A ONÇA DO ITINGA
O exercício do escriba tem lá uma “bactéria” resistente, que não se dá por vencida. Com o tempo cria calo e continua regurgitando, viva, reciclando. Assim são uns temas que os escrevo e que continuam despertando outras tantas edições. Cada qual com uma nova leitura e, tantas vezes, sem uma única linha da vertente anterior. Vitalidade da bactéria do escriba!
Assim foram temas tais como: “Zé Bicudo”, aquele sujeito que tinha fama de virar bicho; “Mãe Nonata” – uma otcogenária senhora, reciclada do escravagismo que tinha o ofício de “acompanhar” moças nos caminhos e terreiros de festa; lendas de “Currupiro” outras visagens lá das bandas de onde eu vim. ELIAS DO BOI, um velho personagem da cidade em torno do qual já escrevi várias vezes. Numa delas o multimídia e saudoso ROBERTO MARTINS, com exercícios no rádio e na TV me fez uma festa e me deu um “diploma” de reconhecimento público.
Virisso de Norato, um roceiro que comia por todos nós, revirei-o pelo avesso em vários textos. Personagem esquecida, quem sabe afetada pelo antibiótico dos neurônios, foi uma cachorra que tivemos em tempos de roça e meio do mato. O Dr. Joacilo até hoje, quando me encontra refere-se à CAÇADEIRA, uma fiel companheira que aplacava os nossos medos em caminhos ermos ou mato a dentro. Cacau, Mangueirão, Quatro Bocas, Restaurante Tapióca, Nova Imperatriz e outros “p.teiros” sempre foram meus temas recorrentes. E assim tantos outros.
Quais a esses resistente aos antibióticos da veia do escriba, também ressurgiu impávida, inteira, carnívora, mamando leite na mamadeira e prestando-se para fotografias e para o forro do bolso do seu dono e fotógrafo, eis aqui, de volta... mais uma vez... A ONÇA DO INTINGA! Você que me lê agora, lembra-se da ONÇA DO ITINGA? E então, vamos viajar nesse pau de arara da vida!
Anos. 70! A Imperosa como sempre aquele cavalo bravo, indomável! Os caminhões madeireiros faziam a riqueza de uns, a miséria de outros, os estragos e as mortes tantas que se registraram. As madeireiras, por aqui, eram, simultaneamente o ponto-final e os entrepostos de convergência dos estragos da Amazônia, delas que tocavam fogo nos sarrafos, no próprio pátio, vi isso! E as usinas de arroz, de vento em popa, poluindo a cidade? Madeireiras e arrozeiras uma fonte de riqueza que os exploradores deitando e rolando, pensavam que fosse para o resto da vida. E os IBDF ou IBAMA’s da vida nem aí porque o negócio era desmatar e tocar fogo e plantar capim. E criar gado. Quem viveu há de lembrar.
De lembranças essas, Cacau, Mangueirão, Farra Velha, O Pedreirense, Seu Godô, Raimundo Cheiroso, Quatro bocas reinavam na pândega como num velho oeste texano. E o Chatô da Vó, no Cacau, com bacia, sabonete e toalha era o motel da cidade! Velhos tempos aqueles tempos. É ou não é? O Tetéu da Madrugada da Maria Iolete resistiu e passou à posteridade. E o local, por ali, até hoje continua terreiro de rufiões e “doidivanas”. Taí a Pedrina e vizinhança que o digam. Enquanto isso uns tantos que vieram intencionados e decididos do velho Goiás e até mesmo das bandas do “japão” maranhense, faziam a grilagem e a pistolagem por aqui. Quem viveu há de lembrar. Hei tempão, sô!!!
