê”. Enquanto isso, lá fora, na sala, papai fazia um côfo para as serventias do roceiro.

Mais tarde, depois dos sete até aos dez anos, o domingo passou a ter outro DNA. Ainda cedo das manhãs, eu, MENINO DE MANDADO EM CASA ALHEIA, acompanhava a matrona às Santa Missa, na Igreja matriz. Dois quilômetros em ida e volta. O dia era mais ameno na rotina do trabalho mas a folga mesmo dava-se depois do almoço. Aí,  eu me sentava à porta da rua, amarrava três ou quatro metros de linha e “empinava uma pena” bem leve. De peru, preferencialmente. OU, então improvisava uma “curica”, outros quatro ou cinco metros de linha. Ambos um brinquedo de quem não tinha brinquedo. E não brincou!

Lá pelos onze até aos catorze, os domingos faziam parte da vida no internato. Internato da Escola  Federal. Um presente do Criador!  Um rio de bênçãos que passou em minha vida! Isto aqui dá um livro, melhor dizendo: uma enciclopédia! A vida no internato era altamente sociável, decente e digna, porém fechada, com direito a saídas aos sábados e domingos. Às dez da noite, como em todos os dias, éramos  submetidos a uma REVISTA, de presenças.

O interno que cometesse qualquer falta ou indisciplina durante a semana,  ficaria “preso” no sábado e domingo seguintes e deveria responder às tantas quantas revistas a critério do aluno veterano encarregado do controle. Qualquer falta ou indisciplina durante a prisão ou durante a revista, resultava em prorrogação do castigo para o próximo fim de semana. Os cerceamentos duravam até às 18:00 hora, fosse sábado ou domingo.

Naquele domingo,  legal mesmo era lá pelas oito da noite, irmos à Santa Missa, na Igreja da Conceição, no Monte Castelo que ficava, a uma três quadras da Escola. Costumava ser dos últimos que chegava à Missa e, por isso ficava lá... na porta de entrada, em pé, quase do lado de fora, já com a Igreja lotada! Depois da Missa, rapazes e moças davam três ou quatro voltas na pracinha em frente à Igreja. Era como um ritual. Isso fazia parte do costume do social. Depois, a gente pegava o caminho de volta ao internato e a pracinha se esvaziava. Novamente,  eu era feliz e não sabia!

Agora é um novo tempo! Estou lá pelos meus vinte, vinte e hum anos. E, numa boa morando na Casa do Estudante, Rua do Passeio, centro histórico da capital, um berço da democracia, da honradez, da promissão e do respeito. Aqui cada qual é dono no seu nariz. Livre e responsável em tudo. A esse tempo havia “piquinique” na praia ou em sítios, com  uma radiolazinha pra tocar compactos e Lps. Era legal! Aqui, na Rua do Passeio é o endereço das minhas saudades. Aqui foi outro rio que passou em minha vida!

O fim de semana já começava no sábado! À noite a gente ia pras baladas que eram aqueles bailinhos em casa de família. Era legal! Tudo tranqüilo, e na boa. Não se falava em cigarro, nem em bebida alcoólica tampouco em droga. Por vezes uma dose de ponche ou de “cuba libre”. Só isso e mais nada. E haja dança, haja baile, festa, curtição e paquera. Por vezes ao final do baile a gente voltava de braços com a garota com quem se dançou. Outras vezes sozinho com a camisa ao ombro, sem lenço e sem documento. A esse tempo, a  Jovem Guarda estava no ar: E então Roberto, Erasmo, Jerry,  Vanderléa, Gil, Caetano e até Timóteo, Valdik, Lindomar Castilho e Odair embalaram as nossas baladas. E lá se foram os meus “anos dourados”.

No domingo a gente amanhecia tresnoitado, preguiçoso, sonolento. Às 7 ou 8 da manhã todo o mundo já estava de pé para o banho gelado à beira da grande cisterna que havia na Casa. E quando dava lá pela dez do dia, a gente pegava o ônibus e ia para a Praia do Olho D’água ou Ponta D’Areia pra voltar às duas da tarde. Ninguém controlava ninguém mas todos sabiam dos seu limites. E os nossos princípios e costumes cobravam a regra. Naqueles domingos, ainda cedo da noite, todo o mundo ali, dentro de casa, por vezes no terraço, lá fora.  Por vezes, sentado à escadaria de acesso, ESCRAVINHO, contava suas aventuras amorosas, noturnas pelas ladeiras e becos escuros da capital. A turma ia ao delírio! E eu lá!

Agora é final dos anos 1960, morando na Casa do Estudante Universitário, Rua de São Pantaleão, centro histórico da capital. Aqui na casa “É tempo de murici, cada qual por si”. Começa a minha iniciação no rádio! Somos em três. Pelas manhãs produzíamos e à tarde apresentávamos o programa PANORAMA ESTUDANTIL. Uma festa só! Uma alegria só! Na casa, porém, ninguém é de ninguém porque cada qual por si”. É tempo de murici.

E agora nesta vida e nesta cidade  em que lá se vão 47 estações das flores, olho no tempo e vejo tantos domingos que lá de foram. Naqueles domingos, na irmandade, o meu irmão ZÉ BRANCO caprichava na galinha gorda e no garfo. A minha irmã Goretti, cuidava do nosso almoço e da casa. Naquele outro domingo o meu fusca ficou no sereno a noite toda e não queria voltar. E eu cheguei com cara de ontem. Naquele outro domingo que esqueci o trato de levar a moça ao cinema, só 30 anos depois voltamos a nos reencontrar. Teve aquele domingo que o Rio Tocantins, zangado, me mandou um recado. Aprendi a lição e fiquei calado. Houveram também, aqueles tantos domingos de Praia do Embiral e Praia do Cacau.

Agora, novamente é domingo. Parece com os demais dias da semana. E todos os dias parecem-se uns com os outros: Isolamento social, distância social. Máscara na cara. Todos os dias são iguais. Tudo parado! Até as palhas do coqueiro estão paradas, como que abandonadas em si mesmas. É que estamos na  GUERRA  e submetidos ao pavor de um fantasma. Ou como naquelas férias, no sertão, pelos caminhos à noite: “com medo da visagem”, Quer dizer: da viragem...