A CURVA DO CAMINHO
Nunca pensei que aquela curva do caminho viesse a exercer tamanha influência na minha vida. Nunca pensei que aquela curva do caminho viesse a ocupar por incontáveis noites o meu imaginário: atravessa-se no meu sono, implica em meus anseios; me faz retroceder no tempo, faz de mim um menino; por vezes sentimento de culpa, lembranças tantas; reconstruções incríveis da minha vã imaginação. E eu ali, no epicentro desse pequeno mundo gigantesco que é... A CURVA DO CAMINHO.
É bem ali, na curva do caminho que ficava a CASA DO MEU AVÔ, lá mesmo que por algum tempo foi a TAPERA DO MEU AVÔ e, tempo depois, um matagal abandonado, um “entaniçado” de cipós em meio e por sobre pequena vegetação fazendo daquilo um típico abandono, sem mais qualquer vestígio da casa e sítio que um dia foi - o que me permitiu nas minhas vãs e doídas elucubrações da mente, caracterizar aquilo – o local – como uma “empuca de mato”.
E quando digo “sem mais qualquer vestígio de que um dia foi”, retrocedo e me corrijo para dizer que não é bem assim, afinal, naquela CURVA DO CAMINHO existem três mangueiras centenárias, indicativas de que ali foi tapera de um vivente. Antes da curva, um pequeno estirão e caminho que intercalava a casa do meu avô à do meu tio e padrinho. E depois da curva, no outro sentido, um outro estirão rumo ao “rio”, que era também o caminho dos patos da minha avó, na ida e na volta do rio, estirão que se enchia d’água quando o “rio” também se enchia. E tudo isso mexendo com a minha mente, com o meu ser-gente.
E bem ali, nesse entaniçado de mato, que ficava a casa, o terreiro de tantas “criações” da minha AVÓ. E, ao lado desse estirão, na CURVA DO CAMINHO, na rota que vai para o rio, três pontos que me marcam gravemente! Um deles onde ficava o cafezal, o outro onde ficava um canavial, e aquele outro momento, eu distante e no meu tempo colegial, onde tombou a minha avó JULIANA DE DOCA – corpo para um lado, cabaça d’água para o outro lado, vítima de um infarto fulminante.
Ali na CURVA DO CAMINHO um dia foi a casa do meu avô. Casa e avô de lembranças tantas. Na frente da casa o terreiro, verdinho pelo capim rasteiro. Era ali onde as rolinha fogo-pagô faziam festa à proteção da minha avó que ensinou a seus netos que eram “Galinha de Nossa Senhora” e, portanto, intocáveis e “sagradas” para o nosso imaginário. Nesse mesmo terreiro, à frente e ao lado, ficava a “eira”. Era um “sequeiro” artesanal feito de barro e força bruta. Uma cobertura móvel de palha, corrediça, compunha a eira. Eira para secar arroz, milho, feijão, peixe, quirera (caroeira) e tudo o mais. Produtos que depois eram “empaneirados, e ia para os paióis. Meu avô foi tocado, sempre, pelas fartura dos seus paióis: farinha, feijão, arroz, peixe seco e tudo o mais.
Naquele terreiro, bem na CURVA DO CAMINHO, ficava um laranjal. Mais adiante limoeiros, de maduros e amarelos e tanto limão pelo chão. Lembrança forte é daquela limeira, no quintal, quase pegada à cozinha, ao lado daquela mesa de refeições. Limas amarelas, “grandonas”, bonitas. A gente moleque gostava era mesmo da laranja e não dava valor. Porém, a lima era a fruta do meu avô. Hoje, a lima também é minha fruta, até porque nela está a memória do meu avô. Lembrança ainda era daquela “Laranja Boi” grandona, azeda. Mas moleque come tudo! Nostálgico, agora, é lembrar das ingás, dos amarelos e graúdos cajus-pacova e da manga rosa e da mangueira de manga rosa e das tangerinas, por trás da “eira”, na saída para a casa de farinha, esta do outro lado do caminho.
Na CURVA DO CAMINHO e por trás da casa, ficava a estribaria dos cavalos que meu avô ensinava-os a marchar, a cada um, com argolões ao pé. E pouco mais adiante aquela mangueira de manga rosa que, no meu imaginário, pertencia ao meu tio PEDRO DE DOCA, o caçula da filharada, herdeiro daquele pedaço de chão onde faz a CURVA DO CAMINHO; chão que ficou para duas filhas herdeiras de PEDRO e que hoje com as bênçãos do Criador meu irmão e eu nos tornamos “donos”, por um tempo enquanto vivemos este tempo.
Na CURVA DO CAMINHO e sobre o que foi as terras do AVÔ, ali meu irmão e eu, acabamos por construir o MEMORIAL DE DOCAS BARROS. Nada de excepcional, mas... um discreto SÍTIO FLORETAL, cercado e nele erigido uma imponente pedra de memória, em módulos pré-moldados, justo em cima da elevação de saibro que mandei plainar, onde fora a casa do meu avô, com a inscrição em letras metálicas: “MEMORIAL DOCA BARROS”. E imponentes mais ainda dois portais em concreto armado (cimento, ferro brita e areia), um em cada vértice, na CURVA DO CAMINHO, três metros de largura, dois e trinta de altura. Um para homenagear meu avô DOCA BARROS e outro para a minha avó JULIANA DE DOCA.
Nessa solitária, silenciosa e desabitada CURVA DO CAMINHO, “santuário” de memórias e de minhas memórias tem uma simbólica pracinha “Sol e Lua”, com decoração em arcos góticos para lembrar um cristão sagrado e consagrado, eternamente pranteado na minha memória e no meu coração que é o meu tio e padrinho e vulto das minha saudades - RAIMUNDO DE DOCA. E, ao lado, o perfil de uma cobertura em PVC: “vivenda tio PEDRO DE DOCA”. E do outro lado do caminho, pregado na centenária mangueira, uma placa: Aqui, meu avô DOCA BARROS viveu, plantou e colheu”.
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