- É desse tempo a ONÇA DO ITINGA. Lembra da onça do Itinga? A onça do Itinga que posava para o seu dono e fotógrafo tornaram-se “personagens” da cidade. Nesse tempo eu acho que era o IBDF. Fosse IBDF ou IBAMA, nem aí pra onça do Itinga nem para o seu coadjuvante. Itinga, você sabe, 120 quilômetros distante de Imperatriz. Então o “partner” do mamífero-felino, punha o bicho dentro de uma improvisada e grotesca gaiola de madeira, dentro do bagageiro do ônibus e lá vêm os dois com destino a esta Imperosa de todos nós, pra ganhar dinheiro e fazer a vida!
Aqui, o amigo da onça, tirava o felino do bagageiro do ônibus, punha uma corrente no quadrúpede e, nas noites, quais as mariposas atraídas pela luz fluorescente, lá estão os dois: o homem usando o bicho e o bicho sendo usado pelo homem. Um par perfeito, na composição da exploração. Ainda que ferindo à civilidade, não resta dúvida! Aí, o proprietário da pintada, esperto e sabido, procurava os cabarés que infestavam a cidade: Mangueirão, Cacau, Quatro Bocas, Farra-Velha. E, nessa onda, também os praceados dos circos, dos parques de diversão, na frente do campo de futebol. Enfim, onde tivesse gente.
E aí era mais quem queria tirar fotografia ao lado da onça! Era o tempo do monóculo. Lembra do monóculo? Aí o dono da armadilha, pegava uma mamadeira e o “Chico” deixava-se corromper por uma mísera ”mamada”. E ali os dois - o dono e o bicho curtiam a mamata. E haja retratos, que era onde residia o objetivo final daquela empreitada: os retratos, os monóculos. E a “peãozada”, curtindo adoidada a ONÇA DO ITINGA. E nessa onda até a garotada: “Paê, quelo tilá um retato”. O pai acabava cedendo ao filho. E haja retrato! E haja monóculo”! E a ONÇA DO ITINGA era um sucesso nas noitadas por aí!. E, claro, o dono da onça forrando o bolso!
Teve um cara que escrevia uma coluna no jornal, um tal de... CLEVIEGAS com sua coluna VISÃO GERAL. E mandou chumbo no dono da onça com onça e tudo, falando do desvio ambiental, do perigo que era aquilo, inclusive da omissão das autoridades competentes, etc e tal. No dia seguinte o dono do “Chico”, foi bater no jornal. O Jurivê estava no batente. Jurivê tirou o braço da seringa e mandou o cara se ver com o CLEVIEGAS, o autor da matéria. Aí o cara foi chorar as pitangas e pedir penico pro CLEVIEGAS: Disse que pegou o Chico ainda criança, que foi criado no leite de gado, comendo do bom e do melhor, que era tranquilo, que era inofensivo, que nunca ofendeu a seu ninguém. E que, afinal, era o seu meio de vida. Na edição seguinte o CLEVIEGAS compareceu com “A Onça do Itinga Não Come Ninguém”, que era como as pessoas, na troça, diziam uns para os outros.
E Chico bailava nas noites, nas portas dos cabarés, no terreiro dos circos, e dos parques de diversão e onde tivesse rufiões e doidivanas ou uma luz acesa com música por perto. Ou um caminhão madeireiro estacionado numa porta de mulheres livres - CHICO e seu amo estavam por lá. Fazendo o quê? Tirando retrato. “Paê, paê, quelo tilá um retato”. E papai conivente e pressionado, fazia um retratinho com o seu filho do lado da onça e a onça tomando seu gomoso na mamadeira porque “quem trabalha de graça é relógio”. Era o preço da corrupção. O homem corrompendo o CHICO e o CHICO corrompendo o seu dono. E a mulherada aventureira dos cabarés? Ora se não! Também tirando retrato e aparecendo de heroínas ao lado da ONÇA. E o seu parceiro era quem pagava a conta. E a peãozada e o povão, na chacota, falando das vida dos outros: “Fulano é como onça do Itinga, não come ninguém...” Lembra dessa, né?
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