AGERMIRO DE BASTIÃO e SEU CIRÇO
(Lendas da Valentia)
Argemiro de Bastião cuja língua do povo só dava conta de chamar AGERMIRO, era um roceiro, brigador, encrenqueiro e “confusista”. (Confusista: que pratica confusão). Mudou-se pras bandas do Canta-Galo, onde matou um, não deu passo em fuga e passou uma temporada na penitenciária. Quando voltou à sua terra de origem, capitalizava o seu tempo e experiências e escaramuças e vida-de-cão na penitenciária para posar de “herói”, ou “chefe” naquele pequeno mundo de roceiros e incautos em pés no chão. Pensamento, ação e herança maldita da penitenciária.
Era ele em sorriso largo e conversa aberta, em carne e osso, mostrando seu currículo e atributos, como se dissesse: “Eu sou o cara”!!! Sentia-se como que aplaudido como o “novo herói”, que atravessou o fogo cerrado e as trevas malditas da penitenciária. Logo ele, àquela altura, anos oitenta, cujo filho vindo do garimpo adquiriu-lhe uma terra, situou os pais e ele, Argemiro, além de cavalo de montaria e da fama (horrenda) do submundo da penitenciária, também tinha terras próprias (do filho) para suas tarefas. Argemiro em nada se entregava. E então ele era o cara!
Faz algum tempo obtive informações do último paradeiro de “Agermiro de Bastião”. Soube que o personagem foi a uma festa no lugar Fala Só. Fala só, todos dizem: “É lugar de gente prevesso”. No Fala Só, todos sabem tm confusão e confusista até em velório. E o reggae rolava solto, pesado e nas alturas. Argermiro que não era de dar ponto sem nó, umas três pingas nos juízo, foi lá no som e pediu um bolero. Waldick Soriano. Negativo! Ah, pra quê?! Argemiro quebrou tudo e não deixou nada sobre nada. E desafiava: “agora quem achou ruim / baixa boca no capim/ e vem em mim”. E insistia: pode vim de dois a dois; de três a três.... Trinta e oito na cintura e peixeira viva reluzente e reluzindo nas mãos, dispostas a tudo e a todos. E ainda soltava um “relaxo” (uma provocação): Se quiser vim na mão ou no cacete, aí é que eu acho bom”.
Foram então “decretado”, chamar a MATA-SETE, um respeitado e temido desordeiro do lugar, que tem lá seus momentos de sobriedade a quem narraram o acontecido e pediram ajuda para desarmar e amarrar o tal sujeito. “Seu Sete” como é chamado na moral, ainda se arremeteu à empreita, mas, no batente da saída, resolveu perguntar: “Sim, mas quem é que está lá?” E quando lhe disseram que era AGERMIRO DE BASTIÃO, aí Mata-Sete aconselhou: “Gente larguem Agermiro de mão. Será que vocês não têm Juízo?”.
Balbino, filho de “Virisso de Norato”, me conta que numa “tapação” de casa, Agermiro chegou tarde do dia sem ser convidado. O ambiente estava tranqüilo e todo o mundo no “laboro”, numa boa e conversando. Mas quando Agermiro chegou, o clima esfriou. Argemiro puxou conversa e sem mais nem menos foi logo dizendo que naquele “pavoado” não tinha homem. Zé Matias um “rapazote” pacato ali presente, contestou. Daí a pouco sem mais nem menos Argemiro enfiou a faca em Zé Matias e, como troco recebeu uma paulada. Argemiro deixou Zé Matias e prosseguiu “inticando” (procando) com quem estivesse pela frente. “E o almoço daquele dia, ficou para o jantar”.
Esse “confusista” Argermiro de Bastião,noutra ocasião, chegando à casa de Dona Cafusa, uma distinta senhora do lugar, observou sobre a mesa, uma faca tala-larga, 12 polegadas, pontiaguda, amolada. Agemiro pegou a faca que logo declarou-a “bonita e aprumada”; contorceu-a sobre os braços e admirou-a em “horas esquecidas”. Mostrava-se enfeitiçado pelo “ferro”. No pensamento, Dona Cafusa, observando a cena, esconjurou-o o quanto pôde. E quando Agermiro de Bastião saiu dali, ela destruiu para sempre aquela faca. E vociferou: “Ave-Maria-cruz-credo, Credo em cruz, Ave-Maria”!
SEU CIRÇO
Seu Cícero nunca passou de CIRÇO na linguagem daquela gente, que eu não tô nem doido de citar o seu verdadeiro nome. SEU CIRÇO era um pistoleiro fino! Não era de matar pra ganhar dinheiro mas fazia dessas e outras assim... na maior! Ou como dirão por aí: “numa boa”. Chegava a mandar recado e marcar encontro com desafeto/s para troca/em tiro em dia de feira. Por conseguinte era um nome temido e respeitado, porque ninguém era doido, a ponto de querer contrariá-lo. E assim vivia incólume, como incólume vivera por toda a sua vida. Temido e respeitado “por grandes e pequenos”, como diziam.
Eu que ouvira muitas estórias e crimes e bravatas desse homem, eis que pelas encruzilhadas da vida acabei certa feita, indo parar naquela cidadezinha onde morava aquele sujeito famoso e afamado. Também pelas circunstâncias da vida, tinha eu por ali um antigo conhecido que era amigo de primeira hora e até mesmo benfeitor do velho CIRÇO que, naquela oportunidade iria à sua casa para um breve contato. Não perdi a viagem nem a carona e lá vamos nós! Um companheiro de passagem quando soube do destino daquela visita, pulou da camioneta são salvo a 80 por hora! E eu... nem aí...
Sua casa de “poucos têres”, um barracão de palha, tomado de matagal em volta. Uma pobreza! Engatamos numa conversa a pano solto e o velho CIRÇO que nunca se entregou e não era ali que iria se entregar, me contava a verbo livre algumas passagens de escaramuças e trocas de tiro e “paradas” que enfrentara com outros “da mesma cepa”, ao seu tempo. Me disse que certa feita, um seu compadre e amigo chegou a si, com muita cerimônia e receoso de que o amigo reagisse e não se lhe fosse solidário e fez-lhe uma queixa: “Compadre esse seu rapaz F*** mexeu com a minha filha, uma menina de 18 anos. Isso é uma desonra. E eu queria que o compadre soubesse disso e desse um “cobro” nessa desonra” (Cobro quer dizer: uma solução, um castigo, uma providência).
O que compadre?! Não me diga isso! Exclamou o velho CIRÇO. Aí o velho pistola abriu parêntese para uma explicação: “...Era meu afilhado e filho de criação. Gostááááva desse menino como se fosse um filho”. Para em seguida tomar conhecimento que aquele seu afilhado e filho de criação estaria preso numa delegacia a 15 léguas dali, 90 quilômetros. Na mesma hora, velho CIRÇO, amolou seu canivete, arreou e montou na sua burra, trezoitão na cintura e rumou para o local indicado. Chegou lá, dois soldados estavam sentados à porta da delegacia. “Com licença senhores”, disse ele, vou aqui só dar um exemplo para que um moleque não desonre filha alheira. E foi entrando, me disse.
Entrou na cadeia e, direto: “Meu filho não se mexa que só é bom é prá você”. E capou (castrou) o moleque lá mesmo. Em seguida: “Siga caminho daqui pra frente e não olhe para trás, nunca mais”. Pronto, resolvia situação! Disse ele em meio a tantas outras.
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