AÇAÍ / JUÇARA

Sim, mas o nome mesmo é AÇAÍ OU JUÇARA? De minha parte eu acho que é tudo igual, a mesma coisa, e muda apenas de nomenclatura, conforme a região, a linguagem e os costumes. Uns aceitam a ideia de que açaí e juçara são a mesma coisa, mas outros  questionam e apontam diferenças. Apontam que a juçara “perfilha”, faz-se em moitas, desenvolve-se à beira de aguadas ou terras frias, ao passo que o açaizeiro é de uma palmeira individuada, solitária, de sobrevivência em terra seca, sendo, porém, que os frutos guardam as mesmas características. Por conta dessa polêmica, eu que diria que açaí e juçara são tudo a mesma coisa, acabo  na dúvida.

Eu ainda era uma criança, lá pelos sete anos de idade, e o meu pai, então morador em terras alheias, adquiriu uma choupana de um cidadão que se mudou para a capital. O local ficava afastado de tudo e de todos. Era  numa encosta de mato a dentro e o vizinho de cada lado a uma distância de um quilômetro. E ali, sim, “o fim da picada”. “O fim do caminho”. A grande área aos fundos era feita em terras devolutas que mais tarde o meu pai regularizou-as e titularizou-as em seu nome. Já escrevi vários textos sobre essa moradia. E, mais recente, escrevi “OS MORADORES DE DENTRO DO MATO”.

Já naquele tempo o meu pai costumava dizer que “Deus escreve certo por linhas tortas”. E era! Embora morássemos dentro do mato, vizinhos distantes,  fim da picada e fim do caminho, eu, então um moleque, estaria longe de imaginar que logo ali, na beira daquela choupana, estaria assentado um verdadeiro oásis, uma bênção, uma santuário da natureza - com água potável, ora na cacimba de água azul, ora noutro ponto, escorrendo num pequeno filete a poucos metros da beira da casa. E mais: um juçaral, feito de sombras e de fatura uma vez por ano, em sua estação. Riqueza  de juçaral que se completava com dois gêmeos e lindos buritizeiros – quais maravilhosos eram os seus frutos, os seus buritis De sorte assim que JUÇARA E BURITI eram uma fartura só,  compondo o prato da mesa e a barriga cheia, à sua estação.

E assim tantas vezes quando eu voltava de férias lá estava eu de “olho pra cima”, naquele santuário que eu nem imaginava sê-lo,  à procura de cachos maduros. E daí me aventurava em subir naquelas juçareiras, nas alturas. E, tantas vezes, lá em cima, passava de uma para outra e trazia, não raro, até dois cachos. E ao final estava sempre prestando contas com cipós lacerantes, formigas e raladuras pelo corpo. Um desafio de que não me esqueço é quando a gente se aventurava naquelas juraçeiras das beiras sujeitas ao açoite do vento, lá pelas quatro, cinco da tarde.  A juçareira fazia um rodopio e a gente estava a uns nove, dez metros de altura.  Ali era frio na barriga e adrenalinas nas alturas. Então fazia-se promessa para SANTO EXPEDITO para chegar com vida lá em baixo. Depois acendia-lhe palitos de fósforos. Enfim, cumpria-se a promessa, Lembranças essas que já me renderam vários textos, no jornal e  no rádio.

Juçareira e juçaral tornaram-se marcas em minha vida. Marcas indeléveis, inesquecíveis e inquebrantáveis! E quando ando pelos estradões da vida, a cem por hora e por vezes contemplo  juçareiras e juçarais, logo  na mente me passa um velho filme. E fico fascinado e revejo a minha infância; revejo juçareiras em rodopio e eu lá em cima, ao risco de vida, fazendo promessa para  SANTO EXPEDITO. Revejo aquele santuário de juçareiras à beira da minha pobre choupana dentro do mato. Revejo a mesa farta com tiquara fosse de buriti, fosse de juçara,  na mastigação do peixe-seco com farinha de puba que faziam o pão nosso de cada dia, num tempo em que éramos  felizes e não sabíamos.

E agora esse papo de AÇAÍ/JUÇARA??? Por que mesmo?! Tenho o hábito de plantar juçareiras, sempre que possível. Amo seus frutos, suas palmeiras, sua folhagem, suas sombras, seu visual e tudo enfim. Nesse “encasquetamento”, tenho algo como seis pequenas moitas de juçareiras, adultas, no meu quintal que compõem um universo de vinte delas. E, perante aos que comigo convivem, uma simples orientação: ninguém toca, ninguém mexe numa folha sequer. E assim minhas juçareiras tocam a vida impávidas, tranquilas e felizes, comigo seu companheiro e protetor. Sempre!

Neste intenso inverno elas caíram no cio, curtiram à vontade, rolaram e aproveitaram!  E cada uma delas “pariu” entre quatro e até sete cachos de juçara. Uma riqueza! Uma maravilha extraordinária! E já prevejo que vamos ter festa na tribo com tanto “vinho de juçara”, que é como se dizia na choupana, lá no mato, em tempos de promessa à SANTO EXPEDITO. E com mais fartura do que nos dois últimos anos que foram fartos.

E a Deus querer e eu lá com vida e com saúde, acompanhando passo a passo, detalhe por detalhe e vivendo  os cuidados e a extração de cada quota de cachos a serem “debulhados”, e conduzidos à máquina em que pago por tarefas, desde a extração, ao preparo e tudo o mais. É um preço que não tem preço, porque o açaí/juçara, como bem assim o açaizeiro ou a juçareira fazem parte do meu DNA, desde os tempos em que, morador daquela choupana dentro do mato, longe de tudo e de todos e ao vergaste do vendo sobre a desafiante palmeira e eu lá em cima ao risco de vida e morte, fazia promessas para SANTO EXPEDITO, quando éramos felizes e nãos sabíamos.