O CABARÉ
Era Terça-Feira de Carnaval. Tava num vazio total. Não estive no “corredor da folia”, nem na Praça da Folia, nem na Beira Rio da Folia. E, de resto a lugar nenhum. Aliás, que isso não é d’agora, faz tempo. Sou assim, fazer o quê, né?! Foi aí que, buscando preencher o espaço vazio, sem corredor da folia e sem outros pontos do fuá, bateu-me uma vontade de escrever um texto que de logo daria o título: A OITAVA MARAVILHA DO MUNDO.
A OITAVA MARAVILHA DO MUNDO, nessa minha hipótese imaginária partiria de um vídeo que recebi, desses que circulam pela INTERNET, cujos pais (cada um com seu lápis e papel) pedem ao filho um garoto de uns três ou quatro anos de idade (também com o seu lápis e papel), que escreva um exemplo da OITAVA MARAVILHA DO MUNDO.
O garoto, um tipo precoce, procurando se desincumbir do exercício, responde: A oitava maravilha do mundo é: ... um beijo, um abraço, é caminhar... e faz um gesto: é comer. Era por aí, para começo, que eu quisera escrever A OTAVA MARAVILHA DO MUNDO, tendo como foco principal uma pequena e amarrotada venda de objetos usados da construção, para fins de reaproveitamento. Tais como: caibros, ripas, tábuas, pernas-mancas, além de janelas, portas, vitrôs, vasos sanitários, pias de cozinha, pias de lavanderia, pequenos móveis e outras restanças em geral – vindos do descarte doméstico e das construções desfeitas.
O empório fica situado no Bairro do Bacuri, numa área livre, embora totalmente entupida de tais materiais, à frente da casa de um velho policial que passou a vida na farda e na policia e aposentou-se como soldado. JUBENIR, o dono dessa OITAVA MARAVILHA DO MUNDO, não aceita pedidos antecipados, nem pedido por telefone, não faz reservas, faz questão de vendeu/pagou, recebeu/levou, também não se faz de rogado: não vive especulando lucros preços ou vantagens. Em verdade, em verdade, um negócio das arábias!
Qualquer produto ou venda que lhe renda ainda que mínima margem, já manda em frente o vaso sanitário, a pia, a madeira, a cama, o fogão, seja lá o que for. E tudo faz para evitar a “montoeira” que se amontoa no terreno à frente de sua casa, onde se reúnem entre fregueses, aposentados, simpatizantes e outros – todos ao comando do vendeiro que põe apelido em todo o mundo, tira sarro da cara de todo o mundo, ele que diz que “aqui a fila anda”; ele mesmo que repica: AQUI A MOLECAGEM É GRANDE. Era sobre essa OITAVA MARAVILHA DO MUNDO que eu quisera escrever.
Ocorreu, porém, que no percurso, naquela tarde de terça-feira de carnaval quando eu pretendia escrever sobre essa OITAVA MARAVILHA DO MUNDO, um fato inusitado, mudou radicalmente o meu roteiro. E, ao invés de abordar essa MARAVILHA então resolvi escrever: O CABARÉ. Predestinado, comecei então lembrando que de velhos tempos nem tão distantes, a nossa capital, tida como a “cidade dos azulejos”, então feita de ruas estreitas, colonial, também era marcada pelos seus CABARÉS, que era a chamada ZONA – ZONA DO BAIXO MERETRÍCIO - casas de mulheres livres, que recebiam homens na noite. Delas com o seu requinte, música ao vivo, mulheres famosas, atraentes, bonitas. A ZONA, quer dizer o CABARÉ era um território de tudo e de todos. Lá mesmo, também, a parte central valiosa e a periferia inferior, feita de quarentonas... e balzaqueanas...
Mas não se pense que para lá iam só os bebuns, os lisos (sem dinheiro), marinheiros, embarcadiços, estivadores, os dispersos, os estudantes. Negativo! Lá também frequentavam jornalistas, políticos, intelectuais, professores, empresários, patentes do Judiciário e outros doutores - endinheirados e tantos mais. Delas que lá mesmo namoraram e de lá saíram para casar. E casaram! A crônica antiga da capital, feita de boca-a boca e conversas ao pé do ouvido que retratava a vida no cabaré, também insinuava sobre diversos casamentos – tidos, havidos e dali saídos.
Foi lembrando esse CABARÉ ANTIGO que, de mera lembrança, fui parar em outros que um dia pulularam por aqui: Cacau, Mangueirão, Cabaré da Preta, Cabaré da Maria Boêmio, Pedreirense, Raimundo Cheiroso e o longevo “Farra Velha”, cujo nome em quase meio século até hoje, porque não sei, me causa aversão e arrepios. E então quando eu me articulava já com os “pilares” firmados para escrever sobre aquela OITAVA MARAVILHA DO MUNDO, em venda de descartes, o que vejo? Na porta de casa de família, terça de carnaval, quatro da tarde, cervejinhas pelo meio, musiquetas também, como se estivessem esperando a banda passar, duas moças – digo moças - sentadas ao colo dos seus namorados, entre acariciando e sendo acariciadas explicitamente, publicamente, vexatoriamente. Tão banal, não é?!
Nestes tempos em que a namorada dorme na casa e no quarto do rapaz e o rapaz dorme na casa e no quarto da moça, tanto lá quanto cá na fuça e na conivência ou na omissão de papai e mamãe, seja esperando a banda passar na Godofredo Viana, seja no dia a dia e nas noite a noite, nas casas de família, O CABARÉ ganhou uma nova leitura, novo aspecto com os namoros dos filhinhos e das filhinhas que... não devem ser incomodados, porque “se é de “ficarem por aí, que fiquem em casa mesmo”. Tão banal, não é?
De lembrar, porém, que os CABARÉS DE OUTRORA não praticavam semelhante condutas, tão explícitas, tão imorais, tão vergonhosas. Mas como na lição do meu avô: “a vergonha é pra quem tem”. E se aqui eu ressuscito o meu avô, também peço desculpas àquele ANTIGO CABARÉ, d’onde mulheres saíram para casar. E se lá dentro entre quatro paredes, tanta coisa houvera de acontecer como obviamente acontecera, todavia aqui fora, no salão, nas mesas ou na porta da rua, quanto nas casas de família, o lado moral, o comportamento e o RESPEITO haveriam de prevalecer. E isso era a imutável e exigente regra do jogo. Os tempos mudaram. O CABARÉ de outrora era discreto por trás das portas fechadas. Hoje o CABARÉ É NA PORTA DA RUA, é dentro de casa ao lado de pai e mãe porque “se é de ficarem por aí, que fiquem em casa mesmo”. Simples assim, não é?!
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