“O PAPEL AGUENTA TUDO”
Nos anos 1960, do Regime Militar, os órgão de Imprensa estavam sob vigília do Poder. A imprensa escrita de esquerda (Jornais e outros), tantas vezes de última hora e até mesmo atrasados da hora, tinham que desfazer, desmontar suas edições. Era um sofrimento. Um arraso! E então, tantas vezes, para cobrir a lacuna, jornais preenchiam o espaço proibido com RECEITAS DE BOLOS E DOCES e outras guloseimas.
Em verdade em verdade, era uma outra forma de protesto e tudo isso ao destaque da PRIMEIRA PÁGINA. E haja escarcéu!!! Ainda assim o Regime deixava passar. A esse tempo eu era um garoto-colegial, não devia nem pagava para o Regime e então eu não compreendia o SISTEMA mas ainda assim eu ficava “saboreando” aquelas receitas de bolos e doces. E lá vou eu correndo, discorrendo e transcorrendo vazio e evasivo, “sem lenço e sem documento”, qual uma Carolina na janela sem ver o tempo passar / mas vendo a banda passar.
O texto abaixo é como uma RECEITA DE BOLO (ou de doce?), que quer dizer sem dizer; que diz o que diz e que acaba sem NADA DIZER. E que, enfim, não diz nada com nada. Quer dizer: Não diz nada. OU melhor: nada no nado do nada.
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“... Enquanto todos os mortais se apinhavam no corredor, sustentado pelas “inquebrantáveis” e “inconfessáveis” colunas do Poder..., uns sentados e outros de pé, já com o horário marcado, após a marca, eis que qual um cometa distante a milhões de anos-luz, aparecia-desaparecendo o patrono da parte contrária. Este, sem dizer palavra e fechado em copas, indiferente aos mortais e soberbo e arrogante e indiferente qual um ente inacessível de outra galáxia, passava por todos, seguia no corredor, passava pela central da burocracia, feita de balcão e cancelos aos mortais comuns que é a Secretaria.
E adentrava senhoril em breve gesto de compadrio, ao indevassável gabinete de “Sua Excelência” onde ali permanecia só, sozinho, indiferente à sorte da plebe ignara que lá fora se acotovelava, uns sentados e outros de pé – até quando enfim, chegava o “Senhor dos Anéis” e já encontrava aquele ilustre patrono, seu amigo do peito, ali dentro, ao seu aguardo e ao regalo do nobre e recatado ambiente, ao silêncio que em tais circunstâncias era destinado tão só ao “Senhor do Anéis” – este com poder de decidir sobre o infortúnio e a sorte; a vida e a morte dos vassalos em pés no chão.
Algum tempo depois, apregoavam-se as partes em litígio e então, os mortais comuns, em fila indiana, adentravam a sala do “Senhor dos Anéis”, ali encontrando já aboletado, solene e dono da situação aquele patrono arrogante, prepotente, sabichão e professoral que antes passara indiferente entre os demais. E então, o desfecho dessa querela pública já era sentido na carne e visivelmente esperado, em particular.
Outro patrono, ausente em princípio, também compunha essa trupe que se refestelava absorta sob as luzes da ribalta, ao sabor desse TEATRO de encomenda e facilidades. Como quem carrega um saco de farinha para meter a mão quando quiser. Afinal, ali, todos “farinha do mesmo saco” E, como num jogo de cartas marcadas, a desgraça para uns (de um lado) e a brisa sórdida para outros (do outro lado). Nesse jogo de cartas marcadas, há muito que a sorte estava lançada! Qual num curral, num brete de matança de gado: um caminho sem volta, a carne exposta e o desfecho da morte!
A vida sobre a face do chão é feita também desses gravetos, marchetagens, engendros, deturpações e iniquidades. Imaginam os atores que esses desvãos poderão ser pelo resto dos dias terrenos. Mas terá sempre alguém que verá que os protagonistas desse espetáculo do horror estavam e estão passando por cima, massacrando e pisando e cuspindo sobre “a vida” alheia. Mas... como ensina a vida e dita a canção: “o mundo não se acaba na nossa porta”. Certo ainda de que “nesta vida e sobre o chão nada será para sempre”.
Decorrido pouco tempo dessa desgraça, ao experimento da forca e da “navalha na carne” até parece que uma maldição se abateu sobre aquilo: Parte maior dos estróinas, quase todos de origem, venderam suas invasões por menos de trinta dinheiros; a prestação gratuita de serviço social da vítima vencida e retalhada na querela, restou à deriva, aos desvãos; morreu o consorte da liderança da invasão, morreu aquele outro seu fiel escudeiro. E o “Senhor dos Anéis” de então que, provocado, anulou parte de sua prolação, já não é mais Senhor, muito menos dos anéis, deixando na orfandade seus então amigos das luzes da libalta e do banquete à mesa. Um dos patronos que queria ser o alcaide do “gamelão” perdeu a competição e o outro foi expulso do armário pela pública opinião. (In “O PAPEL AGUENTA TUDO).
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