A LENDA DO POÇO DO VIRÔ, NA MINHA TERRA!
Ando doidinho de vontade de voltar à minha terra natal, naqueles capoeirões do meio do mundo e fim do mundo, de onde eu vim. Mas não posso. Estive lá em agosto do ano passado. O inverno lá, estica-se de novembro até aqui, e lá se vão mais de oito meses “encarreados”. E segue firme. De conseguinte não tem estrada de chão por lá. O jeito que tem é esperar. Enquanto isso... vou aqui relembrando uma lenda viva do meu lugar.
A palavra de Deus nos livros de João e Gênesis nos remete ao lendário “poço de Jacó”, onde Jesus encontrou-se com uma Samaritana e pediu-lhe água de beber. Esse poço vem da era de Cristo; poço que serviu aos peregrinos que por ali passavam, bem como aos rebanhos que ali bebiam e está construído sobre uma rocha. Situa-se nos arredores do sítio arqueológico de Tell Balata, a Siquém bíblica, na cidade de Nablus, na Cisjordânia, e tem atravessado milênios. Esta breve anotação é para situar um prodígio secular, chamado POÇO DO VIRÔ, que existe na minha terra natal, no que fora pouco mais adiante do quintal da nossa casa.
Por volta dos ano de 1960, o senhor meu pai adquiriu um pequeno lote de terras, que ali chamava-se CARRO VIRÔ, ou simplesmente, VIRÔ. Conta a lenda que ali fora terreiro de escravos, porém não há registro ou resíduos de engenho, “casa grande” ou plantio de cana-de-açúcar, mas a antiga casa de taipa e telha que vem da antiga moradora e ocupante do local, Dona Paula Castro, era cercada de um sítio de velhas mangueiras, bacurizeiro centenário e outras frutíferas. De lembrar também que o nome “Carro Virô”, do lendário local, teria vindo de um acidente com um carro de boi, em tempo de escravidão.
No local, dentro do mato, porém, uma obra impressionante: UM POÇO, construído sobre uma rocha (rocha de pedra firme, única), de cujo poço não se tem notícia de sua origem mas dizem que a cacimba fora construída por escravos e data de mais cento e cinqüenta anos, sendo que os nossos avós e seus contemporâneos, ao que posso registrar, não tiveram notícia de sua origem, o que me permite avaliar que o POÇO DO VIRÔ tem atravessado, por no mínimo, SEIS gerações.
E como que por um capricho do destino, referido poço, de incríveis paredes retilíneas, do tipo “tecnologia de última geração”, situa-se na linha de divisa, dentro do mato, no pequeno lote que hoje pertence aos herdeiros do meu pai. E, por conta desses caprichos que meu irmão Zé Branco e eu, quando o sol da minha vida já vai declinando no horizonte, tornamo-nos zeladores e obreiros e “titulares” daquela magnífica obra da natureza... e do homem!
O local e região são pobres em água – esta que é obtida em cacimbas de fundo de quintal – cacimbas que vão às raspas, no verão. Enquanto isso, o POÇO DO VIRÔ, em que minúsculos e quase imperceptíveis filetes de água destilam na pedra, numa incrível magia da natureza e servem àquele povo no verão, no alto verão da seca e Na sequidão; quando as mulheres rondam distância, com suas vasilhas na cabeça à procura de água. Passada a seca, o verão, a sequidão, O POÇO DO VIRÔ é esquecido e entregue à escravidão do abandono, de onde veio.
Recente, encontrava-se o poço em estado de destruição, com parte das madeiras seculares do bocal em fase de deterioração, com o seu bocal tomado de mato e todo o marasmo e abandono ao redor. Daí que Zé Branco e eu, sentimos e tomamos as dores e trabalhamos a restauração. Ficou tudo lindo e maravilhoso, qual a Praça da Bíblia por aqui, mas os que dele se servem, dele se lembram só no verão, no alto verão, na seca, na sequidão.
DO POÇO DO VIRÔ, eu guardo uma lancinante lembrança, uma lição. Estava lá pelos meus 12, 12 anos anos quando uma seca tomou conta daquele meu lugar. As pessoas andavam com vasilhas sobre as cabeças à procura de água e levantavam-se na madrugada, para raspar água do fundo do poço, todos que estavam secos e por ali, só o POÇO VIRÔ sobre a rocha de pedra, destilando minúsculos e imperceptíveis filetes de água, estava lá testemunhando a disputa! Para saciar a sede e as dores daquela gente!
E então, em dias de domingo, o povo - homens, mulheres e crianças - saiam pelos caminhos rezando benditos, pedindo água, chuva praquele sertão. As mulheres cantavam versos e os homens, desarmados, tiravam o chapéu. E a minha pranteada mãe - DONA LOLA - com lágrimas nos olhos estava na procissão e eu lá, pelo meio, acompanhando a minha mãe. Lembro-me então que lá no terreiro do POÇO DO VIRÔ concluiu-se a penitência, a procissão, pedindo chuva, pedindo água para o meu sertão. POÇO DO VIRÓ, que no inverno é abandonado, desprezado e volta à escravidão. E volta a ser lembrado na próxima estação - na seca, no verão, na sequidão.
Para dar vida ao POÇO DO VIRÔ, na extrema (a divisa) do sítio florestal, onde fizemos construir o MEMORIAL DE ANTÔNIO DE INEZ, em honra ao meu pai, nas terras que ele deixou, primeiro colocamos uma placa no terreiro do poço com os seguintes dizeres: “POÇO DO VIRÔ – o ideal de um forte, o suor do escravo; riqueza da natureza. Bênçãos do Criador. Água para uso do povo, SEMPRE!
Em seguida, fizemos no ponto de acesso à beira da estrada vicinal, uma PEDRA DE MEMÓRIA, edificada em blocos de concreto vazado com dois metros de altura por um metro e vinte centímetros de largura, com os seguintes dizeres em letras plotadas, em placa metálica: “POÇO DO VIRÕ: A vida aqui passa pelo poço do Virô”.
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