A SAGA DE “SEU OSMAL”
Dona AGA-EL era uma viúva bem comportada, discreta, trabalhadora. Determinada. Na dela. Ficou viúva ainda em boa idade. Sozinha, tocava uma pensão e dormitório popular naquela cidade e naquela rua que veio a ser o metro quadrado mais caro do planeta, por aquelas bandas. Nessa batalha diária, pensão, dormitório, gente que chega, gente que sai, atendimentos diuturnos e à qualquer hora, dona AGA-EL foi-se cansando do ofício. Mas eis que lhe aparece um hóspede “diferente”. Uma voz máscula, sedutora; interessado e interessante, um olhar atravessado daqui, uma meiguice dacolá, despedida em “adeus e até a próxima”. Nada não, era SEU OSMAL, um gentleman em carne e osso!
Seu Osmal era “ALHEIRO”, um cearense ajeitado, sempre pronto, bem vestido, um tipo nordestino que caía no mundo vendendo tranças (ou fieiras) de alho, ao ombro, inclusive nas feiras. Lembra do tipo? Desapareceu por aqui. Nessa andança, sempre em hospedagem na pousada de dona AGA-EL, “o homem do alho”, maneiro e “retado”, galanteador, vozeirão, foi ficando manso, ganhando espaço e as atenções da dona da pensão.
Durante o dia SEU OSMAL rodava a cidade, tranças de alho ao ombro, amealhando a sobrevida. E quando chegava ao fim da tarde, vinha se aproximando sonso, freguês, maneiro e manso. Sentava-se ao terraço, debaixo de um pé de manga ali existente e de fininho, discretamente e sonso, tomava suas pingas e fumava o seu cigarro, sorvendo a vida e declaradamente morto de apaixonado pela dona da pensão. Esta por sua vez, viúva de respeito e considerada até pelos frades da igreja franciscana, ficava entre a cruz e a espada. O que os padres iriam dizer?!, conjecturava. Nessa tentação acabou se entregando aos apelos do coração.
E, nesse transe, quando se deram por conta, estavam acasalados, ali mesmo na pensão, sem medo de ser feliz. Afinal ele dizia-se desimpedido, solteiro convicto e ela viúva-da-silva, estavam livres para voar e deitar e rolar. E ainda que a coroa estivesse com um pé na frente e outro atrás, ponderou que era “de maior”, desimpedida, independente e dona da sua vida. Tinha um casal de filhos, é verdade, mas ambos pacatos e pacíficos, que mais tarde foram morar nos E.U.A., eis então que as razões do coração falaram mais alto. E nesse idílio, ainda que tremendo na base, a sorte estava lançada! “Alea jacta est”, qual um Júlio César, Imperador Romano ao cruzar com suas falanges o Rio Rubicão (49 a. C.).
E então SEU OSMAL, que ali já se hospedava havia tempo, perscrutou o recinto e já foi chegando com uma ideia inovadora! Demonstrou que naquela área à frente, sombreada por mangueira em copa, poderia ali debaixo fazer um lindo barzinho, em madeira envernizada, estilo rústico, coberto em palha, para servir bebidas quentes com gelo em cubo e água de coco, atraindo gente grã fina e endinheirada e multiplicando os ganhos. Dona AGA-EL ficou ma-ra-vi-lha-da com a ideia! “Ora, como é que eu nunca tinha visto uma coisa dessa”?! Ter um homem na companhia é que é! Alegrava-se.
E então, da noite para o dia, lá estava o barzinho prontinho, servindo bebidas de todos os tipos com gente de todos os naipes, tudo como o ex-alheiro previu. E seu OSMAL que não precisava mais sair com o alho nas costas nem enfrentar o sol a sol para ganhar a diária e pagar passagem e hospedagem, estava feliz da vida, rindo com as paredes e, naturalmente, com o burro à sombra. E, ainda por cima bebendo suas pingas sem pagar, comendo do bom e do melhor. E dando as cartas na hospedaria.
Até que o negócio ia bem. Dava pra segurar, legal! Mas aí a cidade foi crescendo e com aquela hospedaria modesta e aquele barzinho de palha no coração da cidade, a especulação imobiliária, caía matando. E dona AGA-EL se segurando, mas aí veio um banco federal e a dona da hospedaria não aguentou a pressão do vil metal. Uma dinheirama! E dona AGA-EL virou milionária da noite para o dia! Seu OSMAL que não era de dar ponto sem nó, afinal de “alheiro” passou a coadjuvante daquele negócio, logo emendou uma solução salomônica: comprariam um terrenaço à beira da cidade e lá fariam de tudo: um barzinho nos mesmos moldes, mais outras tantas guloseimas, mas isto e mais aquilo. E um “evento” de vez em quando. E tudo o mais. E assim fizeram.
Dona AGA-EL que tinha jeito para a coisa, complementava a renda e fazia festas: Festa da Rainha do Algodão, festa da Rainha dos Estudantes, festa da Jovem destaque do ano. E para bombar mais ainda levava cantores de apelo popular tais como Pinduca, Alípio Martins, Carlos Alexandre e outros. E aquele jovem pomar com dona Aga-EL e SEU OSMAL ganhando dinheiro, era uma festa só! E tudo transcorria às mil maravilhas. Não tinham filho/s mas um papagaio chamado “meu louro” preenchia o vazio e era o xodó da família.
Aconteceu porém que aquela região um tanto depois, virou um logradouro de pistoleiros e outros bandoleiros e outros tantos forasteiros todos que SEU OSMAL conhecia “como a palma da mão”; todos protegidos e “coloiados” por um “sujeitim” que falava de si na 3ª. pessoa existente naquelas bandas e que se vestia de o “inventor da roda”. Ocorreu que deu uma “zebra” lá por cima e a “cana grossa e pesada”, foi bater no estabelecimento do Seu OSMAL que no papo-vai, papo-vem, entregou a máfia de um por um, com nome, codinome e sobrenome. E a muralha de chumbo e cana caindo sobre a corja! Haja estrago!
Gente que foi embora, gente que desapareceu, gente que amanheceu e não anoiteceu, gente que se escafedeu, neguinho que não aguentou o tranco e... morreu. Mas pouco depois a onda da “pressiga” passou e seu OSMAL naquele terreiro íngreme e insalubre, ficou sem chão. E, como delator, também anoiteceu e não amanheceu, capou o gato, foi embora, se escafedeu. E nunca mais voltou ao lugar que era seu. E ainda assim falava com o papagaio ao telefone: Meu louro! Meu louro!
Do meio do mundo ligava para dona AGA-EL e metia bronca: “Eu só quero a minha parte”. Trabalhei vinte anos e tantos anos e quando mudamos para o “terreno”, tudo começou do zero. Agora eu quero só a minha metade. Dona AGA-EL, ex-apaixonada e encurralada, ponderava que toda a origem era dela; a herança de viúva, a hospedaria vendida por milhões e até o investimento no terreno que virou pomar, era tudo seu. E SEU OSMAL, o antigo “alheiro” contra-atacava: E os meus vinte e tantos anos, trabalhando noite e dia? O ex-casal em tudo divergia. Em tudo, menos no amor em comum que tinham pelo papagaio da casa. Este que falava ao telefone com Seu OSMAL e dizia: “Seu Osmal!... Seu Osmal!” momento em que todos choravam ao telefone. E dona AGA-EL resumia a sua sina: “Maldita hora, maldita hora... Eis a vida e os retratos da vida!
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