... OLHARES RUMO AO INFINITO
Mestre Wady Sauaia, um dos maiores luminares do direito na esfera civil e processual civil e de resto em todos os escaninhos da esfera jurídica – que os meus olhos já viram – quer como operador do direito, quer como catedrático, conta no seu livro CENAS QUE FICAM que, então estudante e compondo uma delegação dos alunos do COLÉGIO CISNE, da capital, liderados pelo seu titular Professor Mata Roma, foram fazer uma visita, no Piauí, a um velho amigo do mestre, o decano e intelectual DA COSTA E SILVA.
Ao chegarem à sua residência, enquanto a esposa do homenageado fazia as honras da casa, Da COSTA E SILVA permanecia sentado, calado, cético, distante e indiferente a tudo e a todos aqueles ali, pois que o velho mestre e poeta, pela doença que lhe afligia, ignorava o mundo ao seu redor. Mestre Mata Roma fazia-se desolado diante das lembranças do amigo e não cabia em si e não acreditava diante do que via. A mulher do moribundo Da Costa e Silva, então, tentou uma abertura: “... São teus amigos do Maranhão, que vieram te visitar”. E então, permaneciam todos a pleno silêncio, enquanto que aquele senhor olhava para lugar nenhum, como se nada estivesse à sua volta.
Passado algum tempo despediram-se, todos varados do sentimento de dor pelo quanto presenciaram. E só quando já estavam saindo, o velho e moribundo e terminal decano Da Costa e Silva balbuciou: “... Vocês vão para o Maranhão, lembrança para o meu amigo Professor Mata Roma”. Mestre Mata Roma, perdido em seus pensamentos, incontido em si mesmo como quem não acreditava diante do que acabara de ver e de ouvir, seguiu em frente, sem olhar para trás e sem nada dizer.
E eu, que falo aos ventos e às paredes e que me proclamo “questionador do social”, quando da leitura, ficava a procurar e a entender todos aqueles olhares: o da mulher de da Costa e Silva, diante do marido morto-vivo, em dias contados; os olhares feridos dos alunos daquela expedição que voltaram carregados de desânimo e do mestre MATA ROMA, que, compungido em sua dor e frustração, não teve sequer coragem de voltar a rever o quanto acabara de ver. E de ouvir.
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Longe vai aquele meu dourado tempo colegial, quando ouvi uma frase que dizia que “o amor nasce de um olhar”. Daí então pelas auroras da minha vida, passei a observar e buscar entender sobre os permeios de que “o amor nasce de um olhar”. E fui ao longo do tempo, me convencendo de que essa premissa que tem um sabor de poesia, do enlevo da alma, dos enlevos da vida. O tempo colegial se foi, as engrenagens da vida também se vão desfazendo quais as nuvens no infinito mas O OLHAR - esse, a cada tempo que passa me traz uma nova leitura, me faz um novo ditado, reescreve sobre as marcas que marcam o meu existencial: Humano, cristão e indivíduo do social.
É manhã na RUA GUANABARA por aqui. O sol no horizonte começa a aquecer. No meio daquela sala, fecha-se a urna fúnebre e embarcam-na no carro que levará o patriarca até a sua última morada. Multiplicam-se as lágrimas, os choros, intensificam-se as dores. A angústia se espalha e contagia. É quando desço a calçada e atravesso a rua. E vou seguindo a pé. E posso ver que do outro lado da rua, ali está um homem, um filho que guarda no seu rosto, no corpo na alma e no sangue a cópia do patriarca cujo corpo segue à frente do cortejo.
Olho então para aquele homem - aquele filho - e vejo que ele tem um olhar rumo ao infinito, rumo a lugar nenhum. Um olhar travado pela dor da sua alma cristã. O seu olhar me indica que está ali um homem transtornado, fora de si, ferido na sua dor, amargurado, torturado na angústia do seu calafrio moral. Tive então que compreender que aquele seu olhar rumo a lugar nenhum fazia-se de um ser perdido em si mesmo, disperso na sua dor e submerso nas profundidades de uma terrível e insana crise existencial. Foi como entendi. E nunca, vi um olhar que se fez tão excruciante a um filho diante da partida do seu pai. E aquele olhar feito ao transtorno de um homem transtornado, nunca conseguiu se dissipar do meu imaginário embora os dias primeiros tenham sido mais tormentosos.
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O mundo deu poucas voltas, agora estamos no CENTRO ESPÍRITA, na Rua Simplício Moreira. Na semana passada, como que diante de um raio que volta a cair no mesmo lugar, lá estou eu diante de um OUTRO OLHAR. O ambiente anunciava que o patriarca jazia inerte e “sem vida material” na urna, no meio do grande salão aos minutos finais da sua partida rumo ao pó de onde viemos. Dois de seus filhos, semelhantes em tudo entre si, desde os gestos, a postura, o comportamento, fiéis e amáveis ao pai e a tudo, tanto quanto este fora com seus filhos - punham-se à cabeceira da urna, como guardiões fiéis e inarredáveis naquele momento de dor. Momento digo eu, quiçá para eles, uma intransponível eternidade de dor.
Pude perceber então, que um deles, o que se me afigurou ligeiramente mais corpanzil, emitia um olhar também travado, rumo a lugar nenhum, lento, surdo-mudo, nem irrequieto nem estático, mas de uma profundidade imensurável e indescritível. E no meu imaginário de quem observa o olhar desde os tempos colegiais e pelas auroras da minha vida, eu tentava ler a incontinência, a dor, o amor, o sentimento, a angústia, as tormentas, as agruras daquele filho. Ao passo que aquele outro, tão GÊMEO deste outro e UNIVITELÍNEOS entre si, comedidos como são, também do seu OLHAR apagado e entre irrequieto e estático, emitia os mesmos sinais de amor e dor, de sentimento e tormentas, porque a UNIVITALINEIDADE que emerge do físico, transcende da ALMA.
Finalmente, aqui, o meu gesto de SOLIDARIEDADE e RESPEITO aos familiares de SEU VERAS, na Guanabara e aos entes do SEU MESQUITA, no Centro Espírita, na Simplício Moreira. Certo ainda que sob as arquiteturas do CRIADOR, “...a vida continua” ...
Edição Nº 16485
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