CARA A CARA COM O INIMIGO
(2ª. edição: revista e ampliada)
Sete da noite! Feriado nacional! Estou envolvido com uma defesa criminal: lesões corporais, justiça com as próprias mãos; cerceamento de defesa, suspensão do processo. De repente... dou com um par de olhos a poucos passos, dentro do meu terraço. Fiquei estático e o sujeito também – cara a cara – olho no olho! O momento foi tenso! O sujeito menor e mais fraco e eu na suposta vantagem, porém sem uma única arma, sem nada. E ele? E estamos ali, tensos. Ele sem dizer nada e eu também. E os dois ali, olho no olho, Encarando-o, vi que os olhos do cara fumegavam! Era um momento único!
O sujeito, ao que notei, não era de violência, mas de furtar, surrupiar. Um vândalo. É um malfeitor, um facínora, um tipo que, por questão de foro íntimo não posso aceitar. Raciocínio rápido, foi tudo uma questão de segundos e... de repente mais um, mais outro companheiro do cara, todos ali, dentro do meu terraço. Não tive dúvida: são ladrões, malfeitores, desocupados - desses que agem na noite. Malfeitores profissionais – pústulas do social - que se escondem durante o dia e que são estroinas quando o sol se esconde. Não tive dúvida: ESTOU DE CARA COM UM NEFASTO!
E agora, José? Perguntei a mim mesmo diante daquela inusitada situação. Logo os companheiros de vadiagem, como quem procura posição e estratégia, postaram-se à escapatória, nas laterais. Num instante dois deles desapareceram. Imaginei que adentraram a minha casa pelos fundos. Talvez voltaram pela frente e esconderam-se por entre os açaizeiros que me fazem sombra. E ficamos só os dois ali... olho no olho.... E nesse cara e encara o sujeito também desapareceu. Pensei: vai juntar-se com os seus parceiros, quem sabe nas dependências escuras aos fundos da minha casa. Sei lá!
Corri, liguei as lâmpadas, rodei para um lado e para outro e nada! Tranquei o portão e nada! Recuperei-me do aborrecimento, adrenalinas nos lugares e... novamente... volto à lida: lesões corporais, justiça com as próprias mãos; cerceamento de defesa, suspensão condicional do processo. O viso da condenação e a esgueira da defesa. Tudo saindo da mente e escorrendo pelos dedos. Meia hora depois, olha quem está lá novamente, cara a cara comigo! Os caras de ainda agora: três gatos da vizinhança!!!
TEM CADA UMA!!!
Já disse que venho de um chão de todas as crendices, todo mundo sabe disso. E até justifico: capoeirões de analfabetos; povo sem luz elétrica, sem informação e sem mais nada, dá no que dá: analfabetismo tomando conta e crendices se espalhando por todos os lados. Assim é que tínhamos ZÉ BICUDO virando porco - lobisomem tido e havido mesmo depois de sua morte e confirmado até hoje. Lá no campo “curacangas” em puro fogo debatendo-se umas contra as outras; gente que se escondiam por trás de uma folha; outros que tinham reza-forte. Outros em corpo fechado. “CURRUPIROS”. Feitiços e outros mais. Venho desse gueto. Saí da crendice mas... a crendice não saiu de mim. Fazer o quê? “Cada qual para o que nasce, cada qual para o que nasceu “ – é um ditério que cultivo e não arredo.
Ainda hoje, quando volto naquele meu chão, vejo desfeito o local da encruzilhada em que Zé da Gorda virava lobisomem. E a Tapera de Bambá? Onde assombrações tinham lugar cativo, fosse noite ou fosse dia?! Como assim declaravam os caminheiros daquela estrada fria e sombria. Eu, que fugi cedo daquele capoeirão, não posso negar: fui picado pela mosca da crendice. E quando volto por lá, estou sempre recosturando lendas, lugares e personagens que fizeram o falatório e os “couros arrupiados”, de um tempo.
Ultimamente, é bem verdade, com luz elétrica que chegou por ali, o bolsa família que também chegou, o ônibus escolar; o dinheiro das aposentadorias rurais que se espalha, luz elétrica, parabólicas, enlatados; antena de TV, cerveja gelada, e roceiro com brinco na orelha, as coisa mudaram - os costumes são outros. Não se fala mais em Zé Bicudo, o labisonho de outrora, quase não se fala mais em “CURRUPIRO” E a aquele meu chão de capoeirões – justiça se lhe faça: está geneticamente modificado! Até a “fazição” da farinha segue regras orientadas pela oficialidade. Mas... agora... olha o que vem de lá!!!
Aquelas terras deixadas pelo meu velho pai, estão relegadas ao abandono. Uma dor que me dói! Então as pessoas em volta, sem escrúpulos, dilapidam o quanto podem. Nesta época, um pequizeiro-da-mata, plantado pelo meu velho pai está em florada. E torna-se, ali debaixo, um comedouro das raras caças-do-mato. ZECA DE PAULO, “piseiro” de lá de dentro e de olho naquele oásis, logo viu rastros de veado – um animal ali extinto, faz anos! Na calada da noite seguinte estava de arma em punho. Foi quando um veado-fêmea apareceu como o seu filhote! ZECA DE PAULO puxou o gatilho de sua espingarda e a mãe caiu ali, inerte. E foi para a casa com a sua presa nas costas. Em casa, porém, mal arriou a caça ao chão, quando percebe que um estranho vulto rodeava-lhe a casa. Em seguida um estrepitoso e estranho assovio que deixou a todos assombrados. Sentiram ali um presságio negativo. Coisa de “CURRUPIRO”. Taí! Quem mandou matar a “veada”? Ave-Maria-Cruz-Credo!!!
No dia seguinte, ZECA DE PAULO, “piseiro” daquele oásis, estava novamente rente, no ponto, à espera do veado, pai do veadinho órfão e companheiro da fêmea que virou carne, debaixo do pequizeiro em florada... Era sete da noite quando o mateiro surgiu esgueirado e volátil, sagaz, ligeiro, como a velocidade do pensamento. Aí ZECA DE PAULO, atento, com espingarda em cão engatilhado, “focou a lanterna”, fechou um olho, mirou no bicho e... puxou o gatilho. O eco criminoso espargiu no matagal; o cano da espingarda explodiu na cara de Zeca de Paulo!!! Risco de vida e morte! E o veado que amarga a viuvez com dias contados, ali, cara a cara com ZECA DE PAULO, com se nada tivesse acontecido. Agora as línguas todas dali dizem que tanto o vulto quanto o assobio em assombração e o estouro da arma e o veado cara-a-cara, teria sido obra de “CURRUPIRO” – uma entidade das matas e protetora das caças. Será!!!
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