REGISTROS DA MENTE
Eu lia extasiado, no jornal, as crônicas de amor e dor do mestre Wady Sauáia que entre outras publicou. As crônicas de Sauáia, de determinado período, ensejaram o livro CENAS QUE FICAM, que eu, seu admirador, já li meia dúzia de vezes, com o desprendimento de quem bebe sedento num oásis, uma riqueza gramatical de tanta sabedoria e domínio da língua, da linguagem e do fato. Inspirado no título CENAS QUE FICAM, do pranteado mestre, é que tomo a liberdade do meio-plágio para descrever agora a “CENA QUE FICOU”, que é, em mim, a lembrança de um fato passado, da vida real.
E revejo agora o privilégio da mente, e vejo o quanto a mente é pródiga, é incrível, é única é criação do CRIADOR. E assim a mente – essa criação do CRIADOR, nos entrega de graça, num instante e de um momento ou ainda que ao exercício dos neurônios lembrança do quanto se passou - uns que vivemos talhados na carne e na alma, outros que estivemos como simples espectadores dos picadeiros ou das arquibancadas da vida. E assim vamos lembrando de CENAS QUE FICARAM, em nossa vida.
Corria o início dos anos 1970 e por conta do começo do ofício de advogado, levado pelo vento, fui bater no meio do mundo e no meio do tempo, nas terras de um homem que ali lhe dou o nome de JOÃO. João do Lago! João do Lago foi um homem de posses, próspero. Criador. Tinha dinheiro, tinha tudo. João do Lago: só o nome bastava para comprar e vender! Mas como tudo na vida é um tempo, João do lago, viveu o seu tempo. Depois perdeu, tornou-se viúvo e foi perdendo... perdendo... e só lhe restaram as terras (um mundo de terras), meia dúzia de gados. Também lhe restaram a doença, a frustração, o infortúnio e os sofrimentos.
E os filhos em volta, quase todos senão todos queriam o seu quinhão, a sua herança. O inventário. O velho João vivia sufocado, abandonado, debaixo de pressão, de tormentas. Os filhos queriam porque queriam a partilha mas o velho patriarca, só tinha uma vastidão de terras; não tinha quase um centavo nem para o café que era o seu vício. Restava-lhe apenas o abandono, o desprezo, o menosprezo, a solidão. Olhava naquele mundo em volta e era relegado como um estranho, um peso, um intruso no que foram os seus próprios domínios.
Estive pessoalmente na casa do velho João - naquele casario de quem já teve, de quem já pôde e vi que bem ao terreiro de sua casa despontava um lago, que lhe dava o codinome: JOÃO DO LAGO! Ainda festejado por japiaçocas, jaçanãs, garças, marrecas e outras aves e pássaros e peixes – tudo ali outrora feito de fartura de riqueza e que agora, qual o seu senhorio ocupante solitário da “casa grande”, o velho lago aos poucos sucumbe, assoreia, seca e vai morrendo. E que tudo ali naquele outrora santuário natureza, vai virando em pauperrismo, abandono e solidão, qual como se o próprio relicário fosse solidário ao velho proprietário. Afinal a vida me ensina que, assim como são as pessoas são as criaturas.
E o direito também ensina que o acessório segue a sorte do principal. Tai o velho João, tai o seu Lago!!! Então eu, um indomável questionador do social, pude então conferir que assim como o velho JOÃO DO LAGO que aos poucos morria em sua tristeza e ao seu abandono, assim também era o lago à frente de sua casa, também entregue às ervas daninhas, ao mato, ao assoreio e ao abandono, ainda que à presença de aves e pássaros e alguns outros que dele precisavam, enquanto que o velho João, o patriarca de outrora, agora agoniza sem mais ninguém e sem mais nada à sua volta.
São, enfim, os retratos da vida. E, como na paráfrase ao mestre Wady Sauáia faz quase meio século: são CENAS QUE FICARAM, para reconstruir construir agora e somente agora, meio século depois, os rastros destes... CAMINHOS POR ONDE ANDEI.
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