O CASTRO
São Luís, antigamente, na região do centro, hoje centro histórico, tinha diversos pensionatos seja para rapazes ou para moças, que eram estudantes, cujos pais moravam no interior. E assim a velha capital abrigou pensionatos tradicionais, os quais além do teto (da morada), também serviam alimentação. Era, sem dúvida, um ambiente coletivo por excelência. Muitos desses pensionatos se destacaram e pontificaram na capital, na região do central da cidade, quer pela prestação de serviço, pela seriedade, pela sociabilidade.
Na área masculina havia o Centro Guaxenduba, na Rua de Nazaré, mantido por um segmento da Igreja Católica. Na área feminina teve o Lar Maria Gorete, o lar universitário e vários outros, principalmente para rapazes. De sorte que lembrar hoje da figura dos antigos pensionatos existentes na capital, a lembrança remete a um sabor de nostalgia, de romantismo, de marcas do que se foi e a até mesmo de um saboroso “flerte” ou “paquera” – que era a iniciação para o namoro contido, feito com uma intensa dose de responsabilidade e respeito como era naquele velho tempo.
Muitos dos pais, do interior, sustentavam suas filhas ou seus filhos nos pensionatos, a duras custas tantas vezes - em prol da escolaridade, da formação e do futuro daquelas criaturas. As moças, verdadeiras joias preciosas da família eram como que confiadas e recomendadas à co-responsabilidade da direção do pensionato, ainda que simbolicamente e nas sagradas intenções dos pais que ficaram e viviam no interior. Era assim naquele velho e consagrado tempo dos pensionatos, na composição da capital.
Em meio aos diversos pensionatos da cidade, existia um que ficava na Rua de Santana, a dois passos da Rua do Passeio, perto do canto da Viração. Era o PENSIONADO DE DONA ZÊ. Dona Zê, para quem a conheceu, foi um dos maiores repositórios de tolerância, paciência e humildade que o seu mundo já viu. Cedeu uma grande sala à frente para a morada dos rapazes e morava nos demais cômodos, para trás, com uma filha e três sobrinhos. E era vítima da ira de um “irmão” quando alcoolizado, que queria a sua meação do imóvel. O sofrido pensionato era o seu meio de vida.
Em meio aos seres humanos você sabe, cada indivíduo é um universo. E lá não era diferente. Teve o JONATHAN, meio que metido a “hippie”, daquele movimento de protesto dos anos 60. Teve o Aquiles ou Aquilão, um bom sujeito. Certo domingo Aquiles foi à praia com seus colegas. Já passava de duas da tarde, era hora de pegar o caminho de volta. Aí um deles gritou: “Vambora Aquilão”!!! E ele respondeu. “Vou dar o último mergulho”. Foi o seu último mergulho em vida, nesta vida e ficou morando para sempre no fundo do mar.
Tinha o LETRA “EFE”. Moço calmo, comportado, exemplar, que recebia todos os mimos e guloseimas dos seus pais que moravam no interior. Era o xodó da Dona ZÊ. LETRA EFE, mais tarde, escreveu um livro sobre o pensionato e lembrou uma crítica que um anônimo hóspede, o temporário CLEVIEGAS, escreveu no Jornal Pequeno, abordando sobre o soturno da Biblioteca Pública, com o título LAMPARINAS PARA A BIBLIOTECA. Um texto bem humorado!
O grande destaque da casa era, para uma lembrança quanto esta, o CASTRO. Rapaz do interior, Região do Mearim, bancado pela viúva sua mãe, matriculado em escola particular. CASTRO não era lá de escola e gostava de tomar uma pinga aos domingos. Era o seu piquenique favorito! Esticava a sua rede no meio do grande salão, garrafa de pinga pura ali ao lado. Quando começava a beber, ficava vermelho como um peru de roda e não dava uma palavra com seu ninguém. De quando em vez, porém. cantarolava um refrão: “este sambinha / este sambinha / este sambinha”. Nesse clima, lá pelas dez do dia, aparecia sua namorada LETRA M, fina flor da discrição e da castidade, educada, linda, moça de família abastada e tradicional do São Pantaleão, no centro histórico, que DONA ZÊ a recebia como numa bandeja de prata.
A moça sentava-se ao corredor, fora do quarto, em frente ao seu namorado e fazia de tudo par agradá-lo e servi-lo. Levava tesourinha apara aparar-lhe as unhas, pacotinhos de tira gosto e até algum dinheiro para eventuais coberturas. Quem sabe até para o complemento da pinga, se necessário. O CASTRO, porém, nem aí... e permanecia caladão, indiferente, na dele, vermelho como um peru de roda e emendando uma após a outra, na maior “cera” da paróquia! De quando em vez, porém, ele soltava o seu refrão: “Este Sambinha, este sambinha, este sambinha”. E era só!
Pouco mais de meio século depois, lembrei-me dessa passagem da vida real e resolvi rabiscar este texto. (Texto que fiz, com a edição (redução) necessária, para a Crônica PÁGINA DE SAUDADE, há 12 anos no ar, Rádio Mirante/AM, domingos, oito da manhã, programa CLUBE DA SAUDADE há trinta anos no ar, em cadeia com mais de trinta (30) emissora em todo o Estado.
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