A CAMINHO DA VILA – Parte-II
(3ª. edição revista e ampliada)
Nove e meia do dia ... estamos entrando nas terras da CONCEIÇÃO. Agora sim, novos tempos! Uma estrada melhor. A VILA está perto, ainda falta só “hora e pouca” de estirão, mas o grotões e os atoleiros ficaram para trás. Daqui para frente só tem mesmo é uns trechos de areal. Os cavaleiros agora já viajam em comboio. Uns perto dos outros e conversam animadamente. Agora já se respira mais feliz, tem umas casas um pouco mais próximas das outras à beira da estrada. E toca a burragem; taca nos bichos: espora nos cavalos ou simplesmente um estalo nos lábios e o animal “entende” que é para andar mais ligeiro. A gente tem que voltar hoje, é claro! No mesmo rastro para chegar em casa no lusco-fusco da noite, porque amanhã é dia de capina de roça. E aquele outro tem empreita numa casa-do-forno. “Mexer farinha do sangau” (sangau: roça pequena, temporona), espécie de aproveitamento da temporada.
Dez horas do dia. Dez . Para chegar na VILA ainda falta “um pedaço”. Até que a gente pode esticar o beiço e dizer que “é bem ali”. E toca cavalo carregado! E bote pé no caminho! E passa Grajaú que, segundo dizem virou um lugar de “gente pobremática”. Ave-Maria-Cruz-Credo! Credo em cruz Ave Maria! Agora já estamos na “ESTRADA”, (quase um bairro de chegada, prenúncio da entrada da VILA. Por aqui já tem barraqueIros que até podem comprar nossos paneiros. Paneieros quer dizer: nossa carga Fazem proposta, botam preço, assediam. Mas o negócio mesmo é na VILA. É como se vendêssemos para tão pobres quanto a gente. Não dá, né?
É na VILA que está a nossa paixão de fazer negócio. De comprar e de vender. Até parece que o dinheiro de lá e as mercadorias de lá tem os mistérios que os outros não têm. Todo o mundo é incutido, encasquetado com a VILA. Hoje eu acho que é porque a VILA é bonita, é movimentada e tem dinheiro. Tem casa de telha, tudo caiada e gente ensapatada. Tudo “vestido nos pano”. As mulheres tem sombrinha, os homem tem chapéu-de-sol e é por isso que a gente bota fé. Logo eu que pensava que a VILA era como se fosse no estrangeiro. Lá tem padre e tem dotô. Prefeito e vereador. De noite tem luz elétrica, É tudo bonito ... tem de um tudo. Só gente letrado, estudado!
Deu dez e meia por aí assim, estamos desde as cinco no caminho - são quase seis horas de estrada e estirão; ninguém para nem pra beber água e quando muito só para urinar ou se o cavalo quiser mijar. “Tirante” daí é só estirão de caminho” siô, com picadas de membeca, muriçoca e maruanha e se parar para mijar ou para outro “preciso”, não acompanha mais os companheiros que foram na frente. Por isso é que tem um ditério: “quer vê se o companheiro anda, é só parar prá mijar, que não emparelha nunca mais”. E é pura verdade! Mas uma coisa é certa: “quando um para pra mijar, ali logo dois, três também quer mijar. Mas tem que ser numa barreira (caminho fundo), que facilita apear e montar de novo, sobre a carga, na cangalha, lá em cima
E lá adiante, todos já “esbaforidos” da viagem mas no pique da cavalgada, a gente pode ver lá adiante um clarão no descampado, “uma casa pertinho da outra” - ah!!! O nosso coração se abre, é o estirão que está acabando. Estamos chegando na VILA. Daqui a pouco é hora de vender a carga. É hora de jogo de cintura. É hora de fazer negócio. É o momento mais importante de toda essa caminhada. Se a carga não está encomendada, é procurar negócio e fazer negócio. Ninguém pode deixar a carga, muito menos voltar com a carga. Isso nunca! E é tudo ali: no ora-e-veja. Se fizer corpo mole “cai na cantada”. Uns sujeitos (compradores) na entrada da rua furaram o paneiro, tornaram furar, “miraram” a farinha, mastigaram a farinha, mas não chegaram no preço. Meu pai não gosta “nem um pingo” quanto o sujeito fura o paneiro e faz pouco caso. Até que enfim, estamos na VILA!
Passamos pelo São Benedito, teve só um “êpa”, o que é que tão levando aí? Mas ninguém botou preço, Bentinho não fez conta, fomos passando de olho comprido, quase já parando no João Pessoa. No canto de João Pessoa ali é um “frejo” (movimento) danado, tem peixe, tem jaçanã, muçum seco, tem arroz-de-toucinho, tem gente pedindo esmola O sujeito é bom de prosa, tem sempre uma oferta mas não deu negócio. João Pessoa, na boca da “cumideira”, (no portal de entrada) só quer galinha morta, censura o sertanejo.
Farinha não tem preço e a nossa é “mais ou menos”. Sabes como é?! Mandioca amolecida no pução! Toca em frente tem Manelãozinho, Hibrahim. João-de-Quirina. Torquato Cebola. Se atravessar lá para “Outra Banda” tem Abacaxé que compra tudo. Mas ali no Torquato Cebola é tiro e queda! Lá a gente tira a carga do cavalo, suspira o sertanejo em esperança! Assim dito, assim feito! Seu Torquato mandou arriar a carga e pagou preço justo, Carga para lá, dinheiro para cá e a camaradagem do Seu Torquato que deixa a gente satisfeito! Melhor ainda se já descontar a agulha, o novelo de linha, o sabão, o café e o açúcar, o tecido e a pedra de amolar. E se for preciso ele ainda vende fiado. Paga na próxima carga. Seu Torquato é gente-da-gente. O patacho; a pedra, o fumo-faria, e a encomenda de fumo-de-mólho e a folha de fumo, compra no Elesbão, na Rua Grande, “quina” com Mansinho. Elesbão!!! Ali é um rico que dá atenção aos pobres e só não comprou a carga, porque os cavaleiros entraram pela Rua do Galpão.
Agora é meio dia. “Meio dia em ponto”. O corpo já está acostumado a pelejas iguais a essa. Sim, mas e a barriga??? Ainda com a espora no pé, cavalos amarrados, vamos ao bar do seu Mindiquinho - esquina com a RIANIL E a pedida é a de sempre: GELADO COM PÃO. Ou, como queiram: um refresco com pão. Coco ou Maracujá? Pergunta seu Mundiquinho. É a refeição do dia. Boia, agora, só à noite, em casa. Na saída a gente dá uma espiada no BAZAR, de Reinaldo Pinheiro. Lá tem de tudo: tem china, tem bola de tudo que é tamanho, tem baladeira, tem faca, tudo enquanto é brinquedo. Chega aquilo cheira! A gente fica babando de ver tudo ali. Tudo novo, tudo bonito. A gente fica doidinho. Ah se eu pudesse!!! Por isso que a VILA tem os seus encantos!
Tá na hora de voltar. Quem gosta de pinga bebe pinga. Mas vem logo um conselho ralhando: “cuidado prá tu não te embebedar”. E aí o cabra fica ligeiro, conversador, bom de prosa, endinheirado, bom de mulher. E o caminho da volta fica mais curto. Sete Inferno e Imbaratuba, na volta não querem dizer nada. E tome espora e tome taca porque até mesmo com a ponta-do-cabresto, cavalo “galopeia”. Na volta, na saída da cidade a gente olha para traz como quem se despede da VILA. Essa cidadezinha de então que tinha luz elétrica das sete às dez da noite; que a luz primeiro pisca e depois apaga; que na nossa cabeça é uma mega-metrópole, uma capital, como uma “cidade dos estrangeiro” mas que não passa de uma pequena província onde só reina o caminhão de João-de-Quirina e um jipe dos padres e que tem uma casas “caiadas” mas que “o povo ee lá só qué sê”.
Quando é no verão, a gente passa naquela mesma estrada “amuntado” na carroceria do caminhão de Pedro MeIo e numa corredeira danada vai passando: Estrada, Conceição. Encruza, Paquetá, Gurguéia, São João, Belas Águas. E cheio de vida, e só de vingança, lembrando o atoleiro de Imbaratuba, Sete Inferno e tantos outros, aí a gente grita para o chofer: “atocha Ribeiro, atocha Ribeiro” ... o caminhão corre, o vento e a poeira batem no rosto, a gente acha é bom e solta o repique: “atocha Ribeiro ... “atocha Ribeiro” ...
EM TEMPO: A minha mãe, DONA LOLA, entre os quarenta e sete e cinquenta anos, fez esse percurso de 27 quilômetros, a pé, em ida e volta, entre a VILA e o interior e vice-versa, acompanhada de um filho de cinco (05) anos de idade. É que, depois de mudar-se com a família, para a VILA, constantemente voltava para prestar assistência ao seu pai (meu avô), doente e prostrado no fundo de uma rede, numa maratona que se estendeu por três (03) anos. Saía da vila às cinco da madrugada, para chegar em casa às sete da noite. Das catorze horas de viagem, duas horas, em média eram dedicadas à conversas que tinha com os vizinhos da redondeza, na pré chegada! Minha mãe, que Deus a tenha...
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